A
Reguada de Schäuble
NUNO SAMPAYO RIBEIRO
19/07/2016 – PÚBLICO
O ministro das
Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, afirmou a 12.07.2016 que “o
objectivo das sanções a Portugal e Espanha, por ausência de
medidas eficazes para corrigir os défices, não tem como objectivo
«castigar» os países, mas sim «incentivá-los» a actuar”. Na
apreciação desta declaração tenha-se presente que Schäuble teve
o mérito de exibir perante todos a índole e os valores do grupo
humano dominante que decidiu um castigo que considero soez e que não
serve os interesses da UE, de Portugal, da zona euro, da economia
mundial ou da paz.
Vivemos em economia
reputacional e devido a isto o debate sobre as sanções já foi em
si mesmo um castigo posto que denegriu o soft power e nation branding
de Portugal junto dos stakeholders. Algo que a decisão final
agravará, mesmo sendo sanção zero. Chamo a atenção para que a
vertente jurídica autoriza a não aplicação de sanções. A
decisão deste órgão periférico (o Ecofin), foi de natureza
política, e quis aplicar uma reguada pública aos faltosos. A meu
ver esta decisão tem erros graves de diversa natureza e dará origem
a efeitos perversos.
Destaco dois erros
pela sua importância. O primeiro é que a discussão das sanções
processou-se de forma isolada e não no contexto de uma política
mais ampla da União Europeia. A segunda é que na vivência das
regras da união monetária (tal como nas do mercado único), se
confirma que não são aplicadas de modo uniforme entre países de
pequena e média dimensão e os de grande dimensão. Isto originará
efeitos perversos de que destaco o aprofundamento das assimetrias
regionais no seio da UE, e o aceleramento da deterioração da sua
licença social...
Mais uma vez os
atuais responsáveis (?) deram prova de falta de largueza de vistas,
em especial no apurar de fórmulas compromissórias entre os
interesses em presença na união monetária. E reiteraram ainda que
de modo indirecto uma orientação vigente desequilibrada em favor
dos Estados centrais, de grande dimensão, exportadores de capital e
tecnologia. Mostram assim que não percebem que um país não é uma
realidade excel. E não souberam acautelar capital de simpatia para
fazer frente a fenómenos já no horizonte...como a nova vaga de
crise financeira ou o fim da globalização.
Ignoram igualmente
que as fronteiras nacionais, no plano emocional, já se ergueram nos
povos da Europa e que por este andar serão cool e uma realidade
física (ajustada às possibilidades oferecidas pelas novas
tecnologias ou pelo big data) e eleitoral. É assim que sinalizam ter
compreendido a votação ocorrida no Reino Unido ou, em 2015, na
Suíça, Hungria e a Polónia?
Acresce a tudo isto
o agravamento das disparidades regionais na distribuição da riqueza
provocado pela união monetária, em articulação com as crises
soberanas que progressivamente vem destruindo a economia real, e
colocou os impostos do pai de família a pagar juros de dívidas e de
crimes bancários. Criando um rolo compressor que quase erradicou o
agricultor, o pequeno industrial e o comerciante, incluindo
expulsando-os dos centros históricos que agora são playground das
marcas globais. Tudo isto numa dinâmica social de crescimento com
violento desemprego de par com elevados salários de líderes ou
lucros de grandes empresas, baseados tantas vezes em práticas de
evasão fiscal ou crimes como os do Deustche Bank, da VW ou do
presidente do Bayern de Munique. E em que a família e a empresa
perderam o papel essencial de estruturas de integração do indivíduo
na comunidade, em favor da afirmação de um individualismo orientado
para o accionista maioritário, e de uma perversa hegemonia
financeira de players sem pátria de que a Goldman Sachs, que urdiu o
ardil da Grécia e foi abraçada pelo ex-presidente da Comissão
Europeia, José Manuel Barroso, é a jóia da coroa.
Contra Portugal
prevaleceu uma decisão que nada tem que ver com o espirito europeu.
E que esqueceu que é nos bens não patrimoniais que se alicerçam os
países ou o interesse geral da UE. A reguada de Schäuble é uma
vergonha sem nome e uma enorme injustiça para o Povo de Portugal que
deu o corpo ao tronco para satisfazer a troika. Além de que ofende
as bases da sã convivência entre povos irmanados numa integração
europeia enquanto meio civilizacional de apaziguamento de tensões
identitárias. Muita razão tem pois Angel Gurría, Secretário-Geral
da OCDE, ao afirmar sobre as sanções que não está preocupado com
a reputação de Portugal na UE, mas sim com a reputação da UE em
Portugal. O que é que o Ecofin não viu ou não compreendeu na
reacção nas ruas ao Euro-Bom, o do "caneco"?
Advogado e
especialista em Direito Fiscal
Consultor Técnico
da UTAO (2006-2008)
Sem comentários:
Enviar um comentário