Reportagem i. Entre copos e
insónias nunca a noite lisboeta deu tanta discussão
Por Marta
Cerqueira
publicado em 1
Nov 2014 in
(Jornal) i online
As queixas de quem vive perto dos
bares lisboetas já são antigas. Muito barulho, sujidade à porta de casa e falta
de segurança nas ruas. A câmara pondera proibir a venda de bebidas para a rua a
partir da 1h e, ainda este ano, os bares do Cais do Sodré, Bica e Santos vão
passar a fechar às 2h durante a semana e às 3h ao fim-de-semana. Apesar de
alguns clientes defenderem uma noite mais tardia, outros há que não se importam
de ir para casa mais cedo. Se por um lado os comerciantes falam em ter de
despedir funcionários e fechar bares, do outro os moradores pedem apenas que os
bairros que escolheram voltem a ser “sítios dignos para viver”
Moradores
Os moradores unem
vozes para garantir que não estão contra a noite lisboeta. Mas essa união
mantém-se também na posição comum de quem não consegue dormir com o barulho que
as pessoas fazem nas ruas e de quem tem medo de entrar e sair de casa a horas
tardias. “Os meus vizinhos já tiveram casais a fazer sexo à porta de casa. Eu
já tive que bater no vidro de um carro, cujos ocupantes estavam a drogar-se
mesmo em frente à minha entrada às 8 da manhã”, contou ao i Sérgio Santos. O
morador do Cais do Sodré tem aplicações no telemóvel para medir os decibéis do
som da rua que ouve todas as noites. Uns quarteirões ao lado, em Santos, Ana
Paula não precisa de smarthpones para provar que tem a noite a entrar-lhe em
casa. “Da minha varanda tenho vista para uma autêntica arena”, garante.
Rita Trindade
moradora Rua do
Alecrim
“Não me sinto
segura. Já tive o carro vandalizado várias vezes e o meu filho não apanha o
autocarro para a escola na paragem mais perto de casa, porque de manhã ainda a
rua está cheia de bêbados”
Carla Matos
moradora Santa
Catarina
“A zona de Santa
Catarina está um perigo, as pessoas que vêm do Bairro Alto e da Bica
amontoam-se lá a beber e a traficar droga. Viver nestes bairros é uma espécie
de prisão”
Sérgio Santos
morador rua de
São Paulo
“O fecho antecipado dos bares é uma medida que vai no sentido certo mas
não resolve nada. Todos os dias temos carros com colunas a dar som para a rua,
pessoas a beber até às tantas e as ruas a cheirar a urina
Miguel Sepúlveda
Veloso
morador Largo de
Santos
“Não se trata de
uma vitimização dos moradores. Quem não dorme, quem tem de abandonar o bairro
somos nós. Sentimo-nos abandonados pela câmara, a única entidade que pode
ordenar a noite lisboeta”
Ana Paula Várzea
moradora Largo
Vitorino Damásio
“Os bares
passarem a fechar às 2 horas não me traz descanso. Eu tenho direito a dormir e
a descansar a partir do momento que entro em casa e não quero ter que estar à
espera que as pessoas vão para casa”
Clientes
Apanhamos Joana à
saída do trabalho. A cerveja ao fim de dia num dos bares do Cais do Sodré é
obrigatório e, ao fim-de-semana, os copos alargam-se até altas horas. Acredita
que o fecho dos bares não vai resolver nada, até porque quando o horário foi
alterado no Bairro Alto, mantinha-se com os amigos à porta dos bares até de
madrugada. Já Mariana mostra mais sensibilidade com quem mora nas ruas na zona
e defende que a noite deve começar mais cedo. “Mas tenho a certeza que se
perguntassem isso aos 18 anos, eu iria ser totalmente contra”. Tendência
confirmada com Alberto que, aos 18 anos, considera que a noite em Lisboa acaba
cedo. “Mesmo quando fecham às 4h acho pouco, até porque nem sempre tenho
dinheiro para continuar a noite em discotecas”, refere.
Joana Ferreira
30 anos
“O fecho dos
bares não vai resolver nada. Os bares do Bairro Alto passaram a fechar mais
cedo e eu sempre me mantive à porta com amigos a beber e a conversar até ser
hora de descer para o Cais”
Joana Quintas
29 anos
“Não me chateia
nada que os bares fechem mais cedo, até porque não tenho paciência para o novo
Cais do Sodré. Vivi fora do país e habituei-me a que a noite acabasse mais
cedo. Até dá para aproveitar mais o dia”
Mariana Oliveira
28 anos
“Concordo que os
bares fechem mais cedo, desde que haja alternativas para ir a seguir que não
sejam as grandes discotecas. Mas esta é a minha visão aos 28 anos, se fosse aos
18 ia achar esta medida horrível”
Pedro Branco
20 anos
“Para sair até
tarde tens as discotecas. Quem mora e trabalha perto dos bares merece
descansar. O ideal era levar-se a noite mais para perto do rio, zonas sem casas
e com uma vista incrível”
Alberto Borges
18 anos
“Eu já acho pouco
os bares estarem abertos até às 4 horas, quanto mais às 2h. Muitas vezes o
pessoal não tem dinheiro para ir para discotecas e mantém-se aqui na zona de
Santos. Agora não sei como vamos fazer”
Comerciantes
Todos os
comerciantes com quem o i falou têm estabelecimentos abertos até às 4h. Passar
a fechar às duas, pode levar a um cenário de despedimentos, mudança de serviços
prestados ou mesmo o encerramento de alguns bares. “Fizemos com que uma rua que
era um nojo passasse a ser um espaço falado em toda a Europa”, conta Mikas, do
“Bar da Velha Senhora”, na agora conhecida “Rua Cor-de-rosa”. O proprietário
garante que os bares da zona “fazem um trabalho sério” de manutenção da ordem,
mas que não podem “controlar toda a vizinhança”. Já Rui Cruz, dono de dois
bares em Santos explica que os horários acompanham a tendência dos hábitos dos
portugueses. “Somos um povo que trabalha até tarde, janta tarde e, por isso,
sai até de madrugada. Fechar mais cedo significa perder as horas com mais
negócio”, garante.
Fernando Pereira
Tokio e Jamaica
“A Rua Rosa veio
desmistificar o Cais do Sodré, até porque havia muita gente que nem vinha aos
bares por serem nesta zona. Mas acabou por trazer também a desordem total e
desregulação do espaço público”
Mikas
bar da velha
senhora
“Pagamos a um
segurança, pagamos um serviço de limpeza das ruas, temos cuidado com o
isolamento do som. Nós fazemos o bem, não conseguimos é controlar quem se
aproveita do espaço público”
Cristóvão Caxaria
Quero-te no Cais
“Comecei a fazer
obras no andar de cima e na porta ao lado. Se soubesse que me iam cortar com o
horário em que faço mais negócio, não tinha avançado com um investimento de
milhares de euros”
Rui Cruz
All Saints e
Marretas
“Mais cedo ou
mais tarde poderei ter de dispensar funcionários ou fechar portas. A diferença
de uma ou duas horas pode parecer pouco, mas é a altura da noite em que fazemos
mais negócio”
Jorge Santos
Tampinhas e Prohibition
“Santos não é uma
zona turística, trabalhamos com estudante portugueses, ou seja, com pessoas que
começam a noite mais tarde. Se a medida for para a frente, pelo menos um dos
meus bares vai fechar”
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