A
Taça das Zero Sanções
João Miguel Tavares
27/07/2016 –
PÚBLICO
O
pior que pode acontecer a Portugal é a perpetuação das desculpas
externas para esconder as incompetências internas.
Pronto. Já cá
canta mais uma taça. Portugal continua a vencer na Europa. Contra
todos as expectativas, e após um forte pressing final do adversário
que levou o próprio treinador português a duvidar da vitória (“a
situação aparentemente não está muito simpática para Portugal”,
disse ontem António Costa), lá conseguimos erguer a Taça das Zero
Sanções. Marcelo pode encomendar as medalhas. Todos estão
contentes: o governo está contente porque Pierre Moscovici plagiou
os seus argumentos epistolares em conferência de imprensa; o PS está
contente porque ergueu a voz e Pedro Nuno “Até as Pernas Lhes
Tremem” Santos foi enfim vingado; o Bloco está contente porque já
não tem de referendar nada; o CDS está contente porque defende as
zero sanções desde pequenino; o PSD está contente porque espera
que a frase “contas de 2015” não mais seja invocada até à
segunda vinda de Cristo à Terra; e o PCP… bom, o PCP não está
contente, mas também não podia estar: no que diz respeito à
Europa, o partido enveredou pelo anarco-sindicalismo e entende que a
Comissão não tem o direito de passar multas, mesmo que sejam zero.
Já agora: eu também
estou contente. Não por ser sensível ao patriotismo
lamecho-pedinchão que tem dominado a canícula, mas por uma razão
muito prática: agora, há menos uma desculpa à qual António Costa
se agarrar. Ao longo dos últimos meses, o nosso querido
primeiro-ministro colou-se como uma lapa ao discurso das zero sanções
porque ele lhe permitia mil e uma distracções. Agora está na hora
de dar o corpo pelas suas políticas e pelas políticas do seu
Governo, sem a desculpa de que a Europa está malvadamente entretida
a sabotar o seu keynesianismo de casino, impedindo a esquerda de
regovernar e mostrar ao mundo o quão bestial e amiga do crescimento
é a sua aposta no consumo interno e na devolução dos rendimentos
aos funcionários públicos. Não há multa, não há injustiça, não
há sanções – o Governo que leve a taça e comece finalmente a
assumir as consequências dos seus actos.
O pior que pode
acontecer a Portugal é a perpetuação das desculpas externas para
esconder as incompetências internas. Sócrates teria sido um
primeiro-ministro bestial se não fosse a malfadada crise das dívidas
soberanas; Passos Coelho teria sido um primeiro-ministro bestial se
não fosse o malfadado programa da troika e os chumbos do Tribunal
Constitucional; António Costa teria sido um primeiro-ministro
bestial se não fossem as malfadadas sanções e as imposições dos
tratados que o impedem de conduzir o país até à terra onde escorre
o leite e o mel. As políticas destes três senhores divergem, mas as
desculpas, essas, convergem. É assim desde sempre. A ausência de
uma cultura liberal e a falta de fé nas capacidades de cada um é
compensada com a criação de uma extraordinária máquina de
produzir desculpas que funciona a todo o vapor desde tempos
imemoriais. É a máquina dos “ses”. Nós teríamos conseguido,
se…; nós teríamos vencido, se…; nós teríamos atingido, se…
A Taça das Zero
Sanções é menos um “se…” no nosso caminho, menos uma
desculpa para juntar à pilha. Com a vitória, veio também a conta:
consolidação de mais 450 milhões em 2016 e proposta para aumentar
o IVA em produtos com taxa reduzida. Isso parece-se demasiado com o
plano B que António Costa disse que não existia. Logo se verá. O
fundamental é isto: dar espaço ao Governo para ganhar ou perder por
si próprio. Sem mais “ses”. Sem mais desculpas.
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