“Em Setembro de 2012, num
depoimento à Procuradoria-Geral da República brasileira, Marcos Valério (o
principal arguido do caso “mensalão”) relaciona a Portugal Telecom com aquele
esquema de corrupção. Acusou a operadora portuguesa (detida em 20% pelo BES e
pela Ongoing) de ter pago ao partido de Lula da Silva, num negócio feito
pessoalmente por Miguel Horta e Costa (ex-presidente da PT e vice-presidente do
BES), tendo “o repasse dos recursos sido feito por meio de contas de
publicitários que prestavam serviços ao PT”. Horta e Costa foi recentemente
constituído arguido, em Portugal, na sequência de um pedido das autoridades
brasileiras. “Tratou-se de uma calúnia sem fundamento, feita em 2012”,
assegurou o gestor português.”
Uma sociedade do GES que ninguém
conhece e as suspeitas no Brasil
Cristina Ferreira e Paulo
Pena
03/02/2015 - PÚBLICO
A ES Enterprise, um veículo do
universo GES alegadamente usado para pagamentos não documentados, pode fazer
parte de um escândalo internacional. Isto caso se prove que, através desta
sociedade opaca, detida pela Espírito Santo International, se movimentaram
verbas destinadas a contas de entidades extra-grupo, nomeadamente da esfera
política.
A empresa mais secreta do
Grupo Espírito Santo (GES), que nem sequer consta do organograma oficial, pode
ter actuado em várias zonas geográficas: Portugal, Suíça, Angola, Brasil e
Venezuela. Os investigadores podem estar ainda longe de garantir grandes
conclusões sobre o tema GES que envolve o perímetro de acção da ES Enterprise.
Mas há um dado certo: a opacidade desta empresa-veículo que se admite poder ter
sido usada nos últimos anos para movimentar cerca de 300 milhões de euros.
Referindo-se à ES
Enterprise, os círculos próximos de Ricardo Salgado explicam que o veículo era um
meio para pagar bónus a colaboradores do GES que trabalhavam em várias
sociedades. A explicação tem suscitado sorrisos e muitas dúvidas da parte de
dirigentes do GES e do BES. José Manuel Espírito Santo, um dos membros do
Conselho Superior do GES, e da comissão executiva do BES, garantiu aos
deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito que nunca tinha ouvido falar na
ES Enterprise até o PÚBLICO divulgar a sua existência, como eventual "saco
azul" do GES. O mesmo disse o presidente do BESI, José Maria Ricciardi:
“Nunca tinha ouvido falar da empresa”.
“Teoricamente, a maneira
mais segura de manter sigilo sobre a existência de uma sociedade que é usada
como saco azul é restringir o seu conhecimento a um núcleo reduzido de
protagonistas, geralmente a um chefe ou mais uma pessoa”, observa uma fonte
judicial, ao PÚBLICO.
O braço direito de
Ricardo Salgado, o secretário do Conselho Superior do GES, José Castella, e o
ex-contabilista do grupo, Francisco Martins da Cruz (que assumiu ter ajudado a
ocultar 1300 milhões de euros de perdas da ESI), eram dois dos administradores
da ES Enterprise. E ambos estiveram em São Bento a prestar declarações aos
deputados, à porta fechada.
Castella pouco falou da
ES Enterprise, e assegurou que "nunca assinou" nenhum documento,
sendo o seu cargo meramente formal, desconhecendo mesmo qual seria o objecto
social da sociedade. Castella apontou os holofotes para Francisco Machado da Cruz
ao dizer aos deputados que o ex-contabilista “podia tomar decisões sem o
contactar”. Machado da Cruz admitiu ter sido informado que a ES Enterprise
estava encerrada e garantiu: "Nunca vi um balanço.”
Por seu turno, o
presidente da Escom (do GES), Hélder Bataglia, ouvido na CPI a semana passada,
começou por dizer que estava, como “todos”, “a ouvir falar nessa empresa",
pela primeira vez, mas acabou por admitir ter tido "um contrato com"
a ES Enterprise "de pagamentos de comissões" por negócios na área da
energia. Explicou: “Sempre pensei que fosse uma empresa de investimento do GES”
e desconhecia quem eram os gestores.
