PS,
BE e PCP uniram-se na aprovação do novo regime de renda apoiada,
que abrange cerca de 120 mil fogos em todo o país. Cálculo da renda
passa a incidir sobre rendimento líquido das famílias em vez do
bruto
“A ideia é
que as pessoas possam desanuviar um bocadinho e cumprir” Helena
Roseta Deputada do PS
Natália Faria /
PÚBLICO / 8-7-2016
Não duraram mais do
que dois anos as alterações ao regime de renda apoiada decididas
pelo Governo PSD/CDS-PP. Os partidos de esquerda aprovaram ontem, no
Parlamento, o novo regime de arrendamento apoiado, cuja filosofia é
clara quanto baste, nas palavras da deputada socialista Helena
Roseta: “Garantir a estabilidade nos bairros e garantir mistura
social entre os seus inquilinos.”
“O cálculo da
renda passa a ser feito com base no rendimento líquido do agregado,
e não no bruto, e os direitos dos inquilinos ficam mais acautelados.
Por exemplo, deixam de poder ser postos na rua só porque começaram
a ganhar um bocadinho melhor — se assim é, começam a pagar um
bocadinho mais”, precisa a deputada, que coordenou as alterações
legais que, desde Fevereiro, vêm sendo discutidas na Comissão
Parlamentar do Ambiente e Ordenamento do Território.
Àquelas alterações
subjaz um princípio divergente daquele que vinha sendo defendido
pela coligação PSD/ CDS-PP no tocante à habitação social. “A
concepção que havia é que os bairros existem só para quando as
pessoas têm necessidade e, portanto, quando ficavam um bocadinho
mais desafogadas deviam ser postas de lá para fora, para deixar
entrar outras mais pobres”, sintetiza Roseta, para sustentar que,
daquele modo, se fomentava “uma concentração nos bairros de
beneficiários do Rendimento Social de Inserção e uma instabilidade
grande nas pessoas”.
Doravante, os
inquilinos somam mais direitos. Desde logo, as rendas deverão baixar
por causa da referida alteração na fórmula de cálculo. “Com a
passagem do rendimento bruto para o rendimento líquido, as famílias
de classe média baixa ficam com rendas mais comportáveis”,
explica a deputada, precisando que, nos casos em que os novos
cálculos redundem num aumento da renda, “os inquilinos podem ficar
no valor antigo”. Outra alteração com reflexos positivos na
carteira dos inquilinos é que a taxa de esforço do agregado, que
entra também no cálculo da renda a pagar, baixa de 25% para 23%.
Contas feitas ao
impacto das alterações para o bolso dos senhorios, “o que se
prevê é uma quebra de 7% na receita do IRHU [Instituto da Habitação
e da Reabilitação Urbana]”, contabiliza Roseta. Àquele instituto
público pertencem cerca de 10% dos 120 mil fogos sociais existentes
em Portugal. Os restantes repartem-se sobretudo entre as autarquias,
sobretudo a de Lisboa, com 23 mil fogos, e a do Porto, com 12.800
fogos.
À descida do valor
das rendas deverá corresponder uma redução da taxa de
incumprimento, segundo o PS. “Se o rendimento da família
ultrapassasse os 700 euros, a renda já subia por ali acima e as
pessoas deixavam de poder pagar. Com isso, corriam o risco de ser
postas fora. Na Câmara de Lisboa, havia entre dez e 12% de
inquilinos que incumpriam, mas incumpriam no dia 8 e cumpriam no dia
20, quando recebiam as reformas. E havia muitos cujos rendimentos
tinham descido e que não conseguiam pagar a renda, pura e
simplesmente. A ideia é que as pessoas possam desanuviar um
bocadinho e cumprir”, advoga Roseta, para explicar que a nova lei
prevê acordos para amortização da dívida dos inquilinos.
As alterações não
foram só de cariz financeiro. Desde logo, o senhorio deixa de poder
actualizar a renda, se a casa estiver a precisar de obras. “É um
princípio básico que, contudo, não existia na anterior lei. Se
obrigamos os senhorios privados a ter a casa em bom estado, o
senhorio público também tem que ter.” Por outro lado, os
inquilinos passam a poder ausentar-se de casa por períodos
superiores a seis meses, sem perder o direito ao fogo, desde que a
ausência se deva “a doença regressiva ou incapacitante, prestação
de trabalho por conta de outrem no estrangeiro, detenção em
estabelecimento prisional ou prestação de cuidados a pessoas com
deficiência”.
Na lei ainda em
vigor, quem ocupasse um fogo social de forma ilícita era despejado e
deixava de poder candidatar-se a uma habitação no regime de renda
apoiada nos dois anos seguintes. Agora, o impedimento restringe-se
aos que tenham incorrido em fraude para aceder à habitação. Os
restantes “são previamente encaminhados para soluções legais de
acesso à habitação”, desde que demonstrem efectiva carência
habitacional. “A preocupação tem que ser procurar habitação
legal para quem precisa”, enfatiza a deputada.
A renda mínima
mantém-se nos 4,19 euros (1% do Indexante dos Apoios Sociais) e PS,
PCP e BE mantiveram a prioridade de acesso a uma casa às famílias
monoparentais ou com menores, idosos, pessoas com deficiência e
vítimas de violência doméstica. O que se alterou foi o impedimento
de acesso a uma casa social por quem seja dono ou arrendatário de
outra habitação — a interdição mantém-se, mas apenas nos casos
em que o segundo fogo esteja localizado “no mesmo concelho ou num
concelho limítrofe” e desde que o imóvel se adeqúe ao agregado e
não constitua residência permanente de terceiros. A nova lei
alarga, por outro lado, o impedimento aos que estejam casados ou
unidos de facto com quem já seja titular de uma habitação pública.
O direito do
senhorio denunciar o contrato e impor outra habitação ao inquilino
no mesmo ou noutro concelho, nos casos em que o fogo se torne
desadequado ou precise de obras, desapareceu da lei. Doravante, o
senhorio que queira fazer obras fica obrigado a garantir o retorno à
casa do agregado familiar. Ao mesmo tempo, o senhorio deixa de poder
opor-se à renovação do contrato, que passa a ser de dez anos,
renovável por igual período. Na lei ainda em vigor, o contrato é
renovável de dois em dois anos. E o senhorio pode pôr-lhe fim
quando, nos três anos que antecedem a sua renovação, o
arrendatário estivesse a pagar uma renda igual ou superior à renda
máxima ou cuja taxa de esforço fosse igual ou inferior a 15% do
rendimento mensal corrigido do agregado. “Com esta mudança,
procura-se que haja estabilidade nos bairros. As pessoas adquirem o
direito de lá estar e, desde que cumpram, ninguém as pode pôr
fora”, conclui ainda Roseta.
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