“A pista portuguesa desta
operação, que Hermes Magnus aponta na entrevista que deu ao PÚBLICO, já é
conhecida das autoridades brasileiras há algum tempo. Nos seus depoimentos, o
principal arguido do “mensalão”, Marcos Valério, revelou que esteve em Portugal
para obter financiamento partidário, por sugestão de outro arguido, o poderoso
chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu (ambos foram condenados pela Justiça).
As reuniões em Lisboa tiveram como interlocutores António Mexia, ex-ministro
das Obras Públicas, entre 2002 e 2004, e Miguel Horta e Costa, ex-presidente
executivo da Portugal Telecom, entre 2002 e 2006. O BES foi implicado por ter
participado num negócio deste esquema.”
Denunciante do maior caso de corrupção no Brasil garante que dinheiro passou pelo BES
Cristina Ferreira e Paulo
Pena
03/02/2015 - PÚBLICO
Hermes Freitas Magnus é a
testemunha-chave do caso Lava Jato, que deu origem a várias investigações da
justiça brasileira, levou para a prisão alguns responsáveis de grandes empresas
e tem na mira mais de uma dezena de políticos. Contou ao PÚBLICO como tentaram
fazer com que transportasse ilegalmente dinheiro de contas no BES.
Hermes Freitas Magnus é
um "gaúcho", descendente de alemães e portugueses. “Inventor”, como
gosta de se definir, e empresário, envolveu-se num dos casos mais complexos da
história política brasileira. Em 2008, depois de ter feito uma sociedade com um
conhecido político do Paraná José Janene, resolveu denunciar à justiça um
esquema de corrupção que, seis anos depois, se transformaria no maior escândalo
político-empresarial daquele país.
De passagem por Lisboa,
onde fez uma curta escala a caminho do Brasil (onde se encontra para depor no
processo judicial), contou ao PÚBLICO que há uma ligação entre os três casos
que marcaram os últimos anos no Brasil - "mensalão, lava jato e petrolão".
E que há um elo português nesta história: “José Janene tinha dinheiro aqui, no
BES.” Dinheiro que, alega, se destinava a ser “lavado” e regressar, depois, ao
Brasil. No final de 2008, pouco antes de começar a denunciar o caso à Polícia
Federal, Hermes Magnus foi contactado para servir de “mula”: “Queriam que eu
levasse para o Brasil dinheiro de contas do BES, no Porto. As contas eram dele
[Janene], para lavar dinheiro em Portugal, mas ouvi dizer que estavam
associadas a sociedades off-shore .”
Magnus recusou, e o seu
substituto nessa operação acabaria por ser preso, num aeroporto brasileiro, com
mais de 600 mil euros escondidos na roupa interior. Todos estes factos,
incluindo a utilização do banco português, foram transmitidos por Magnus às
autoridades brasileiras.
O empresário teve de
“fugir do Brasil”, onde foi ameaçado, vítima de perseguição e de fogo posto na
sua casa. Só seis anos depois de ter denunciado o caso, viu, “pela televisão”,
que os homens que referira à justiça estavam a ser presos. Entre eles está o
“doleiro” (cambista ilegal) Alberto Youssef, parceiro de José Janene, e
principal elo de ligação entre os vários casos de corrupção entre dirigentes
políticos, grandes empresas e sociedades de fachada. Uma destas propôs
sociedade à empresa de Magnus, a Dunel, e foi assim que tudo começou. Hermes
Magnus assumiu-se como vítima do processo Lava-Jato e pediu ao juiz federal, o
brasileiro Sérgio Moro, que proteja os seus interesses. O PÚBLICO teve acesso
em primeira-mão à participação entregue no tribunal no passado dia 30 de
Janeiro e onde o empresário relata o seu papel como denunciante e os prejuízos
que alega ter sofrido de reputação, morais e financeiros.
As suas denuncias
demoraram seis anos a produzir efeitos. Sabe porquê?
A ficha caiu, como se diz,
este ano. No início de 2014, estava eu vendo TV, passa Alberto Youssef algemado
[o “doleiro”, cambista ilegal, envolvido no “mensalão” e na operação Lava Jato,
é um dos principais “arrependidos” do processo]. Eu conheço esse aí! Comemos
churrasco juntos. Nessa mesma hora mandei um e-mail para o juiz que investiga o
caso. E ele me respondeu: 'As informações que nos enviou foram fundamentais
para esse processo.' Foram as minhas informações que deram origem à Lava Jato.