A ES Enterprise
movimentava dinheiro através de uma sociedade da suíça Eurofin Securities, de
Alexandre Cadosch, que é suspeita de ter ajudado Salgado a contornar os limites
de exposição do BES ao GES impostos pelo BdP. Para além de barriga de aluguer
de activos do GES, a Eurofin era, em simultâneo, financiadora do GES.
Entre as operações que
podem ter despertado o interesse da investigação está a venda pela PT de 50%
das acções da brasileira Vivo à empresa espanhola Telefonica (que pagou 7500
milhões de euros) e a entrada da Oi na PT. Estes negócios simultâneos tiveram
lugar em 2010 e podem ter movimentado verbas “extra” de 200 milhões de euros.
Os governos dos três
países envolveram-se a fundo nas negociações. José Sócrates procurou uma
solução para que a PT mantivesse um papel do outro lado do Atlântico, enquanto
a equipa de Lula da Silva sugeriu a possibilidade de fusão da empresa
portuguesa com a brasileira Oi e o governo espanhol garantiu que a Telefónica
ficava com o domínio da Vivo. A PT desembolsou 3650 milhões por 22% da Oi, que
acabou por entrar na PT, financiada pelo BNDES, o banco estatal do Brasil.
Em Setembro de 2012, num
depoimento à Procuradoria-Geral da República brasileira, Marcos Valério (o
principal arguido do caso “mensalão”) relaciona a Portugal Telecom com aquele
esquema de corrupção. Acusou a operadora portuguesa (detida em 20% pelo BES e
pela Ongoing) de ter pago ao partido de Lula da Silva, num negócio feito
pessoalmente por Miguel Horta e Costa (ex-presidente da PT e vice-presidente do
BES), tendo “o repasse dos recursos sido feito por meio de contas de
publicitários que prestavam serviços ao PT”. Horta e Costa foi recentemente
constituído arguido, em Portugal, na sequência de um pedido das autoridades
brasileiras. “Tratou-se de uma calúnia sem fundamento, feita em 2012”,
assegurou o gestor português.
Na mesma altura, o
ex-deputado Roberto Jefferson declarou à justiça que os políticos brasileiros
envolvidos neste esquema receberiam dinheiro do GES após uma negociação
intermediada por Marcos Valério, a pedido de José Dirceu, o antigo chefe da
Casa Civil do ex-Presidente da República Lula da Silva. Dirceu cumpre uma pena
de prisão de dez anos pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção activa
no caso "mensalão". A comunicação social brasileira tem referido que
as verbas (que podem chegar a 40 milhões de dólares) que saíram do GES se
traduziram numa comissão pela transferência de recursos do extinto Instituto de
Resseguros do Brasil (IRB). Destas declarações, e de outras realizadas no mesmo
sentido, não resultaram condenações.
Há outra pista na América
do Sul: as ligações do GES à Venezuela são antigas e “muito profundas”, como
relatou Hélder Bataglia na CPI, e remontam ao tempo em que Hugo Chávez era o
presidente. O gestor da Escom lembrou o papel muito importante que desempenhou
na aproximação de Portugal àquele país latino-americano. Ainda que Bataglia se
reportasse aos anos de 2003 a 2004, o gestor notou que os frutos do seu
trabalho, como facilitador da relação luso-venezuelana, foram recolhidos por
Portugal anos depois. Em 2008 José Sócrates esteve na Venezuela a negociar
petróleo e portáteis Magalhães. E o BES tinha entre os seus grandes clientes a
Petróleos de Venezuela (PDVSA) que se tornou um dos maiores credores do Grupo
Espírito Santo, depois de ter investido centenas de milhões de euros em dívida
de curto prazo das holdings não financeiras que estão na origem de cartas de
conforto assinadas por Salgado à revelia do BdP.
A Procuradoria-Geral da
República não respondeu às perguntas do PÚBLICO sobre o papel da ES Enterprise
na investigação ao universo Grupo Espírito Santo, nem se pronunciou sobre as
possíveis ramificações internacionais desta investigação.
Sem comentários:
Enviar um comentário