quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

EDITORIAL / PÚBLICO António Costa e o perigo dos sinais errados / Entre o que a CE quer e os acordos feitos com PCP e BE, Governo tem margem de manobra curta


EDITORIAL / PÚBLICO
António Costa e o perigo dos sinais errados
DIRECÇÃO EDITORIAL 02/02/2016 – PÚBLICO

O mal foi negociar acordos a pensar que este é um governo efémero. Bruxelas pode não perdoar.
Não fora estar toda a gente a pensar em eleições e não precisaríamos agora de reviver os tempos sinistros da troika e da austeridade. A última semana tem sido uma espécie de revisitação dos preliminares desse regresso ao passado, quando a invocação dos mercados, a pressão das agências de rating, os avisos de Bruxelas e o confronto da retórica política pré-anunciavam más notícias. Nesta terça-feira, nos noticiários, nem faltou aquela expressão superlativa das “medidas adicionais” a propósito das negociações entre as autoridades europeias e o Governo português sobre a redução do défice estrutural. O sr. Dombrovskis, vice-presidente da Comissão foi claro: sim, já foram feitos progressos, mas não chega. Percebemos o recado.

Como se vê, nada mudou em Bruxelas, que na sua agenda autista e desenfreada continua a agir como se não tivesse mudado nada em Lisboa. E, já agora, como se não houvesse hoje noção dos erros grosseiros cometidos nos chamados programas de ajustamento. Esses erros não são invenção de eurocépticos ou delírio de prevaricadores para justificar eventuais incumprimentos, nada disso! São relatórios subscritos pelos credores, membros da troika, que escrevem uma coisa e fazem outra, como inimputáveis em permanente risco de surto psicótico. As consequências políticas desta irresponsabilidade são dia a dia mais visíveis por toda a Europa e não são um espectáculo agradável para quem preza a democracia, a solidariedade e a justiça.

Recém-chegado ao poder, o Governo de António Costa pensou que a Europa, a braços com problemas como o terrorismo, a crise dos refugiados ou o referendo no Reino Unido, iria fazer vista grossa ao irrelevante caso do défice português. Foi sob a égide desta ingénua previsão que o PS negociou os acordos com o PCP e o BE, acordos em parte alinhados com o seu próprio programa eleitoral. Sempre se soube que as eleições de Outubro não trariam maiorias absolutas, o poder seria efémero e o segredo a preparação do futuro. O futuro, neste caso, não seria um lugar estranho, mas um cenário com ritual de passagem pela governação com um programa e um, dois?, orçamentos para aprovar. Todos os partidos com assento parlamentar sabem que é quase impossível que este Governo cumpra uma legislatura; os três que o apoiam negociaram os acordos com os olhos no dia seguinte à sua queda. A pressa de satisfazer as clientelas eleitorais justifica a pressa em executar todas as medidas de supetão, como se o critério fosse apenas reverter tudo sem cuidar da equidade nem da justeza do que vem a seguir?

É fundamental que Bruxelas perceba que a vontade dos portugueses conta e que há um antes e um depois de 4 de Outubro de 2015. Um Governo que não faça valer a sua legitimação nas urnas não está só a defraudar os eleitores, mas a contribuir também para a criação de uma caricatura da própria democracia. Mas quem se quer fazer respeitar e ouvir não pode enviar sinais errados. As 35 horas e a reintrodução dos feriados são mesmo prioridades?


Entre o que a CE quer e os acordos feitos com PCP e BE, Governo tem margem de manobra curta

Depois de Portugal falhar, por causa do custo associado à resolução do Banif, o objectivo de colocar o défice abaixo de 3% em 2015, a CE quer ver no OE para este ano uma meta que fique de forma confortável dentro dos limites estabelecidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. O anterior Governo tinha apontado em Julho para uma meta de 1,8% do PIB (depois dos 2,7% não cumpridos em 2015). O actual Governo começou por apresentar uma meta de 2,8% no programa do Governo, que baixou para 2,6% no esboço do Orçamento e que agora parece disposto a colocar em 2,4%. O problema é que, nas contas da CE, os números do Governo não batem certo e o défice pode ficar mesmo acima de 3% outra vez. Uma redução no défice estrutural A última recomendação feita pelo Conselho Europeu a Portugal era, depois de mais uma meta falhada em 2015, de uma redução do défice estrutural em 2016 de 0,6 pontos percentuais. No esboço do OE, o Governo apenas prometeu 0,2 pontos, o suficiente para deixar desde logo a CE insatisfeita. Mas o problema tornou-se ainda maior porque, para atingir esse valor, o executivo classificou como medidas extraordinárias muitas das reversões de austeridade previstas para 2016, como o desaparecimento dos cortes salariais na função pública ou a redução mais rápida da sobretaxa. A CE e o Governo estão a negociar qual a melhor forma de contabilização destas medidas, mas o que é certo é que Bruxelas quer ver um maior esforço de consolidação orçamental e não apenas uma redução do défice baseado no crescimento da economia.

