quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Um longo caminho entre Berlim e Atenas / BCE aumenta a pressão à Grécia ao cortar apoios aos bancos / Alemanha quer que Governo da Grécia recue nas promessas.

Um longo caminho entre Berlim e Atenas
DIRECÇÃO EDITORIAL 04/02/2015 - PÚBLICO

Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis continuam o périplo por várias capitais europeias à procura de reunir apoios. E esta quinta-feira é a vez de o ministro das Finanças grego se encontrar com o seu homólogo alemão, Wolfgang Schäuble. Berlim e Atenas já puseram as cartas em cima da mesa, mas nesta altura das duas uma: ou estão ambos a fazer bluff, ou então Tsipras e Merkel ainda têm um longo caminho pela frente para tentar chegar a uma posição que se assemelhe a um consenso mínimo. Ao plano que Varoufakis apresentou – e que passa por substituir a dívida oficial por obrigações indexadas ao crescimento – Berlim contrapôs um documento produzido para a reunião preparatória do Eurogrupo em que basicamente incentiva a Grécia a não se afastar minimamente dos compromissos antes assumidos com a troika. Já se percebeu que a conversa entre Schäuble e Varoufakis será uma conversa de surdos.

BCE aumenta a pressão à Grécia ao cortar apoios aos bancos
SÉRGIO ANÍBAL 04/02/2015 - PÚBLICO

Banco central deixa de aceitar dívida pública grega como colateral.

O Banco Central Europeu (BCE) aumentou esta quarta-feira à noite a pressão sobre o novo governo grego ao anunciar que a partir de 11 de Fevereiro deixará de aceitar os títulos de dívida pública da Grécia como colateral para os empréstimos que concede aos bancos.

Esta decisão pode significar que os bancos gregos, que são detentores de quantidades significativas de dívida pública do seu país, podem ficar sem suficientes activos elegíveis para apresentarem como garantia no recurso às operações de financiamento junto do BCE.

Um cenário em que os bancos gregos perdem a capacidade para se financiar por inteiro ainda não se coloca neste momento porque o BCE, no comunicado em que anunciou a decisão, faz questão de frisar que as necessidades de financiamento dos bancos europeus que não tenham colaterais suficientes “pode ser satisfeita pelo respectivo banco central nacional, através de Assistência de Liquidez de Emergência (ELA na sigla em inglês) de acordo com as regras actuais do Eurosistema.

Isto é, o bancos gregos que com a decisão desta quarta-feira fiquem sem activos suficientes para apresentar como garantia ao BCE ainda podem recorrer ao Banco da Grécia para empréstimos de emergência. Estes empréstimos têm taxas de juro mais caras e estão sempre dependentes da autorização (dada de 15 em 15 dias) do conselho de governadores do BCE, que tem de considerar que os bancos não estão insolventes e que o Banco da Grécia não está a incorrer em riscos demasiado elevados ao emprestar dinheiro aos bancos. Neste momento, já há dois bancos gregos que, face à fuga de depósitos que se verificou nas últimas semanas, recorreram à Assistência de Liquidez de Emergência num valor superior a 2000 milhões de euros.

No comunicado, o BCE explica a sua decisão com o facto de “não ser actualmente possível assumir que se venha a verificar uma conclusão bem sucedida da avaliação do programa [da troika na Grécia]”.

De acordo com as regras actualmente em vigor, a dívida de um país que apenas tenha ratings situados no nível “lixo” (como é o caso da Grécia) apenas pode ser elegível como colateral no BCE caso esse país esteja a cumprir as condições impostas por um programa da troika.

O novo Governo grego já deixou claro que não pretende concluir o actual programa da troika, nem solicitar a sua extensão. O que o Executivo liderado pelo Syriza tem vindo a pedir ao BCE é a criação de condições de financiamento no curto prazo que dêem tempo ao novo Governo para negociar até Junho um novo acordo com os seus parceiros europeus.

Terá sido isto que o ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, terá solicitado a Mario Draghi na reunião que realizou esta quarta-feira na sede do BCE, em Frankfurt. De acordo com o relato do encontro feito pelo próprio Varoufakis, o presidente do BCE ter-lhe-á dado conta “das regras e dos constrangimentos” do banco central na altura de financiar o sistema financeiro de um dos países do euro.


Alemanha quer que Governo da Grécia recue nas promessas
SÉRGIO ANÍBAL e JOÃO MANUEL ROCHA 04/02/2015 - PÚBLICO

Posição confirma dificuldade em encontrar pontos de entendimento entre Atenas e os responsáveis da maior economia europeia. Varoufakis vai esta quinta-feira a Berlim.

A Alemanha quer que o novo Governo grego recue nas promessas de redução de austeridade que confirmou nos dias seguintes à tomada de posse, revela um documento produzido por Berlim para a reunião preparatória do Eurogrupo, que se realiza esta quinta-feira.

De acordo com a agência Reuters, que teve acesso ao documento, o Governo alemão defende que a posição do Eurogrupo seja de intransigência em relação ao incumprimento pela Grécia das medidas acordadas com a troika.

“O Eurogrupo precisa de um compromisso claro e antecipado da Grécia que garanta a total implementação das medidas chave das reformas necessárias para manter o programa [da troika na Grécia] dentro do previsto”. “O objectivo é a continuação da agenda de reforma acordada (sem recuo nas medidas), cobrindo áreas como a gestão das receitas, impostos, gestão das finanças públicas, privatizações, administração pública, saúde, pensões, segurança social, educação e combate à corrupção”, diz o documento.

