domingo, 2 de novembro de 2014

Amores fatais, por VASCO PULIDO VALENTE


OPINIÃO
Amores fatais
VASCO PULIDO VALENTE 02/11/2014 - PÚBLICO

Pedro Passos Coelho lamenta a falta de qualidade do jornalismo português. Faz mal: se não fosse a imprensa ninguém haveria descoberto as peripécias torpes que levaram à falência e à vergonha do grupo Espírito Santo. Nem o Banco de Portugal avisou a tempo, nem o Presidente da República, com certeza com belíssimas razões, tentou reduzir ou atenuar as desgraças da coisa. Os partidos, evidentemente, não abriram a boca. Foram os jornais, sobretudo o i e o Expresso, que se encarregaram de explicar o que podiam explicar às pessoas; e mesmo assim suspeito que só contaram uma pequena parte da história. O primeiro-ministro devia agradecer aos jornalistas, com humildade e respeito. Eles cumpriram a sua obrigação, ele não cumpriu a dele – e é pena.

De resto, o que Passos Coelho pensa da informação está bem à vista na RTP, em que ele indirectamente manda. O noticiário da noite pouco a pouco acabou por se tornar numa folha popular, quase igual ao antigo semanário O Crime. Abre sempre com uma reportagem pormenorizada de um assassínio, de um roubo ou de um assalto. Se o dia é bom, esta espécie de educação ocupa com serenidade dois terços do tempo, talvez porque julgue fazer um favor à populaça. A seguir, vêm o sr. primeiro e o ocasional ministro para visitas sem nenhum sentido a empresas que o governo considera modernas. Normalmente, bebem o vinho e comem o queijo da região, com caretas manifestando prazer. A trupe inteira – e isto é uma regra irrevogável – sai cantando e rindo com o progresso de Portugal.

O resto do noticiário a RTP preenche com reportagens de “interesse humano”. Por exemplo, a do faroleiro ou a do pastor que trabalham sozinhos, a do último julgamento ou a da última proeza da PSP. Portugal, consta por aí, devia defender a língua portuguesa. Mas preocupada com o faroleiro e com o pastor, a RTP ignora a gramática, principalmente no capítulo das preposições, que fazem muita confusão: a diferença entre “sob” e “sobre” ainda não lhe entrou na cabeça. E as legendas, quando existem legendas, revelam que naquele antro o inglês é uma língua exótica. Em contrapartida, os comentadores, porque são baratos, opinam sobre o que lhes passa pela cabeça, na maior parte das vezes sem competência e sem imaginação. O dr. Passos Coelho continua apaixonado por aquela direcção. Amores fatais. 


P.S.: Imploro ao sr. José Rodrigues dos Santos que não me pisque mais o olho.

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