sábado, 30 de julho de 2016

Mexicana. Um espaço histórico sobrevive a pizzas e hambúrgueres?


O modelo empresarial de um verdadeiro e autêntico espaço local a evoluir em direcçào ao “Pastel de bacalhau com queijo e Fábrica dos pastéis de nata”? Um futuro com pizzas e hambúrgueres?
Circuitos de turismo e autocarros ? Trazer o Turismo de massas até ao últimos recantos preseverados ? Até aos últimos bairros verdadeiramente residenciais ?
OVOODOCORVO
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Mexicana. Um espaço histórico sobrevive a pizzas e hambúrgueres?

Joana Marques Alves 30/07/2016 11:37

E se lhe disséssemos que a Pastelaria Mexicana pode vir a dedicar-se à comercialização #de fast-food ou oferecer um sistema #de self-service? Mas atenção: as imagens nunca irão abandonar a sua casa

Quem conhece Lisboa conhece a Mexicana. Quem conhece a Mexicana conhece Lisboa. Esta pastelaria faz parte não só da vida daqueles que trabalhavam ou viviam na capital, mas também da cidade em si – ninguém imagina a Avenida Guerra Junqueiro sem este estabelecimento.

Aberta em 1946 e renovada no início dos anos 60 (altura em que foi remodelada segundo o projeto do arquiteto Jorge Ferreira Chaves, que incluía o famoso painel cerâmico de Querubim Lapa), a Mexicana era frequentada por membros da classe média-alta que ali residiam e por pessoas que laboravam nas imediações. Era também um espaço onde vários artistas ligados ao surrealismo e neorrealismo se reuniam.

Com o passar dos anos, este estabelecimento passou por fases boas e más, acabando mesmo por chegar a um estado de decadência. “Esta casa tinha um passivo de um milhão e 350 mil [euros]. (…) Quando aqui cheguei, os empregados tinham os ordenados em atraso. Neste momento está tudo regularizado”, diz ao i Rogério Pereira, atual proprietário da Mexicana.

O empresário comprou este negócio quando, segundo o próprio, a pastelaria “não tinha praticamente clientela e não faturava”. Decidiu fechar para obras e renovar o espaço – obras essas que chegaram a ser suspensas pela Câmara de Lisboa por falta de licenciamento municipal. “Éramos para estar fechados 120 dias e acabámos por estar oito meses.

Fizeram-se aqui coisas nos anos 90 que não deviam ter sido feitas, como modificações de estruturas. Isso acabou por gerar um problema”, recorda Rogério Pereira, que obteve a autorização da Direção-Geral do Património Cultural para avançar com obras antes de a câmara tomar conta do assunto. “Não se encontravam os projetos, [os documentos que o município possuía] não obedeciam ao que existia [à estrutura da pastelaria na altura]. Mas acabámos por chegar a um acordo facilmente.” E assim começou a transformação da Mexicana.

Uma reabertura repleta de deceções. A pastelaria voltou a abrir as suas portas no final do ano passado. A inauguração foi noticiada em vários órgãos de comunicação e centenas de pessoas esperavam, ansiosas, por ver o resultado das mudanças neste espaço histórico de Lisboa. Pelo que se pode ler nos artigos publicados na altura, as coisas não correram tão bem como se esperava. “A esplanada voltou a encher-se de expectativa... e alguma desilusão”, escrevia o “Diário de Notícias”.

“Se eu tivesse feito a reabertura em julho ou agosto, que era o pretendido, tinha uma equipa mais sólida para o fazer”, justifica Rogério Pereira. No entanto, o dono do estabelecimento acredita que houve alguns exageros nas críticas publicadas: “Ao reabrir a Mexicana, as pessoas querem sempre mais (…) Muitas das pessoas que escreveram sobre a reabertura nem sabiam como é que ela estava antes. E hoje é muito fácil comentar algo sem pensar na informação que se divulga”, afirma o empresário.

“Daqui a 15 anos não há boa restauração em Lisboa.” Dias depois da reabertura, a Mexicana entrou no ano em que completa o 70.o aniversário. Existem cafés mais antigos na capital, mas esta pastelaria tornou-se um símbolo de Lisboa – um local de culto para vários artistas, onde se reuniam a discutir ideias para as suas obras e para o país.
No entanto, a Mexicana parece estar um pouco esquecida, numa área onde poucas pessoas param hoje. E a culpa é, em parte, da Câmara de Lisboa, afirma Rogério Pereira. “Não tenho nada contra Fernando Medina [presidente do município], mas a história diz-me que os presidentes da câmara muito pouco fizeram pela cidade de Lisboa. Fizeram pouco pelos habitantes e pelos comerciantes. Antigamente respeitavam quem fazia a economia, hoje não. Fazem-se guerras abertas só para se cativar votos”, disse ao i.

O empresário acredita que a sobrevivência destes espaços passa (não só, mas também) pela intervenção da câmara e a dinamização dos locais mais “escondidos”: “[A câmara] devia ajudar a criar, por exemplo, circuitos de turismo em que os autocarros parassem nestas casas com história. Porque, se nada for feito, um dia destes fecham.”

Para Rogério Pereira, há outra coisa que poderá fazer com que muitos estabelecimentos como a Mexicana fechem portas. Algo que falta em vários espaços lisboetas e que muitos dos cafés históricos tentam manter: a escola. “Dentro de 10 ou 15 anos, pouca da boa restauração que ainda existe na cidade de Lisboa vai resistir. Por causa disso [a falta de dinamização por parte da câmara] e também porque as casas deixaram de fazer escola. As escolas hoteleiras dão pouca formação. Fazem o ensino básico e, quando chegam aqui, [os alunos] vêm com ilusões. Agora todos querem ser cozinheiros, mas quando nos chegam não têm ideia do que é o calor de uma cozinha.”

Um futuro com pizzas e hambúrgueres? Se alguns cafés, pastelarias e confeitarias vivem da sua história? Sim, mas muito poucos. É por isso que Rogério Pereira diz que a Mexicana não pode “estar agarrada só a papéis escritos há muitos anos, tem de mudar as coisas. A Mexicana não pode pensar no futuro só com base no seu passado. É preciso juntar mais qualquer coisa”.

Esse “qualquer coisa” ainda está a ser pensado, mas já foram concebidas (e partilhadas com as entidades responsáveis) algumas ideias que podem deixar os clientes mais antigos perturbados.

“Se eu pusesse aqui um self-service, as pessoas iam ficar chocadas, mas era algo adequado para [os clientes que vêm] de segunda a sexta-feira. Se pusesse aqui uns quiosques a vender hambúrgueres ou pizzas… Se calhar temos de perceber como avançar. São algumas das ideias para o futuro que partilhei com pessoas ligadas à câmara. Vamos ver…”, diz, com um sorriso no rosto.

Mas que fiquem descansados os que temem pelo desaparecimento do “Sol Mexicano” de Querubim Lapa ou do famoso “passarinhário”: todos os elementos que fazem da Mexicana o lugar que é hoje, um imóvel de interesse público, serão preservados. “A Mexicana, por si própria, tem de conservar muito daquilo que é, mas tem de se tornar um espaço mais comercial. As contas têm de ser pagas… Mas as imagens de marca serão sempre mantidas”, assegura Rogério Pereira.

Com pizzas, com obras, sempre com o sol que lhe deu a luz e os pássaros que a acordavam pela manhã – que a Mexicana continue de pé e se mantenha um local de culto por mais 70 anos.

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