O
caso da CGD é um guia para aprender o que não fazer
Helena Garrido
21/7/2016,
O
processo de nomeação da administração da CGD é um guião o que
se deve evitar fazer. Uma organização por mais pequena que seja não
pode ser tratada assim. Muito menos um banco com a dimensão da CGD.
A administração da
CGD renunciou ao mandato e no quadro da lei terá de sair para a
semana se não lhe for formalmente pedido para ficar. A gestão está
reduzida a quatro pessoas. Basta uma não estar e o banco deixa de
ter quórum para tomar decisões. Mais de nove mil colaboradores
assistem ao anúncio de despedimentos baseados num plano de
reestruturação feito fora do banco. Aquela que era para ser a
comissão de avaliação da nova administração viu o seu mandato
mudar a meio dos trabalhos, levando à demissão dos seus membros. Os
cidadãos em geral ouvem o ministro das Finanças falar de um desvio
que afinal diz respeito ao plano a três anos da CGD do qual o
próprio ministro também é co-autor. Uma carta do BCE, conhecida há
quase um mês, acaba por revelar que o processo de aprovação da
nova administração, anunciada em Abril, estava ainda em Lisboa.
Em Abril ficamos a
saber que António Domingues, administrador do BPI, seria o novo
presidente da CGD. Trazia consigo uma administração com nomes de
peso na gestão, na sociedade e na banca. Os elogios foram obviamente
muitos e merecidos. António Domingues tem uma longa carreira na
banca como administrador financeiro.
Praticamente na
mesma altura, em meados de Abril, foi conhecida a equipa que iria
fazer a avaliação da administração. Fernando Teixeira dos Santos,
Miguel Pina e Cunha e Vasco d’Orey eram os membros deste órgão
que teria um mandato de três anos. Passado um mês sabe-se que
afinal Fernando Teixeira dos Santos vai para o BIC e por isso terá
de sair da comissão de avaliação que estava obviamente já a
trabalhar com a CGD.
De repente, entre
finais de Junho e início de Julho, mudam as regras. A Comissão de
Avaliação passa ser temporária em vez de ter um mandato de três
anos, como inicialmente tinha decidido o ministro das Finanças.
Miguel Pina e Cunha e Vasco d’Orey obviamente demitem-se. E no
início de Julho entra em funções uma equipa totalmente nova. A
comissão transitória que vai avaliar a independência, competência
e idoneidade da administração da CGD é agora composta por Laginha
de Sousa, ex-presidente da Euronext Lisboa, Francisco Veloso, reitor
da Universidade Católica e Patrícia Lopes da Porto Business School.
A análise da
comissão de avaliação, à equipa e a cada um dos membros da
administração da CGD proposta pelo Governo, é por onde começa
todo o processo que termina no BCE. A avaliação desta comissão
servirá de base para o trabalho que a seguir o Banco de Portugal
terá de fazer para enviar para o BCE que terá a última palavra.
Neste processo já
se perderam pelo menos dois meses por causa de uma mudança de
opinião do Governo sobre o mandato da comissão de avaliação.
Primeiro era uma comissão definitiva que teria a seu cargo a
avaliação da administração ao longo de três anos. No início de
Julho passou a provisória, revelando que a meio do caminho se mudou
o modelo de governo da CGD que já estava decidido em Abril. Com isso
atrasou-se o envio da documentação para o Banco de Portugal e deste
para o BCE.
Como será a
comissão de avaliação definitiva? Poderá sair da própria
administração da CGD o que não dá, naturalmente, as mesmas
garantias de independência.
O caso da comissão
de avaliação é muito importante, pelo sinal que dá de ausência
de convicção e porque explica parcialmente o atraso na tomada de
posse da nova administração. Mas o pior é que os episódios não
se ficaram por aqui.
Temos depois os
milhões que são necessários para o banco. Quatro a cinco mil
milhões são os montantes que têm sido referidos pela comunicação
social baseados em fontes governamentais. E pergunta-se: porquê e
para quê tanto dinheiro? A Caixa não pode ter um modelo de limpeza
geral de créditos em risco e todos os outros bancos seguirem a
política que foi escolhida desde a entrada da troika, de ir
registando as imparidades ao longo do tempo. Com essa dimensão de
números criam um problema aos outros bancos, com especial relevo
para o BCP. Ou será que não se compreendeu isso? Não se pode
considerar que o crédito a uma determinada empresa, com
financiamentos em vários bancos, tem de ter imparidades na CGD e não
tem de ter nas outras instituições financeiras.
