Supremo manda EPUL pagar mais de
um milhão por despedimento ilegal
Actual presidente da Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do
Tejo não gostou de ser acusado de populismo esquerdista e retrógrado e mandou
embora Bernardo Pinto, já lá vão oito anos
“Estamos
perante um trabalhador (...) que reage, emocionalmente, a uma medida que
considerou profundamente lesiva dos seus direitos e errada enquanto medida de
gestão”
Ana Henriques /
11-7-2014 / PÚBLICO
Quando abriu o
email que lhe tinha sido enviado pelo departamento de recursos humanos naquela
manhã do final de Junho, Bernardo Pinto ainda era um gestor sem manchas no
currículo, com provas dadas tanto em Portugal, onde tinha sido director de
planeamento estratégico da TMN, como no Brasil.
O país discutia a
saída de Freitas do Amaral da pasta dos Negócios Estrangeiros e o desempenho de
Cristiano Ronaldo no Mundial de futebol na Alemanha, mas não era nisso que
pensava o director da Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, a EPUL.
Datado das dez da
manhã, o email anunciava o congelamento dos aumentos salariais dos dirigentes
de topo desta empresa da Câmara de Lisboa, como era o seu caso. Reagiu a
quente, e hora e meia depois o seu colega dos recursos humanos recebia uma
resposta sua carregada de azedume.
“Adopta-se o
slogan ‘Os ricos que paguem a crise’, numa óptica de populismo esquerdista
retrógrado. Será que a verba está reservada para as admissões de índole
política, como por exemplo a ex-assessora do presidente da câmara?”, ironizava
Bernardo Pinto.
Da parte da tarde
pediu a um dos administradores da EPUL — que haviam atribuído a si próprios
prémios de desempenho de legalidade duvidosa — explicações formais para a
decisão de não actualizar os salários dos dirigentes. Ainda pediu desculpa ao
colega dos recursos humanos, mas a desfaçatez saiu-lhe cara.
Proibido de entrar
Um mês depois, o
informático de serviço na empresa acompanhou-o ao computador para que copiasse
os ficheiros que entendesse. Mudaramlhe a fechadura do gabinete e a sua foto
foi afixada à entrada do edifício, garantindo que os seguranças não voltavam a
deixá-lo passar.
A 27 de Julho de
2006 chegava ao fim uma carreira de quatro anos como director de planeamento da
EPUL. “A sua presença na empresa é inconveniente e mostra-se prejudicial para o
bom andamento do processo disciplinar, dada a gravidade das infracções”
cometidas, disseram-lhe.
Quem estava à
frente da empresa era o actual presidente da Comissão de Coordenação Regional
de Lisboa e Vale do Tejo, João Teixeira, que hoje garante não se recordar
sequer do caso. Mas é sua a assinatura que está na nota de culpa do
funcionário, segundo a qual a posição de chefia que ocupava limitava o seu
direito de discordar ou até de criticar as decisões dos seus superiores
hierárquicos.
A atitude de
Bernardo Pinto foi vista como sendo “de inequívoca indisciplina e insubordinação”.
Ao despedimento somou-se ainda uma queixa em tribunal de João Teixeira e
restantes administradores por injúrias e difamação, que o Ministério Público
arquivou por entender não existirem indícios suficientes destes crimes.
O facto de, na
resposta à nota de culpa do processo disciplina que lhe foi instaurado, se ter
referido aos prémios dos administradores como “um despesismo altamente
injustificado e ilegal” tinha acirrado ainda mais os ânimos.
No mesmo
documento, o director denunciava ainda várias situações do quotidiano da
empresa, desde trabalhadores que raramente lá iam mas que ninguém questionava
por isso, até à impunidade de um funcionário que se descobriu ter roubado
computadores. Num curto período de três anos tinham passado pela EPUL doze
administradores diferentes, contava também.
Ainda ninguém o
sabia na altura, mas a vida do executivo camarário, então liderado por Carmona
Rodrigues, não teria sequer mais um ano de vida. Os escândalos ligados
precisamente aos prémios dos administradores da EPUL e sobretudo à permuta da
Feira Popular pelo Parque Mayer — em cujo julgamento o antigo presidente da
câmara só foi ilibado na passada semana — haviam de ditar a queda dos
principais responsáveis pela autarquia e, por arrasto, a saída de vários administradores
das empresas municipais.
Bernardo Pinto
acabou por ter de emigrar com a família, mas nunca desistiu de contestar o
despedimento. Sentia, como escreveu na contestação à nota de culpa, ter sido
tratado como um criminoso. Tinham já passado cinco anos quando veio a primeira
sentença, declarando lícita a actuação da EPUL.
Recorreu dela,
mas os juízes do Tribunal da Relação também não lhe deram razão. Tivesse a
acção dado entrada na justiça algum tempo mais tarde e o caso teria muito
provavelmente ficado por ali: quando a Relação confirma uma sentença anterior,
a lei já só permite recorrer para o Supremo em casos excepcionais.
Mas na altura não
era assim, e foi com base nisso que, oito anos passados sobre a afixação da
foto de Bernardo Pinto à entrada da EPUL, os juízes do Supremo Tribunal de
Justiça tiveram de se debruçar sobre o caso. Deram-lhe razão e mandaram-lhe
pagar os ordenados dos últimos sete anos, acrescidos de uma indemnização. Como
Bernardo Pinto ganhava mais de oito mil euros mensais, tudo somado ultrapassará
o milhão de euros — valor que não inclui as contribuições da empresa para a
Segurança Social.
Recurso para o TC
Apesar de
entenderem que o gestor “ultrapassou os limites em que lhe era permitido
discordar da medida tomada pela administração”, os magistrados entenderam que
isso não era motivo para despedimento por justa causa.
“É verdade que se
trata de um quadro superior, que não tem o direito de exigir à administração
explicações sobre as medidas de gestão que esta adopte e que nada tem a ver com
as motivações políticas que possam ter estado subjacentes a qualquer admissão
de pessoal”, pode ler-se no seu acórdão, datado de Junho passado.
“Mas é verdade
também que estamos perante um trabalhador activo e interessado, que tem um
currículo que lhe confere autoridade suficiente para se exprimir sobre a vida
da empresa e que reage, emocionalmente, a uma medida que considerou
profundamente lesiva dos seus direitos e errada enquanto medida de gestão.”
O contexto em que
tudo aconteceu e o direito à liberdade de expressão também pesaram na decisão.
Numa derradeira
tentativa de não pagar, a EPUL — que deve ser extinta no final do ano —
recorreu para o Tribunal Constitucional. O entendimento da empresa é o de que,
se o trabalhador auferiu alguns rendimentos de trabalho noutro lado nos últimos
oito anos, eles têm de ser descontados no valor que será obrigada a pagar-lhe.
À espera de
decisão do Supremo está ainda outro trabalhador despedido, um arquitecto que
reclama meio milhão de euros.
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