A Alemanha defende que deve ser exigido à Grécia que cumpra o objectivo de redução do número de funcionários públicos em 150 mil, aplique a reforma da segurança social acordada, mantenha o salário mínimo ao nível actual e aposte em negociações salariais descentralizadas.

Logo no dia a seguir à posse, o Governo liderado por Alexis Tsipras anunciou que estava a preparar a passagem à prática de promessas eleitorais como a reposição do valor do salário mínimo, a reintegração de funcionários públicos cujo despedimento tinha sido considerado inconstitucional e a suspensão de privatizações em curso.

No documento preparatório visto pela Reuters consta ainda a intenção da Alemanha de ver o Governo grego declarar que irá honrar os compromissos financeiros com o FMI, o BCE e os parceiros do euro, além de assegurar a independência do banco central e das autoridades fiscais e estatísticas do país.

A posição assumida pelo Governo alemão neste documento confirma a dificuldade em encontrar pontos de entendimento entre o novo Executivo de Atenas e os responsáveis políticos da maior economia europeia. Isto precisamente quando o ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis visita a Alemanha e se reúne, esta quinta-feira, com o seu homólogo Wolfgang Schäuble.

Na sua tentativa de convencer a opinião pública alemã da bondade das propostas do Governo Syriza, Varoufakis deu entrevistas a vários meios de comunicação social. Ao Die Zeit, tentou dar resposta ao receio de que se esteja a assistir a um recuo nas reformas exigidas pela troika, dizendo que “os alemães têm de compreender que darmos mais 300 euros ao ano a um pensionista que vive com 300 euros por mês não significa que estamos a fugir do caminho da reforma”. “Quando falamos de reformas, temos é de falar dos cartéis e dos gregos ricos que quase não pagam impostos”, disse.

Varoufakis explicou a recusa em concluir o actual programa da troika com uma comparação entre a Grécia e um trabalhador desempregado. “Dar-lhe-iam outro empréstimo para que ele pudesse fazer os pagamentos para o empréstimo da casa? Isso não funcionaria. Eu sou o ministro das Finanças de um país falido”, afirmou.

Negociação com o BCE
Ao mesmo tempo, em Bruxelas, o primeiro-ministro continuou a apostar num discurso de diálogo. Alexis Tsipras teve um acolhimento amigável de Jean-Claude Juncker, que na campanha eleitoral tinha manifestado preferência por dialogar com “caras conhecidas”. Frente à imprensa, o presidente da Comissão beijou na face o interlocutor e levou-o pela mão para o seu gabinete. Não houve declarações após o encontro.

Tsipras reuniu-se também com o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e com o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, o primeiro dirigente comunitário a visitá-lo em Atenas, na semana passada. Numa curta declaração, ao lado de Schulz, declarou-se “muito optimista”. “A história da União Europeia é feita de desacordos, mas, no final, há um compromisso. Devemos trabalhar em conjunto para chegar a um acordo”, disse.

Em Paris, onde foi recebido pelo Presidente François Hollande, Tsipras pediu à França para desempenhar um papel de protagonista num acordo europeu “para um regresso ao crescimento, para o reforço do emprego e da coesão social”.

Informações divulgadas em Atenas pelo Governo grego indicam que Tsipras manifestou a Juncker a necessidade de “tempo para negociar, sem ultimatos” e o desejo de obter um “acordo transitório”, que dê à Grécia folga para elaborar um plano “radical” de reformas e financiamento para quatro anos, associado a um alívio das obrigações orçamentais.

As reformas incluiriam o combate à corrupção e à fraude fiscal e o reforço da eficácia da administração pública. Do lado orçamental, o objectivo é um “reequilíbrio financeiro” que não obrigue o país a um excedente orçamental primário “monstruoso” de 4,5% do PIB.

Esta quarta de manhã, o ministro das Finanças grego encontrou-se em Frankfurt com o presidente do BCE. O banco central pediu ao governo grego para “negociar rapidamente e de maneira construtiva”, a fim de assegurar a “estabilidade financeira” da Grécia, disseram fontes da instituição à AFP.

De acordo com o relato do encontro feito pelo próprio Varoufakis aos jornalistas, Mario Draghi “foi particularmente prestável ao explicar o mecanismo através do qual o BCE apoia os Estados da zona euro, incluindo a Grécia”, dando conta nomeadamente, “dos constrangimentos, das regras, dos regulamentos e dos processos pelos quais a relação entre a Grécia, a zona euro e, claro, o banco central se deve reger”.

Pela sua parte, Varoufakis disse que teve “a oportunidade de apresentar [a Draghi] a completa e inabalável determinação do Governo grego” de que não o caso grego não pode ser tratado da mesma maneira que estes assuntos são habitualmente tratados”. Não é “business as usual”, disse.


Para as próximas semanas, o novo Governo grego tem dois temas a tratar com o BCE: a possibilidade de encontrar um modelo de financiamento do Estado grego até Junho que permita dar tempo ao Executivo para negociar um novo programa de apoio financeiro com os seus parceiros europeus e a garantia de que os bancos gregos vão poder continuar a aceder ao financiamento do BCE mesmo sem estar em vigor um programa da troika na Grécia.

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