Esse é um “não
problema” , dir-se-á. Resolvido por natureza uma vez que, não há
dinheiro e, mantendo-se as actuais regras, dificilmente se conseguirá
provar à toda poderosa direcção-geral europeia da Concorrência
que existiria a possibilidade de um investidor privado colocar esse
dinheiro todo num banco com a dimensão da Caixa.
Ao mesmo tempo que
se diz que a Caixa precisa desses milhões, o Governo resolve dar aos
novos gestores salários mais elevados. Parecendo populista e menor,
este é mais um contributo para a desestabilização da CGD. Claro
que gestores de topo devem ser bem pagos. Mas quando estamos a falar
de um sector que vive uma conjuntura de prejuízos ou de margens de
lucro mínimas, de um banco que precisa de fazer uma profunda
reestruturação, com despedimentos e que precisa de quatro a cinco
mil milhões de euros, o bom senso recomendaria que se mantivesse a
mesma política salarial. Qualquer empresa privada faria isso.
Mais recentemente
conhecemos a equipa de gestão executiva. Os colaboradores da CGD
ficam a saber que o seu futuro presidente escolheu uma equipa
composta por colegas do BPI e um ex-colega que está agora na Caixa.
São com certeza gestores de elevada competência. Mas têm de ser
todos do banco de onde vem António Domingues? Não há gestores
noutras áreas? E na própria Caixa? Imagine-se o efeito que esta
estratégia tem nos colaboradores da CGD.
Claro que todo este
processo tinha de desencadear uma reacção da administração em
funções. Maria João Carioca saiu para presidir à Euonext Lisboa.
O primeiro a perder a paciência e a bater com a porta foi Nuno
Fernandes Thomaz. E no fim de Junho foi a vez de toda a administração
apresentar a sua renúncia ao ministro das Finanças. Neste momento a
equipa de gestão executiva da CGD é composta por quatro pessoas, o
número mínimo para se tomarem decisões. Basta um não estar para
não se poder decidir nada.
Imagine-se o que é
estar a gerir um banco da dimensão da Caixa e ver que o seu
accionista já nomeou uma nova administração, que está preparar um
plano de reestruturação, que nada disse sobre o plano de
reestruturação que lhe apresentou, que anuncia despedimentos e que
diz que o banco que dirige precisa de um aumento de capital da ordem
dos cinco mil milhões. É preciso ter um enorme espírito de serviço
público e de dedicação para aguentar tudo isto sem bater com a
porta. (E com toda a certeza que só conhecemos parte dos episódios
de desrespeito e desconsideração por uma equipa que, sem a
generosidade do accionista, como outros bancos beneficiaram, manteve
a CGD como pilar de confiança durante toda a tempestade que vem
desde a entrada da troika).
Como se não
bastasse tudo isto, o ministro das Finanças resolve dizer no
Parlamento que há um “desvio”, palavra proibida para qualquer
empresa, no plano que a Caixa fez. O desvio, como se sabe, compara os
resultados atingidos com o que estava previsto. O ministro
esqueceu-se que as previsões de resultados basearam-se numa
determinada previsão de evolução da economia e das taxas de juro
que foi feita no Banco de Portugal, quando era esse o trabalho de
Mário Centeno. Ninguém, obviamente, conseguiu prever em 2011 que
estaríamos com taxas de juro negativas em 2016. Mas isso é o menos
grave. O mais grave é a utilização da palavra ‘desvio’, quando
se está a comparar previsões com realidades. Mais grave ainda
quando a empresa é um banco numa altura em que a confiança no
sistema financeiro está fortemente abalada.
O que se está a
passar com a Caixa é um exemplo de tudo o que um accionista não
deve fazer com uma empresa, seja ela de que sector for. Os erros, até
agora cometidos, podem não determinar o fracasso total das escolhas
feitas. Vão seguramente dificultar os objectivos e resultados que se
querem atingir.
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