Brasões
da Praça do Império “foram a última das preocupações” do
júri do concurso
Inês Boaventura
19/07/2016 –
PÚBLICO
Simonetta Luz Afonso
lembra que os brasões nasceram 20 anos depois do jardim, no âmbito
de uma exposição de floricultura, e atribui as muitas críticas ao
seu desaparecimento ao “desconhecimento do projecto original”. A
polémica está instalada.
A presidente do júri
que avaliou as propostas para a “renovação” do Jardim da Praça
do Império defende com unhas e dentes a proposta vencedora,
destacando que com ela este espaço verde “passa a ser uma peça
fundamental de Belém”, ganhando uma nova relação “com o rio,
com os Jerónimos, com a envolvente e com as pessoas”. Quanto ao
fim anunciado dos brasões, Simonetta Luz Afonso desvaloriza: “Foram
a última das nossas preocupações”, garante.
A Câmara de Lisboa
discute esta quarta-feira a aprovação do relatório final do júri
do concurso de “Concepção para a Elaboração do Projeto de
Renovação do Jardim da Praça do Império”. Classificada em
primeiro lugar ficou a proposta do atelier ACB Arquitectura
Paisagista, dirigido por Cristina Castel-Branco, cuja concretização
tem um custo estimado de cerca de 499 mil euros e deverá
prolongar-se por 45 dias.
Essa proposta não
foi divulgada publicamente pela câmara, nem tão pouco facultada ao
PÚBLICO, apesar de terem sido vários os pedidos nesse sentido desde
a passada sexta-feira. O único documento facultado pelo gabinete do
vereador da Estrutura Verde foi um anexo do relatório do júri, no
qual se faz a avaliação da proposta vencedora, que segundo se diz
“retoma o projecto original de Cottinelli Telmo”,
consubstanciando-se como “uma proposta de restauro”.
Nesse documento é
também dito que o projecto em causa revela “preocupação com a
integração dos elementos históricos” e “valoriza os brasões
em pedra do lago central, através da possibilidade de aproximação
ao mesmo”. O júri destaca ainda a “inclusão de novos elementos
simbólicos”, como a introdução de um jardim com as plantas que
estão representadas nas fachadas dos Jerónimos e a plantação de
árvores do Brasil, China, Índia e Japão, os “quatro longínquos
cantos do mundo que Portugal trouxe ao conhecimento Europeu”.
Mas o aspecto do
projecto de que se falou durante todo esta terça-feira foi um que
nem sequer é mencionado na avaliação que foi feita pelo júri: o
facto de ele não contemplar a manutenção dos brasões em
mosaico-cultura das cidades e “províncias de Portugal Continental,
Insular e Ultramarino” que existiam em canteiros relvados à volta
da fonte no centro da Praça do Império.
Elementos
ultrapassados
A hipótese de esses
brasões deixarem de existir foi tema de acesa polémica no Verão de
2014. Na altura a câmara alegou que estes elementos estavam
“ultrapassados”, tendo o vereador da Estrutura Verde, José Sá
Fernandes, sublinhado que alguns deles “já nem existem no local”,
por não serem objecto de intervenção “há cerca de 20 anos”.
Face às muitas
críticas que se ouviram então por parte da oposição e de muitos
elementos da sociedade civil, o município acabou por avançar com um
concurso público para decidir o futuro desse jardim. Agora que se
soube que a proposta vencedora não prevê a manutenção dos brasões
o tema ganhou novo fôlego.
Em declarações ao
PÚBLICO, a presidente do júri do concurso lembra que os brasões
não constavam do projecto inicial do jardim, de Cottinelli Telmo,
não podendo portanto ser considerados “um elemento histórico”.
“Foram criados para uma exposição de floricultura, que era uma
coisa absolutamente efémera”, diz Simonetta Luz Afonso,
constatando que duas décadas separam a criação deste espaço-verde
do surgimento dos elementos em mosaico-cultura, que de temporários
foram passando a definitivos.
“O jardim não
nasceu assim. O projecto do autor era clean, limpo”, sublinha,
acrescentando que o que lá há hoje são apenas “restos de
brasões”, de tal forma carentes de manutenção que “nem se
percebe o que está ali”. Quanto à polémica em torno do caso,
Simonetta Luz Afonso não tem dúvidas de que ela “nasceu do
desconhecimento do projecto original”.
Para lá dos brasões
(que assegura terem sido “a última” da preocupações do júri),
a ex-presidente do Instituto Camões e antiga directora-geral do
Instituto Português de Museus quer mesmo é falar nos méritos da
proposta vencedora do concurso. A sua convicção é que ela não só
vai permitir “repor o jardim no seu projecto inicial” (dando-lhe
“uma vertente do século XXI”), como vai contribuir para que ele
passe a relacionar-se “com o rio, com os Jerónimos, com a
envolvente e com as pessoas”.
