OPINIÃO
O zero
VASCO PULIDO
VALENTE 01/11/2014 – PÚBLICO
Embora saudável, a remoção de António José Seguro não basta para tornar um
grupinho de amigos num partido político.
Se a discussão do
Orçamento na Assembleia da República não serviu para muito, serviu pelo menos
para mostrar o estado a que chegaram os partidos da República. Não se ouviu um
argumento sério, uma crítica nova. De um lado ao outro, foram repetidas as
diatribes do costume, com umas graçolas de mau gosto pelo meio.
Isto não teria
importância de maior, se Portugal não precisasse daqui a um ano (ou mais cedo
ainda) de um governo que verdadeiramente desse ao indigenato um módico de ordem
e de razoabilidade. Mas ordem e razoabilidade são coisas que não existem num
parlamento dedicado ao berro, à insinuação e ao insulto; e que ainda hoje se
ocupa, como se essa fosse uma questão central, dos méritos relativos de Manuela
Ferreira Leite e do falecido Sócrates.
O dr. Passos
Coelho, enquanto promete fantasias, parece ocasionalmente decidido ao martírio.
Apresentou um orçamento indiferente (que pode ser anulado com três riscos por
quem lhe suceder), atrapalhou as contas por causa de uma polémica com Paulo
Portas, resolveu ameaçar com mais cortes para o funcionalismo em 2016. A única razão
imaginável para este masoquismo é a de que se tenciona imolar à sra. Merkel,
como o perfeito exemplo da fidelidade. A sra. Merkel agradece, mas suspeito que
não está especialmente interessada. Por cá ficarão os restos do que foi o PSD,
com duas dúzias de autarquias e a história destes quatro anos: quem vai votar
nele, depois da inexcedível Paula Teixeira da Cruz, de Nuno Crato e do caos que
Passos Coelho conseguiu estabelecer no seu próprio Conselho de Ministros?
Fica o PS. Ou não
fica? Embora saudável, a remoção de António José Seguro não basta para tornar
um grupinho de amigos num partido político. Mesmo num PS entusiasmado e
miraculosamente unido, a raiva e as facções não desapareceram sob capa de
suaves discordâncias ideológicas. Quem observa de fora aquele formigueiro
percebe o objectivo essencial do camarada Costa. Votos de moderados, de
radicais, das pequenas seitas da extrema-esquerda e até do PSD. Em princípio, a
ideia não choca. Sucede que há três grandes dificuldades no caminho. Primeira:
como, depois de Sócrates, persuadir os portugueses a entregar a direcção da
economia aos “socialistas”? Segunda, como pôr de acordo um eleitorado que viveu
20 anos de se guerrear? E terceira: como convencer a sra. Merkel, que este mês
já liquidou as fanfarronadas da Itália e da França, a fazer a vontade ao dr. Costa? O dr. Costa, se é capaz, devia pensar.
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