COMENTÁRIO
“Blood,
sweat and… fears”
TERESA DE SOUSA
20/02/2016 -
1.Foi uma cimeira
que não seguiu exactamente o figurino habitual nestes tempos de
crise europeia. Em primeiro lugar, a decisão da chanceler alemã de
permanecer longe dos holofotes e das negociações e deixar que os
outros “se entendessem”, é uma novidade. Antes de chegar a
Bruxelas, Angela Merkel tratou de não deixar dúvidas sobre aquilo
que realmente pensava sobre a negociação com o Reino Unido:
mantê-lo na União é do “interesse nacional” alemão; muitas
das suas reivindicações são perfeitamente justas. Limitou-se a
esperar por um acordo que acabaria por ser alcançado para dar a
Cameron a possibilidade de travar, a partir de agora, a sua “batalha
pela Europa”. Merkel também sabia que o seu homólogo britânico
precisava de uma cimeira de três camisas” (bastaram-lhe duas) para
provar aos britânicos que se tinha batido “com sangue, suor e
lágrimas” pelos interesses do seu país. Donald Tusk fez o seu
trabalho prévio para aproximar posições e resolver “linhas
vermelhas”. Quando já só sobrava o conflito com a Polónia sobre
os direitos dos emigrantes que trabalham em Inglaterra, deixou
Cameron e Beata Szydlo a negociarem sozinhos numa atribulada corrida
contra o tempo. Depois de sete anos em que a Polónia, liderada pelo
partido liberal de Tusk, se transformou num parceiro europeu
responsável, a Europa vê-se de novo a braços com o mesmo governo
nacionalista e hiperconservador com que teve de lidar há nove anos
para fazer aprovar o Tratado de Lisboa. Mas, feitas as contas,
Cameron regressou à pátria, não apenas com uma vitória mas com um
novo discurso pró-europeu mais convincente.
2. A distância
mantida pela “senhora que costuma mandar” quis significar que
esta a não era a batalha mais importante que tem pela frente em
Bruxelas. A sua prioridade está na questão dos refugiados, que vê
como uma ameaça directa à integração europeia e aos seus valores
fundamentais, mas que é também um problema político para a sua
liderança, muito criticada internamente. Separou os dois dossiers,
garantindo uma nova cimeira a 6 de Março, precedida de um encontro
entre os líderes europeus e a Turquia, que a chanceler considera
fundamental para aliviar a pressão dos refugiados sobre a Alemanha.
Na sexta-feira, disse aos jornalistas que o resultado mais importante
da cimeira tinha sido o acordo sobre a prioridade dada à Turquia.
Tem perfeita consciência de que os seus parceiros europeus não
estão com grande disposição de lhe fazer a vontade (Portugal é
uma boa excepção), que rejeitam o sistema de quotas e que, até
agora, preferem erguer arame farpado nas suas fronteiras e culpar o
vizinho do lado.
3. François
Hollande também foi uma presença discreta, embora as suas
exigências ainda tivessem alguns laivos de um passado já muito
distante, quando França via a Europa como a extensão do seu poder e
a Inglaterra como o Cavalo de Tróia dos americanos (hoje, se Obama
tem um aliado para os conflitos no Médio Oriente, ele é o
Presidente francês). A sua defesa da “união cada vez mais
estreita” (“ever closer union”), inscrita em todos os tratados,
mas à qual já ninguém liga muito, corresponde a esse resquício do
passado. A França, que rejeitou a Constituição europeia em 2005,
também dispensa mais integração para defender os seus interesses,
até porque a sua opinião pública não está receptiva. Hollande
tem uma única preocupação: conseguir a reeleição em Abril do
próximo ano. Já entrou em mood eleitoral. Os atentados terroristas
de Paris permitiram-lhe apresentar-se como um líder forte capaz de
manter o seu país em segurança. As palavras “imigrante” ou
“refugiado” não são hoje em dia nada populares em França,
alimentando a Frente Nacional, e o desemprego continua a crescer. Os
franceses culpam a chanceler pelas suas decisões unilaterais em
matéria de refugiados e não estão receptivos a mais quotas.
4. De resto, as
linhas de batalha em torno dos emigrantes europeus e do seu direito à
livre circulação e à não-discriminação definem-se, não em
função de princípios fundamentais, mas do interesse de cada um,
abrindo outra divisão entre os países de emigração e os de
imigração, que correspondem às divergências económicas entre o
Norte e o Sul. Cameron sabe tão bem como qualquer outro líder
europeu que a maioria dos que vão para Inglaterra têm como único
objectivo encontrar trabalho melhor e mais bem pago (o que é mais
fácil no seu país) e não para o “turismo social” de que são
acusados pelos britânicos, mas também pelos alemães ou pelos
austríacos. E sabe ainda que uma das grandes vantagens do seu país
é estar a registar um crescimento acelerado da população, graças
a essa imigração e a uma taxa de natalidade bastante superior à
média europeia. É uma enorme vantagem para o futuro que, por
exemplo, a Alemanha não tem, com a sua população a diminuir e a
envelhecer. Mais gente produz mais riqueza, mais gente nova dinamiza
a sociedade e torna-a menos conservadora. Mas, como dizia o
historiador britânico Timothy Garton Ash, o erro maior do
primeiro-ministro britânico foi fazer depender o futuro do seu país
dos abonos de família dos polacos. Terá agora muito pouco tempo
para dissolver este imbróglio e convencer os britânicos que não
devem temer a União Europeia.
Até lá, a todos os
que ainda acreditam que a Europa pode ser salva, só lhes resta fazer
figas e invocar o maior de todos os políticos britânicos do século
XX. Há sempre uma frase de Churchill que consegue apontar para o que
é essencial. “Blood, sweat and… fears”, escreveu ontem o site
Politico, numa das suas análises sobre a cimeira. É o medo que está
a mais, um sentimento que o velho leão britânico necessariamente
desconhecia.
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