sábado, 23 de julho de 2016

A Reguada de Schäuble


A Reguada de Schäuble
NUNO SAMPAYO RIBEIRO 19/07/2016 – PÚBLICO

O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, afirmou a 12.07.2016 que “o objectivo das sanções a Portugal e Espanha, por ausência de medidas eficazes para corrigir os défices, não tem como objectivo «castigar» os países, mas sim «incentivá-los» a actuar”. Na apreciação desta declaração tenha-se presente que Schäuble teve o mérito de exibir perante todos a índole e os valores do grupo humano dominante que decidiu um castigo que considero soez e que não serve os interesses da UE, de Portugal, da zona euro, da economia mundial ou da paz.

Vivemos em economia reputacional e devido a isto o debate sobre as sanções já foi em si mesmo um castigo posto que denegriu o soft power e nation branding de Portugal junto dos stakeholders. Algo que a decisão final agravará, mesmo sendo sanção zero. Chamo a atenção para que a vertente jurídica autoriza a não aplicação de sanções. A decisão deste órgão periférico (o Ecofin), foi de natureza política, e quis aplicar uma reguada pública aos faltosos. A meu ver esta decisão tem erros graves de diversa natureza e dará origem a efeitos perversos.

Destaco dois erros pela sua importância. O primeiro é que a discussão das sanções processou-se de forma isolada e não no contexto de uma política mais ampla da União Europeia. A segunda é que na vivência das regras da união monetária (tal como nas do mercado único), se confirma que não são aplicadas de modo uniforme entre países de pequena e média dimensão e os de grande dimensão. Isto originará efeitos perversos de que destaco o aprofundamento das assimetrias regionais no seio da UE, e o aceleramento da deterioração da sua licença social...

Mais uma vez os atuais responsáveis (?) deram prova de falta de largueza de vistas, em especial no apurar de fórmulas compromissórias entre os interesses em presença na união monetária. E reiteraram ainda que de modo indirecto uma orientação vigente desequilibrada em favor dos Estados centrais, de grande dimensão, exportadores de capital e tecnologia. Mostram assim que não percebem que um país não é uma realidade excel. E não souberam acautelar capital de simpatia para fazer frente a fenómenos já no horizonte...como a nova vaga de crise financeira ou o fim da globalização.

Ignoram igualmente que as fronteiras nacionais, no plano emocional, já se ergueram nos povos da Europa e que por este andar serão cool e uma realidade física (ajustada às possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias ou pelo big data) e eleitoral. É assim que sinalizam ter compreendido a votação ocorrida no Reino Unido ou, em 2015, na Suíça, Hungria e a Polónia?

Acresce a tudo isto o agravamento das disparidades regionais na distribuição da riqueza provocado pela união monetária, em articulação com as crises soberanas que progressivamente vem destruindo a economia real, e colocou os impostos do pai de família a pagar juros de dívidas e de crimes bancários. Criando um rolo compressor que quase erradicou o agricultor, o pequeno industrial e o comerciante, incluindo expulsando-os dos centros históricos que agora são playground das marcas globais. Tudo isto numa dinâmica social de crescimento com violento desemprego de par com elevados salários de líderes ou lucros de grandes empresas, baseados tantas vezes em práticas de evasão fiscal ou crimes como os do Deustche Bank, da VW ou do presidente do Bayern de Munique. E em que a família e a empresa perderam o papel essencial de estruturas de integração do indivíduo na comunidade, em favor da afirmação de um individualismo orientado para o accionista maioritário, e de uma perversa hegemonia financeira de players sem pátria de que a Goldman Sachs, que urdiu o ardil da Grécia e foi abraçada pelo ex-presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, é a jóia da coroa.

Contra Portugal prevaleceu uma decisão que nada tem que ver com o espirito europeu. E que esqueceu que é nos bens não patrimoniais que se alicerçam os países ou o interesse geral da UE. A reguada de Schäuble é uma vergonha sem nome e uma enorme injustiça para o Povo de Portugal que deu o corpo ao tronco para satisfazer a troika. Além de que ofende as bases da sã convivência entre povos irmanados numa integração europeia enquanto meio civilizacional de apaziguamento de tensões identitárias. Muita razão tem pois Angel Gurría, Secretário-Geral da OCDE, ao afirmar sobre as sanções que não está preocupado com a reputação de Portugal na UE, mas sim com a reputação da UE em Portugal. O que é que o Ecofin não viu ou não compreendeu na reacção nas ruas ao Euro-Bom, o do "caneco"?

Advogado e especialista em Direito Fiscal

Consultor Técnico da UTAO (2006-2008)

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