Mas as suas primeiras
denúncias foram feitas em 2008. Na altura ninguém percebeu o que estava a
denunciar?
Diziam: “Mais um caso…”
Diziam que era uma briga comercial minha com o José Janene [político
brasileiro, líder do Partido Progressista na câmara dos deputados em Brasília,
e dirigente do Estado do Paraná, acusado no caso “mensalão”]. Com todas as
provas que juntei, como vi que não adiantava de nada, fugi do Brasil, no final
de 2008. Fui para a Suécia. E em Abril de 2009 fui para os Estados Unidos. Onde
fui perseguido também. Não aguentei a pressão no Brasil. Puseram fogo em minha
casa, assaltaram o meu carro, esvaziaram minhas contas no banco. Em Fevereiro
comecei a dar depoimentos à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal.
Mas fiquei brigando sozinho. Foi uma sensação horrível. Fui recomeçar a minha
vida numa garagem nos EUA. Fui começar do zero. Produzir equipamentos de teste
para certificação eléctrica.
Mas antes disso contactou
o juiz Sérgio Fernando Moro, que conduziu as investigações na operação Lava
Jato?
A conselho de um delegado
que eu conhecia, que estava prestes a entrar na reforma, juntei todas as provas
e entreguei para o juiz Sérgio Moro. Foi no início de 2009. Ele me deu o e-mail
do juiz e eu enviei. O juiz me respondeu, agradecendo. Eu já vinha falando com
a Polícia Federal desde 2008, mas o caso não andava… José Janene era “dono”
daquela parte do Estado do Paraná.
E quando se apercebeu de
que estava a ser envolvido num esquema de corrupção?
Foi logo na segunda
semana. Andava à procura de um investidor. E eles apareceram, dizendo: vamos
investir na sua empresa e pode ser via bancos do Governo ou com dinheiro nosso,
de empresas de construção, o que dispensa burocracias. Como eu e a minha sócia
éramos inexperientes, não levámos o projecto a um advogado. Até porque eles nos
disseram: é pegar ou largar. E aceitámos. A partir de certa altura, eles
começaram a colocar gente da família deles na empresa e começaram a fazer
compras estranhas. Por exemplo: precisávamos de um quilo de alumínio e eles
compravam cem quilos. E depois transferiam para as empresas deles ou vendiam. O
Alberto Youssef sempre esteve ligado ao Governo. Ele levava negócios ao Governo
para que este desse garantia de que os aceitava. Havia uma extorsão de dinheiro
ao Governo. Eles investiam um milhão e ficavam com 50% da minha empresa.
A ligação com o “doleiro”
- que dá origem aos escândalos Lava Jato e “petrolão” - era uma empresa
fictícia, chamada CSA Project Finance, que servia para “lavar” dinheiro?
Essa empresa é que fez
sociedade com a minha. E foi essa informação que passei para a justiça. Mas a
teia era tão grande, que havia um funcionário da Camargo Correa [construtora
envolvida no caso “petrolão”] colocado como consultor na minha empresa. E já
estavam criando uma off-shore nas Bahamas para a minha empresa…
E qual era o objectivo de
usar a sua empresa?
A minha empresa estava
licenciada para vender produtos ao Governo. Eles precisavam de empresas que
pudessem fazer negócios com o Governo, para poderem facturar. Ou melhor,
superfacturar. Eu tinha lançado instrumentos para a área petrolífera. Faziam
contratos absurdos, proibitivos.
Porque, depois do
“mensalão”, tiveram de mudar a forma de extorquir dinheiro?
Sim. Passaram a pedir
comissão por cada compra no sector energético, ou obras.
Três por cento, segundo a
justiça, não é?
Nalguns casos muito mais…
As termoeléctricas, por exemplo. Financiavam a concessão de uma termoeléctrica
só como fachada, nem precisava de produzir energia.
Como era Janene?
Era um sedutor, um
político que fazia churrascadas todos os fins-de-semana.
O que o levou a
denunciá-lo?
Sou um empresário que
tinha um projecto de vida e um projecto de vanguarda. E sempre combati a
corrupção. É da minha natureza. Actuei como activista e cidadão.
Está arrependido?
Não. Mas o facto
importante é que o processo demorou. E quando rebenta a operação Lava Jato eu
já tinha recomeçado a minha vida profissional do zero e tinha clientes. E estes
ficaram com medo, pois o meu nome começou a aparecer como denunciante. E voltou
a cair a ficha, com reflexos na minha vida.
Além do processo
principal, existe também um processo seu, em que procura ser indemnizado pelos
danos que a situação causou à sua empresa?
