segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Ao meu velho amigo Liceu Camões


Ao meu velho amigo Liceu Camões

No dia 1 de Novembro voltei ao Liceu Camões. Foi a primeira vez, desde Julho de 1966.
A razão da minha ausência, de quase 50 anos, deve-se a um provérbio popular que pratico desde sempre: "À boda e ao batizado, não vás sem ser convidado."
Devo ao Liceu Camões uma parte importante do que sou. Não é impunemente que se entra numa instituição como criança e se sai jovem adolescente, quase homem.
Podia ter voltado para matar saudades mas não era preciso, sempre senti que trazia o liceu comigo. As saudades das pessoas foram-se diluindo numa vida cheia e em encontros fortuitos, disso tenho muita pena!
O Liceu Camões que encontrei em 1959, quando tinha dez anos, era um edifício imponente mas amigável. Lembro-me do meu fascínio imediato pelos plátanos, que comecei logo a descascar, enquanto esperava pelas provas do exame de admissão à primeira matrícula nos liceus. Depois, tudo passou muito depressa: cinco anos na turma B e dois anos na turma A!
Muito já foi dito, e escrito, a respeito das pessoas e dos princípios que tornaram o Camões um liceu único em Lisboa. Mas não o suficiente para impedir que o edifício se tivesse transformado e degradado, exposto e abandonado às intempéries de 50 anos.
Na década de 60 do século passado o Camões era o liceu das Avenidas Novas e contrastava com o Pedro Nunes, mais virado para a Lapa. Nas nossas turmas era patente essa diferença: as nossas famílias tinham origens muito diversas e estilos de vida diferentes, mas éramos uma elite e o liceu deixou-nos uma marca que nos transformou, pelo menos a mim, para toda a vida. É em nome dessa marca única que decidi escrever esta mensagem.
Vou esquecer agora o que ficou em cada um de nós depois do liceu: as amizades, as cumplicidades e até as zangas! Quero apenas falar do edifício que nos une!
O Camões era, na época, uma estrutura modelar organizada para o ensino, sem luxos mas funcional e moderno. Seria uma cópia de outros modelos europeus? Talvez, mas ali, na Praça José Fontana, era um símbolo de um país que apostava na formação da juventude para o futuro.
Na minha visita de ontem, não precisei de entrar nas salas de aula, lembrava-me de cada detalhe. Caminhei com o diretor pelos gabinetes, ou o que resta deles, e relembrei as coleções notáveis de Zoologia, preservadas a todo o custo, e entrei em espaços de boa memória, como eram, no meu tempo, os gabinetes de Física e Química.
Fiquei chocado com a penúria do que encontrei. Como sempre aprendi no Camões vou ser objetivo nas palavras: basta!
Basta em nome dos jovens, cheios de esperança, que encontrei nos pátios, dos que ensaiavam uma peça de teatro na biblioteca, das professoras reunidas numa sala que parecia ter parado no tempo e do diretor, combativo mas triste, que começou por me mostrar o ginásio, onde já nem as cordas por onde trepávamos com esforço sobreviveram!
O Liceu Camões não pode ser tratado assim, quando existe um programa de reabilitação do parque escolar que instalou verdadeiros palácios em locais remotos onde existem cada vez menos alunos. O Liceu Camões está situado numa zona de Lisboa que vai crescer significativamente nas próximas décadas quando a Colina de Santana, ali mesmo ao lado, se transformar num dos polos de desenvolvimento tecnológico da cidade.
Quando saíamos do Camões, queríamos ter uma profissão e uma vida. A educação que recebemos dentro daquele espaço, vinda de professores tão competentes como diferentes entre si, está irremediavelmente ligada àquelas paredes que eram austeras, como a disciplina que nos impunham. Poderia ter sido diferente, mas foi assim. Mas, nessa altura, o liceu estava vivo e fervilhava com as nossas aspirações e com os nossos sonhos.
Hoje o Camões continua a ser um espaço vivo, alinhado com o tempo atual, muito diferente do nosso quando por lá passamos. Tem futuro. Mas como é possível viver num corpo em agonia?
Não vamos deixar morrer o Liceu Camões!
Professor universitário

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