sábado, 9 de novembro de 2013

A prioridade esquecida




A prioridade esquecida

Editorial/ Público
Os consensos políticos devem ser construídos a partir dos contributos da sociedade civil
Um país em crise é um país mergulhado em incertezas. Mas uma coisa sabemos. Ou julgamos saber: até ao fim do programa de ajustamento, em Junho, o país terá de definir para onde quer ir nos próximos anos. Os contributos para construir essa estratégia têm-se multiplicado. Este sábado, a Plataforma para o Crescimento Sustentável acrescentou as suas propostas às do Conselho Económico e Social ou da Sedes, entre outros. Ao apresentar o guião da reforma do Estado, o Governo colocou a questão no centro do debate. Na verdade, trata-se de um guião para discutir os termos de um programa cautelar. Considerado inútil e propagandístico, o documento apresentado por Paulo Portas afasta-se, no entanto, de algum discurso mais radicalmente neoliberal do Governo, como bem sublinha Daniel Bessa, num texto nesta edição do PÚBLICO. Porém, nesta discussão incerta, uma constante está garantida: os partidos estão demasiado fechados nas suas posições para construir consensos. Isso não tem a ver só com a crispação política em que vivemos, mas com a pobreza das propostas partidárias. Do lado da maioria conhecemos a miragem: a austeridade é inevitável e abrirá as portas do crescimento. Do lado dos socialistas estes parecem continuar amarrados à ideia do crescimento induzido através da procura interna, que é chão que já deu uvas. A esquerda comunista e bloquista afasta-se de qualquer debate que ponha em causa as credenciais "anti-sistema" do PCP e do BE.
Ao mesmo tempo que os partidos estagnam, a sociedade civil fervilha: não há austeridade de ideias em nenhum quadrante ideológico. E põe-se um problema: como transferir os contributos da sociedade civil que pensa para o universo dos decisores políticos, que a dimensão da crise não afastou do tacticismo partidário e aos quais parece cada vez mais faltar massa crítica e competência para desenhar políticas? Neste contexto de crise em que todos têm prioridades incontornáveis para reconstruir o país, a prioridade esquecida parece ser esta: como alargar à sociedade civil a base de reflexão sobre a qual possam ser construídos consensos sólidos e não de ocasião, como aqueles a que apelam o Presidente (ou os partidos da maioria)?
Não é fácil. O futuro é uma quadratura do círculo. É necessário reduzir o peso do Estado sem o destruir e encontrar uma fórmula para crescer economicamente que ninguém sabe qual é. Isto para não falar das questões europeias, sobre as quais não podemos decidir. Precisamos de realismo, de imaginação, de competência. Não podemos esperar pelos partidos: isso é o mesmo que adiar de novo o debate, até à próxima crise. Porque o debate sobre o futuro que está a animar a sociedade portuguesa devia ter surgido no início do memorando e não no fim. Percorremos mais de dois anos a navegar à vista, como um país que se proibiu a si próprio de escolher. Não podemos continuar assim.

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