Cavaco
estraga unanimidade do Conselho de Estado sobre sanções
LEONETE BOTELHO
13/07/2016 – PÚBLICO
Ex-Presidente
sublinhou a submissão aos compromissos europeus e fez análise fria
sobre a forma como a conjuntura internacional afecta as contas
portuguesas. Tema ficou fora do comunicado final.
Foi um balde de água
fria sobre o tom consensual em que decorria o segundo Conselho de
Estado da era Marcelo Rebelo de Sousa. O ex-Presidente Cavaco Silva
fez uma análise de cariz essencialmente técnico à conjuntura
internacional – o tema da agenda da reunião de segunda-feira –
em que, embora sem nunca se referir às sanções que Portugal
arrisca por incumprimento do défice, acabou por sustentar a
legitimidade da aplicação de penalizações.
Na sua intervenção,
Cavaco Silva elencou as regras europeias a que Portugal se submeteu,
não apenas o Tratado Orçamental que obriga a um défice estrutural
de 3%, como sobretudo os programas de estabilidade com que se
comprometeu perante Bruxelas, com previsões de défices ainda
menores. O facto de ter sublinhado os compromissos assumidos e a
importância das regras foi entendido por alguns conselheiros como
uma legitimação das sanções que venham a ser aplicadas.
Certo é que o tema,
que foi abordado por praticamente todos os conselheiros, acabou por
não merecer uma única referência no comunicado final, que tem de
ser aceite por unanimidade. No texto proposto pela Presidência, nem
sequer surgiu qualquer referência ao assunto, evitando-se assim
algum desconforto ou mesmo rejeição de parte do comunicado.
A nota informativa
aprovada e distribuída aos jornalistas tinha apenas sete linhas e
uma formulação genérica, dizendo que o Conselho sublinhou “a
premência de uma contínua reflexão aprofundada sobre os desafios
colocados à União Europeia, em termos económicos, financeiros,
sociais e políticos, e que deve merecer o acompanhamento do
Conselho”.
Por outro lado, o
ex-Presidente fez uma análise fria da conjuntura económica
internacional - tantas vezes usada pelo Governo como justificação
para a fraca recuperação económica -, dizendo que a envolvente
externa é igual para todos e desvalorizando o impacto de alguns
países na economia nacional: relativizou tanto a quebra de
crescimento de Angola e do Brasil como o crescimento em Espanha e a
redução do preço do petróleo.
Uma intervenção
que foi interpretada como a mais crítica ao Governo neste Conselho
de Estado e que contrastou com o tom consensual no sentido de que não
se justifica a aplicação de sanções a Portugal, uma vez que o
país está a cumprir as suas obrigações.
Na véspera da
reunião do Ecofin, todos queriam ouvir a exposição do
primeiro-ministro sobre o assunto. E António Costa apresentou dois
cenários. Um mais preventivo aponta para a possibilidade de não ser
aplicada nenhuma sanção até Janeiro de 2017, na perspectiva de ver
se Portugal cumpre a meta de 3% do défice este ano. O segundo
cenário, de cariz punitivo, seria a aplicação de uma sanção
simbólica, uma multa relativamente irrisória. Costa manifestou,
naturalmente, preferência pelo primeiro.
Esta terça-feira,
já depois da reunião do Conselho de Ministros da Economia e
Finanças da UE, o Presidente da República sublinhou aos jornalistas
a existência de um consenso nacional sobre as sanções, lembrando
como o Parlamento aprovou duas moções que, no essencial, as
repudiam. E insistiu naquilo que tem dito: “A Europa, na actual
situação, devia ir para uma solução mais salomónica: não deixar
de aplicar uma sanção, mas ser zero ou quase zero”. Uma posição
que demonstra a convergência de posições com o Governo.
Marcelo sublinhou
mesmo o contexto da posição do Ecofin, referindo a diferença de
posição tomada em relação aos dois países ibéricos: “Em
relação a Espanha disse que eram necessárias medidas adicionais,
enquanto sobre Portugal verificou que a execução orçamental aponta
para um défice de 2,7% e que a missão que recentemente esteve no
país verificou que a execução está dentro do previsto”.
Posição moderada
com o Reino Unido
O assunto que
mereceu mais atenção do Conselho de Estado foi mesmo o referendo do
Reino Unido que resultou na decisão de sair da União Europeia. E
aqui, os conselheiros estiveram de acordo na ideia de que Portugal
deve assumir, nas negociações que vierem a ter lugar, uma posição
moderada, tendo em conta a relação especial com o velho aliado.
Pacífica foi também
a ideia de que, na sequência do Brexit, se deverá reabrir o debate
sobre o modelo de governança da União Europeia: deverá evoluir no
sentido mais federal ou menos federal? Com mais ou menos directório?
Em qualquer caso, defendeu-se ali que Portugal deveria ter assumir
uma posição própria neste processo.
O ex-Presidente
Jorge Sampaio lançou para a mesa o desafio a que Portugal procure
gerar um pensamento nacional nesta matéria, o que fez recordar a
ideia de Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, de
criar um grupo de trabalho na Assembleia da República sobre o
assunto.
Em contraponto,
Cavaco Silva lembrou que este era um tema sobejamente estudado e
recordou o relatório dos cinco presidentes das estruturas da UE
(Parlamento, Conselho, Comissão, Banco Central Europeu e Eurogrupo)
que, em Junho de 2015, apresentaram a sua proposta de aprofundamento
da União Económica e Monetária até 2025.
Na linha do que tem
defendido publicamente, Francisco Louçã insistiu na ideia de que
Portugal vai ter de fazer um referendo ao Tratado Orçamental, mais
cedo ou mais tarde, porque as regras são impossíveis de cumprir,
mas sobre esse tema-tabu ninguém mais fez qualquer comentário.
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