OPINIÃO
As
contradições do projecto europeu
ADELINO FORTUNATO
12/07/2016 – PÚBLICO
A
cada dia que passa há mais cidadãos e cidadãs que se sentem
excluídos dos processos de decisão nas matérias que decidem as
suas vidas.
Churchill referiu-o,
mas não estava nas intenções dos fundadores do “projeto
europeu”, liderado por Jean Monnet, Robert Schuman e Konrad
Adenauer, então dominadas pela preocupação de criar um espaço de
interesses comuns entre países que se tinham confrontado nas Guerras
do século XX, para assegurar a manutenção da paz. Mas a partir do
momento em que o processo de integração se foi consolidando, por
intermédio da constituição do Mercado Único e do abatimento das
restrições ao comércio e à livre circulação de fatores
produtivos, o modelo da grande nação americana foi-se insinuando e
a tentação para construir uma espécie de Estados Unidos da Europa
apareceu.
Este é o primeiro
grande equívoco do projeto europeu, porque por trás da busca de
eficiência económica que a plena integração parece sugerir, está
a desenvolver-se um caminho centralizador liderado pela Alemanha e
outros países centrais que esmaga os interesses dos países da
periferia. E se os estados do Sul da nação americana foram
submetidos aos objetivos da Unificação por intermédio da Guerra
Civil, não se vislumbra que algo semelhante possa vir a acontecer no
futuro do continente europeu. Por um motivo simples: o mosaico de
nações e povos europeus tem muitos séculos de existência, de
identidade e de enraizamento social e cultural que nunca se diluirão
duradouramente.
Os Estados Unidos da
América é um país recente, povoado por contingentes de emigrantes
europeus, que se ergueu criando uma nova identidade e instituições
destinadas a regular de forma pragmática uma realidade económica,
política e social muito dinâmica. Em particular, na sua génese, o
processo de conquista da “fronteira” gerou um mecanismo virtuoso
de expansão do mercado interno, que estimulou sustentadamente o
investimento e o crescimento económico. O contraste não pode ser
maior com o que se passou ao longo da história do continente
europeu, marcada pela fratura persistente e pelo afrontamento entre
agrupamentos de nações.
Tudo isto se torna
mais evidente quando a União Europeia adota procedimentos que
acentuam desigualdades, ou quando persiste na falta de legitimação
democrática de algumas das suas regras e instituições, como
aconteceu com o Euro, o Pacto de Estabilidade e Crescimento ou o
Tratado Orçamental. A cada dia que passa há mais cidadãos e
cidadãs que se sentem excluídos dos processos de decisão nas
matérias que decidem as suas vidas e que questionam os fundamentos
deste esquema comandado pelo diretório de países mais ricos.
Na sua fase
ascensional de popularidade estas contradições não se fizeram
sentir, mas a partir do momento em que a austeridade, o desemprego ou
a recessão somados a práticas de chantagem e arbítrio com a Grécia
e outros países entraram em cena, tudo mudou. A cada dia que passa a
União Europeia perde apoiantes, como se viu com o “Brexit”, e em
vez de corrigir os erros, ela revela pavor perante a legitimação
popular das suas decisões. Em Portugal, o episódio mais recente é
a ameaça de sanções por procedimento de défice excessivo nas
contas públicas da governação de Passos Coelho, fiel executante
das políticas da Troika.
Quem recusa
perentoriamente consultar a opinião pública sobre temas relevantes,
porque nesta ocasião se favoreceriam nacionalistas e xenófobos,
está a cavar a sepultura da própria União Europeia, acentuando o
divórcio das instituições em relação à cidadania. Não há
projeto democrático que resista à autossuficiência. O último
grande exemplo desta evidência foi-nos dado pelo desmoronamento da
União Soviética, quando aqueles mesmos populistas e xenófobos se
apoderaram da luta pela democracia para a domesticarem. É o que se
perfila no horizonte, agora no cenário europeu, se aquele trajeto
não for invertido.
Professor da
Universidade de Coimbra
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