A justiça brasileira, em
situação criminal, funciona no sentido em que as vitimas possam assumir o papel
de assistentes de acusação. Então, eu apresentei um relatório de síntese de
factos que o Ministério Público não explicitou, como seja o montante de danos e
qual o impacto financeiro, reputacional e moral. O que deixei de receber por
conta de ter sido forçado em 2008 a interromper a actividade da empresa.
Neste turbilhão de
“incidentes” em que momento tropeçou no BES?
Janene tinha dinheiro no
BES. E a última “mula” dele [pessoa que transporta ilegalmente valores de um
país para outro] foi Enivaldo Quadrado. Como é que eu sei disso? Era para ser
eu. Em Outubro de 2008 quiseram fazer de
mim “mula” da Europa para o Brasil. Eu tinha que vir à Suécia e a Inglaterra
falar com clientes. O Alberto Youssef providenciou a passagem aérea através da
agência de viagens dele e o José Janene providenciou o dinheiro. Então,
entregaram-me um telefone de uma companhia a que estavam ligados, a Vox
Telecom, para que, ao chegar à Europa, os contactasse, pois precisavam de um
favor de Portugal. Andava já desconfiado e percebi que alguma coisa estava
errada. Mal aterrei em Inglaterra desliguei o telefone e fiquei incontactável.
Volto para o Brasil e ninguém me perguntou nada.
O que pretendiam?
Queriam que eu levasse
para o Brasil dinheiro de contas do BES, no Porto. As contas eram dele
[Janene], para lavar dinheiro em Portugal, mas ouvi dizer que estavam
associadas a sociedades off-shore. Como não lhes levei a encomenda, eles
pediram ao Enivaldo Quadrado [empresário brasileiro, condenado a três anos de
prisão no caso "mensalão" e de novo detido, em 2014, no caso Lava
Jato]. Ele acabou detido no Aeroporto de Cumbica, a 8 de Dezembro de 2008, com
dinheiro não declarado escondido debaixo das roupas [361 mil euros escondidos na
roupa interior].
Informou a justiça
brasileira do recurso a contas no BES para lavar dinheiro?
Sim. Dei conta da
informação a um agente da polícia federal. Eles usavam também um banco libanês
com sede em França, o Banque de La Mediterranée France [incorporado no Crédit
Agricole].
Naquela altura havia
grande aproximação entre governos de Portugal e do Brasil….
Sim estava a correr o
negócio entre a Oi e a PT. Ouvi o grupo do Janene dizer que a operação Oi/PT e
Vivo/Telefonica tinha movimentado dinheiro…
Do conhecimento que tem,
em que medida é que o caso BES-GES pode estar interligado com o grupo ligado ao
"mensalão-petrolão"?
Como já disse tentaram
usar-me, em 2008, para trazer dinheiro da Europa. Depois descobri que seria do
Porto. Também descobri que o grupo operava com o BES e com um banco árabe, o
Mediterranée. Estes bancos eram as fontes de recurso do Janene. O cruzamento de
nomes de pessoas ligadas ao BES com passaporte brasileiro e os envolvidos no
"petrolão" e "mensalão" pode dar pistas. Tenho certeza que
encontrarão um elo.
Foi depois destes
incidentes que decidiu denunciar?
Depois de perceber que a
turma do José Janene estava a usar a minha empresa para lavar dinheiro,
disse-lhes: 'Não aceito, pois estão a mexer com dinheiro sujo ligado ao
Governo'. E fui denunciar. Em 2010 o Janene morre. E em 2011 houve o julgamento
do “mensalão”. Eu sabia que a operação era transpartidária, não era só o PT. O
esquema já estava montado. Janene falava com muita convicção sobre tudo. Ele
montava os “currais eleitorais” e vendia. Quando José Dirceu [chefe da Casa
Civil do Presidente Lula da Silva] chegou ao poder, percebeu que Janene tinha o
maior número de redutos. E Alberto Youssef pagava tudo aquilo que Janene pedia,
mas não tinha muita importância política. Depois de 2010, Youssef tomou o lugar
de Janene.
E o senhor regressou ao
Brasil?
Sim. Entre 2012 e 2013
estive no Brasil. E em 2014 estoura a Lava Jato. E os meus clientes se
assustaram. Quando eu vi essas pessoas sendo presas, comuniquei com o juiz.
Poucas horas depois estou a ser entrevistado pelos repórteres. Foi quando li
todo o processo. E aí tive de sair de novo. Agora estou voltando para depor.
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