O atentado de
Munique: mediatização excessiva e comentários desinformadores
JOSÉ PEDRO TEIXEIRA
FERNANDES 23/07/2016 – PÚBLICO
A tendência para o
comentário a quente, em cima do acontecimento, sem factos
estabelecidos, provoca o aumento do ruído e da especulação. No
pior
1. Munique, 22 de
Julho de 2016. Mais um atentado, agora num centro comercial desta
cidade. Pelo que se sabe hoje, o autor terá sido jovem alemão de
origem iraniana, com dupla nacionalidade, cujo nome será Ali
Sonboly. Matou várias pessoas, entre as quais crianças, e feriu
outras com gravidade. Os motivos do atentado ainda não são
totalmente claros. Na altura da ocorrência, ao final da tarde de 22
de Jullho — para além dos disparos, de algumas vítimas e do
pânico da população na zona da ocorrência —, os factos eram
muito escassos e os motivos desconhecidos. No entanto, a qualificação
do acto como terrorismo, a atribuição da autoria ao Daesh (Estado
Islâmico) começou logo a funcionar nos comentários, mais aos menos
precipitados aos acontecimentos, especialmente nos canais de
informação. A partir de certa altura, a possível autoria, começou,
também, a ser atribuída a grupos de extrema-direita. Pelo que
sabemos agora, nada disso se confirma. Olhemos mais serenamente para
os factos e para as mais plausíveis interpretações destes.
Sejamos, também, prudentes nas hipóteses paralelismo que
estabelecemos.
2. Uma primeira
questão é a da qualificação da ocorrência como terrorismo.
Embora o conceito de terrorismo não seja consensual — longe disso
—, pressupõe, para ter sentido útil, que o seu uso seja feito com
algum rigor e não de maneira demasiado livre. O terrorismo, pelo
menos aquele que preocupa os europeus nos últimos tempos, implica,
também, uma actuação com uma motivação política — é o uso de
uma violência extrema e indiscriminada para fins políticos. Ora,
pelo que se sabe da informação oficial das autoridades, o jovem Ali
Sonboly não actuou com qualquer motivação política. Seria um
jovem pouco sociável, com problema psicológicos, que,
aparentemente, teria sido alvo de bullying na escola, ou seja, de
violência física e psicológica. Eventualmente esta teria sido
feita por colegas de escola turcos, ou de outros países muçulmanos,
por exemplo do Kosovo, na escola que frequentou. É uma possível
interpretação para algumas frases insultuosas contra estrangeiros,
que se ouvem em vídeos da ocorrência, e para o facto de parecer ter
escolhido essas vítimas. A confirmar-se esta informação factual, o
caso provavelmente estará mais próximo, por exemplo, de tiroteios
em escolas, contra alunos e / ou professores. Não parece
enquadrar-se num qualquer uso rigoroso do termo terrorismo. É, sem
dúvida, um crime horrível, mas, provavelmente, não mais do que
isso.
3. A hipótese do
Daesh, que alimentou muito do comentário prematuro, sai
completamente descredibilizada. Foi negada, pelo menos até agora,
pelas autoridades oficiais, qualquer conexão orgânica ou inspiração
ideológica. Pelo que sabemos agora, é até ridícula. Sendo de
origem iraniana, e sendo o seu nome Ali Sonboly, será provavelmente
um muçulmano xiita. O seu nome, Ali, é um nome simbólico do Islão
xiita — os xiitas são os partidários de Ali na sucessão do
Profeta Maomé. A oposição sunitas / xiitas é uma querela que
envenena as relações no Islão desde os seus primórdios, estando
na origem de lutas fratricidas. É bem conhecido — ou deveria ser,
para aqueles que pretendem informar com o seu comentário —, que o
Daesh é um islamismo-jihadista originário do Islão sunita. Os
xiitas são um dos seus maiores alvos a abater. É assim na guerra da
Síria e no Iraque. Seria estranho, e particularmente anómalo, se um
jovem xiita (admitindo que o nome se confirma ser Ali Sonboly e
nasceu mesmo numa família xiita), fosse um adepto do Daesh. Por
isso, dar também credibilidade ao regozijo do Daesh pelo atentado,
apesar do histórico de atentados terroristas anteriores, mostra a
precipitação em querer estabelecer uma autoria. Mostra, também,
como os media ocidentais são usados para a propaganda do Daesh e
amplificam a sua mensagem, por vezes de uma maneira completamente
desnecessária.
4. Outra hipótese
colocada foi tratar-se de um acto de terrorismo de extrema-direita.
Anders Breivik, precisamente a 22 de Julho de 2011, na Noruega, tinha
feito dezenas de vítimas num tiroteio. Apresentava-se como defensor
da Europa contra a invasão islâmica, mas tinha uma estranha e
absurda forma de defender a Europa e os valores. O seu ideário
estava próximo do Nazismo — como se pode ver no seu confuso e
radical manifesto político, intitulado 2083: Uma Declaração
Europeia de Independência de Anders Breivik. No plano dos actos, a
sua violência e terror indiscriminado contra inocentes mimetizava os
atentados dos islamistas-jihadistas, os quais dizia combater.
Exceptuando o aparecimento de novos dados que apontem para facetas
até agora desconhecidas, não parece nada plausível que o jovem
iraniano, Ali Sonboly, se tenha deixado influenciar pelo ideário
neo-nazi de 2083: Uma Declaração Europeia de Independência de
Anders Breivik. Seria insólito que, sendo este também um dos alvos
a abater, como muçulmano e não europeu de origem, se deixasse
influenciar por este. Há paralelismos que obscurecem mais do que
clarificam. O único sentido útil de tal comparação — que terá
sido mencionado pela polícia alemã como uma das pistas —, poderá
ser a semelhança com uma actuação isolada de um indivíduo com
problemas psicológicos graves, auto-radicalizado e que provoca
múltiplas mortes.
5. Parte da confusão
que se instalou tem a ver com o tipo de terrorismo que estamos a
enfrentar na Europa. O terrorismo clássico actuava, e continua
actuar, com grupos organizados e células terroristas. É um
terrorismo orgânico. Nos últimos tempos, surgiu uma outra forma de
terrorismo que actua de forma inorgânica e visa a população civil
indiscriminadamente. Resulta sobretudo do apelo ideológico do
islamismo-jihadismo a que aderem indivíduos propensos ao
radicalismo. Encontram aí uma missão e uma forma de redenção. É
um terrorismo atomizado, produto da actual sociedade em rede e da
facilidade com que a informação circula. Tem um grande impacto
psicológico porque é muito difícil de prevenir em sociedades
democráticas e abertas. Outra parte da confusão liga-se à actual
sociedade em rede, onde tudo tem de ser instantâneo. Quando ocorrem
actos que podem ser de terrorismo, ou não, os media ficam no centro
de um dilema informativo e ético delicado. Sentem-se num direito /
dever de informar a população, o que, aliás, é a sua razão de
existência. Têm, também, de lutar pelas audiências. Mas, a
tendência para o comentário a quente, em cima do acontecimento, sem
factos estabelecidos, provoca o aumento do ruído e da especulação.
No pior dos casos, desinforma. O atentado de 22 de Julho, em Munique,
mostrou bem esse problema. Não deixemos que os muitos populismos,
que se alimentam, também, de pânicos exagerados e de ideias
falaciosas, ganhem ainda mais terreno com isso.
Investigador
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