Mais reformas estruturais
No passado, em países que não cumpriam nos seus orçamentos com as metas exigidas para o défice, Bruxelas aceitou como atenuante a apresentação de planos de reformas estruturais ambiciosos. Para a CE, fazer reformas estruturais significa flexibilizar os mercados laboral e de produtos, por forma a reduzir os custos das empresas, tornando a economia mais competitiva. Bruxelas gostaria de ver o Governo a apresentar mais medidas deste tipo.
O que o Governo garantiu aos partidos à esquerda
Reposição salarial O documento prevê “a reposição integral, ao longo do ano de 2016, dos salários dos trabalhadores do Estado”.

Prestações sociais
No Complemento Solidário para Idosos, o esboço prevê a reposição do valor de referência, passando de 4909 para 5022 euros anuais, repondo assim os valores em vigor até 2012 e permitindo que voltem a beneficiar desta prestação idosos que ficaram excluídos. Prevê-se que sejam abrangidos, em 2016, cerca de 200.000 idosos. No Rendimento Social de Inserção, prevê-se a reposição dos níveis de protecção, existentes até 2011, abrangendo cerca de 240.000 portugueses em 2016.
Prestações familiares
Aumento do valor do abono de família, com uma actualização de 3,5% no 1.º escalão, de 2,5% no 2.º
escalão e de 2% no 3.º escalão.

Pensões
Actualização de 0,4% de pensões e complementos até 628,82 euros. A partir de 1 de Janeiro de 2016, por aplicação das regras de actualização suspensas desde 2010, pretende actualizar-se 2,5 milhões de pensões.
Sobretaxa de IRS
Redução gradual da sobretaxa de IRS: 0% para rendimentos colectáveis anuais até 7000 mil euros (primeiro escalão do IRS); 1% para rendimentos colectáveis anuais entre 7000 e 20.000 mil euros (segundo escalão do IRS); 1,75% para rendimentos colectáveis anuais entre 20.000 e 40.000 (terceiro escalão do IRS); 3% para rendimentos colectáveis anuais entre 40.000 e 80.000 (quarto escalão do IRS).

Taxa Social Única (TSU)
Redução até ao limite de 1,5 pontos percentuais, sem consequência na formação das pensões, da TSU paga pelos trabalhadores com salário-base bruto igual ou inferior a 600 euros mensais.
Outras medidas
O documento estipula como meta “melhorar a sustentabilidade do sistema de pensões a médio prazo”. Neste aspecto, compromete-se, entre outros pontos, a estudar a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social. E não prevê qualquer nova privatização. Tendo garantido no seu programa de Governo, apoiado por uma maioria parlamentar, que irá proceder a uma recuperação do rendimento dos portugueses, agravar os impostos directos sobre os salários seria uma hipótese com elevados custos políticos. O Governo poderia centrar-se apenas nos escalões mais elevados de rendimento mais altos e nos rendimentos sobre o capital. A esse nível, as dúvidas que se colocariam seriam sobre a fiabilidade das estimativas de obtenção de receita adicional, já que neste tipo de impostos, um aumento de taxas pode conduzir a alterações do comportamento dos agentes económicos que minimizam o impacto na receita fiscal. Nos impostos indirectos, o Governo tem mais hipóteses de garantir ganhos imediatos de receita. A hipótese de um aumento do IVA, por afectar a generalidade da população e diminuir o poder de compra, parece também ser difícil em termos políticos, por isso o Governo tenderá a virar-se para produtos específicos, como combustíveis e automóveis. Nas negociações com a CE estas são duas áreas que fizeram parte das propostas do Governo. Por fim, o Governo pode optar por sugerir um agravamento dos impostos sobre a banca e as empresas.

Reduzir despesa de funcionamento
Com as principais rubricas da despesa intocáveis (salários e pensões), o Governo pode apresentar a intenção de cortar nas despesas correntes de funcionamento. Já o fez no esboço do OE e poderá voltar a fazê-lo. O problema é que, não havendo uma medida concreta por trás dessa intenção, a CE pode considerar as metas de cortes de despesa pouco credíveis.


Sérgio Aníbal e Maria João Lopes / PÚBLICO / 3-2-2016

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