Nesse sentido
Simonetta Luz Afonso frisa que vai deixar de haver estacionamento
entre a Avenida da Índia e o jardim, com o objectivo de o “aproximar
do rio”. Para o mesmo fim contribuirá a “valorização” da
passagem inferior existente no local, que se pretende tornar mais
visível e que o júri sugere que receba um “centro de
interpretação” sobre a zona e a sua evolução ao longo do tempo.
A presidente do júri
destaca ainda a plantação das “plantas dos Jerónimos” e das
árvores provenientes de quatro pontos do globo, que surgirão na
zona central da praça, que assim passará a ter sombra. Simonetta
Luz Afonso explica que a ideia que nessa área, em redor da qual se
“forma uma espécie de anfiteatro”, passem a poder realizar-se
iniciativas como “feiras, pequenos concertos e teatros”.
“Quando virem o
jardim a funcionar verão como era estéril a polémica”, remata a
também deputada da Assembleia Municipal de Lisboa (eleita pelo PS),
para quem é claro que a concretização da proposta vencedora do
concurso “vai valorizar muito a Praça do Império” e a zona de
Belém. Mas para lá dos elogios de Simonetta Luz Afonso, aquilo que
se ouviu durante o dia de ontem foram muitas críticas sobre o
projecto.
"Apagão da
História"
“É um apagão da
história”, afirmou em declarações ao PÚBLICO o vereador do CDS
na Câmara de Lisboa, que acusou o vereador da Estrutura Verde de com
esta decisão revelar “teimosia” e “um enorme preconceito
ideológico”. “Não devemos fingir que os momentos menos bons não
aconteceram”, diz João Gonçalves Pereira.
Também o líder da
bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa lamentou, em
comunicado, aquilo que considerou ser uma “obsessão” do vereador
da Estrutura Verde. Para Sérgio de Azevedo, a decisão de acabar com
os brasões demonstra “um preconceito ideológico gritante próprio
da pequena dimensão intelectual de Sá Fernandes, para quem
construir cidade não é mais do que a construção de ciclovias
fantasmagóricas, atribuições pouco esclarecidas da exploração de
quiosques e um conjunto de medidas trendy mas que não servem
objectivamente ninguém”.
Também a Junta de
Freguesia de Belém reagiu, num comunicado em que começa por
lamentar o facto de não ter sido “consultada” pela câmara no
decurso deste processo. “A Junta de Freguesia de Belém não admite
qualquer solução que não inclua a reabilitação dos brasões que
ali existiam e que a Câmara Municipal de Lisboa desprezou de tal
forma que os desconfigurou e estragou”, diz-se no documento, no
qual se fala em “revanchismo ideológico”.
A junta de freguesia
presidida pelo social-democrata Fernando Ribeiro Rosa garante ainda
que “utilizará todos os instrumentos legais ao seu dispor para
evitar que esta decisão da Câmara Municipal de Lisboa seja
efectivada” e mostra-se mais uma vez disponível “para assumir na
plenitude a reabilitação, gestão e manutenção” do Jardim da
Praça do Império.
Já o vereador
Carlos Moura, do PCP, mostra-se essencialmente preocupado com o facto
de o fim dos brasões da Praça do Império poder representar o fim
da mosaico-cultura na cidade. “É um factor cultural importante de
Lisboa, que foi desaparecendo de todos os espaços verdes”, lamenta
em declarações ao PÚBLICO o autarca, que teme que a substituição
daqueles elementos por relvados acabe por levar à entrega da
manutenção do jardim a um privado.
Outro aspecto que
deixa Carlos Moura inquieto é a possibilidade de deixar de haver
circulação automóvel no limite Sul do jardim. A preocupação do
vereador advém do facto de, segundo diz, a câmara ter aprovado
recentemente (a reboque do projecto de requalificação do complexo
Desportivo do Clube de Futebol Os Belenenses) o fecho do trânsito no
limite Norte da Praça do Império e o seu desvio para o topo Sul,
algo que “é contraditório com o que se está agora a propor”.
Pelo PSD, o vereador
António Prôa adiantou ao PÚBLICO que vai apresentar na reunião
camarária desta quarta-feira uma proposta alternativa à da maioria,
na qual se defende a manutenção dos brasões e a entrega da
manutenção do espaço à Junta de Freguesia de Belém.
Já o movimento
Fórum Cidadania Lisboa dirigiu um apelo ao Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, “para que intervenha junto da Câmara
Municipal de Lisboa no sentido desta se coibir de avançar com a
destruição em definitivo dos brasões em mosaico-cultura que ainda
subsistem no espaço ajardinado em volta da fonte luminosa da Praça
do Império”.
A lista inicial dos
membros do júri deste concurso incluía Adriano Moreira, mas o
ex-ministro do Estado Novo disse ao PÚBLICO que nunca chegou a
participar no processo. Questionado sobre o que pensa da proposta
vencedora, o antigo líder do CDS refere que só a conhece pela
comunicação social e diz apenas isto: "Não sou partidário de
se eliminar os vestígios históricos. e o império existiu".
O PÚBLICO tentou,
sem sucesso, falar com a arquitecta paisagista Cristina Castel-Branco
sobre a sua proposta.
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