sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Nomeação de Aida Tavares para o São Luiz é contestada. Candidatos excluídos não percebem por que é que a nova directora não se submeteu a concurso público


Nomeação de Aida Tavares para o São Luiz é contestada
Candidatos excluídos não percebem por que é que a nova directora não se submeteu a concurso público

“Se Aida Tavares queria ser directora, por que não concorreu então ao cargo? Não se percebe”, afirma Américo Rodrigues, para quem o presidente da câmara perde credibilidade

Cláudia Carvalho / 7-2-2015 / PÚBLICO

Já se tinham queixado de falta de explicações quando, em Outubro, foram excluídos do concurso público que escolheria o novo director artístico do São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa. Agora, contestam que o processo culmine na nomeação de Aida Tavares [na foto], que dirigia interinamente o teatro. Sentem-se desrespeitados e acusam a Câmara Municipal de Lisboa de tomar uma decisão política. A câmara defende a escolha da nova directora, sem explicar por que não foi aberto um novo concurso para o cargo.
“Falta de transparência”, “falta de profissionalismo”, “falta de respeito” e “falta de ética” são as principais críticas de Miguel Abreu, actor, encenador e produtor de teatro, director da Cassefaz, de Filipe Crawford, actor e encenador, director da FC Produções Teatrais, e de Américo Rodrigues, director do Teatro Municipal da Guarda até Novembro de 2013. Eles foram os finalistas do concurso que pretendia escolher o novo director artístico do São Luiz. Não foram escolhidos, mas, se não fossem as parcas explicações por parte da câmara e da EGEAC, a entidade que gere os espaços culturais de Lisboa, e agora uma nomeação directa para o cargo, garantem que não se queixariam. Assim, pedem explicações e falam de um processo obscuro. Nada têm contra Aida Tavares, mas sim contra o processo de recrutamento.
“O que aconteceu foi que trataram o concurso de forma leviana e concluíram de forma inusitada”, começa por dizer ao PÚBLICO Américo Rodrigues, explicando que se, em Setembro, não se convenceu com a curta fundamentação do júri, constituído por Miguel Honrado, então presidente da EGEAC e agora na administração do Teatro Nacional D. Maria II, Ana Marín (ex-directora do Instituto das Artes) e Jorge Salavisa (ex-director do São Luiz), agora é que não aceita o que aconteceu.
“A fundamentação do júri é de uma fragilidade extrema até porque não é suportada em nenhuma valoração. Diz apenas numa frase que os projectos suscitaram reservas que não foram resolvidas ou esclarecidas em entrevista”, conta o ex-director do Teatro Municipal da Guarda. “Claro que não foram, eu pelo menos não fui questionado em entrevista sobre essas reservas. Não faço a menor ideia de quais são, não sei do que estão a falar.”
Questionada pelo PÚBLICO, a vereadora da Câmara de Lisboa Catarina Vaz Pinto disse que “nenhuma das candidaturas apresentadas respondia satisfatoriamente quer ao projecto artístico-cultural quer ao perfil pretendidos” para o São Luiz, assim como afirmou que os critérios e os resultados foram dados a conhecer aos candidatos.
Mas Miguel Abreu aponta o dedo à forma como o processo foi orientado. “Não registaram as perguntas que nos fizeram. Isso não existe, não foi feita acta disso e a entrevista foi à porta fechada. Sinto-me lesado por não ter tido ninguém a gravar a entrevista ou ter sido feita à porta aberta com testemunhas”, diz ao PÚBLICO o actor e encenador. “Ficámos estupefactos com a falta de profundidade da resposta do júri, tendo em conta a profundidade das exigências que nos foram feitas.”
Para se candidatarem ao cargo, os candidatos tinham de preparar um projecto artístico para o teatro, explicando detalhadamente o trabalho que queriam fazer no São Luiz. “Há aqui um problema terrível, nós despendemos muito tempo a fazer um projecto. É um trabalho de grande investimento da nossa energia, da nossa capacidade criativa, e até financeira”, diz Américo Rodrigues. Para Miguel Abreu, a preparação do projecto incluiu, inclusive, uma viagem a Londres. “Não levo isto a brincar, e depois a resposta que recebo é menor”, diz, lamentando que tudo termine na nomeação de Aida Tavares, que acredita não ter um “currículo comparável” aos três finalistas. “Afinal parece que o currículo não tinha importância nenhuma, e para isso qualquer pessoa se podia ter candidatado ao concurso”, defende.
“Aqueles que passaram por aquele critério apuradíssimo, estreitíssimo, e tiveram de entregar o seu projecto, não satisfazem o júri. Aida Tavares satisfazia o júri? Como? Por que se dispensa isto e nomeia-se directora?”, argumenta Rodrigues, lembrando ainda que a agora directora artística vive em união de facto com Miguel Honrado. “Mais cautela teria de haver, o processo teria de ser conduzido de forma absolutamente irrepreensível, para que não houvesse nenhum tipo de suspeitas”, diz.
Para Miguel Abreu, a nomeação “fere até a própria nomeada”. “Fica uma nomeação estranha”, defende, ao mesmo tempo que lamenta que a câmara, que em 2010 anunciou que os cargos para as direcções artísticas dos teatros municipais — além do São Luiz, há o Maria Matos — seriam encontrados através de concurso público, agora mude de política sem qualquer explicação. “Se não tivesse havido o anúncio com pompa.”
“Acho que tomadas de posição públicas, como as nossas, devem ser ouvidas, interpretadas e analisadas, e o poder político pode obviamente admitir, o que só lhe ficava bem, que o processo não foi bem feito e então reabrir o concurso”, diz o exdirector do Teatro da Guarda. “Só se prestigiava com isso, porque foi tão agitado o processo desde o início que seria muito importante, primeiro, uma explicação e, depois, uma correcção.”
Abrir novo concurso não é, no entanto, uma opção. Não respondendo sobre a mudança de política da câmara, Catarina Vaz Pinto limitou-se a esclarecer que, “esgotada a via do processo de recrutamento, e conscientes da necessidade premente de decidir sobre a direcção artística do teatro, foram desde logo encetados alguns contactos tendo em vista a nomeação em causa”. “Foram endereçados vários convites, tendo-se concluído que Aida Tavares reunia as condições essenciais”, continua, destacando “o percurso profissional e a experiência acumulada durante três décadas nas áreas de programação e produção cultural, em diversos contextos públicos e privados (incluindo uma década de diversas funções de direcção neste teatro)”. A vereadora destacou ainda os resultados do trabalho que Aida Tavares tem vindo a obter “nas diversas ocasiões em que, por inexistência de director artístico, assegurou provisoriamente esta função, como são exemplo os últimos meses”.
“Se Aida Tavares queria ser directora, por que não concorreu então ao cargo? Não se percebe”, afirma Américo Rodrigues, para quem o presidente da câmara perde credibilidade. “Se António Costa não tomar nenhuma posição, a sua imagem sai afectada. Já tinha ouvido falar em procedimentos destes em câmaras muito pequenas, onde há um provincianismo agudo, mas na Câmara de Lisboa?”
“Isto não abona nada a favor do mérito, da transparência e do rigor que António Costa tanto defende”, diz Miguel Abreu, lembrando que, no Maria Matos, onde se manteve Mark Deputter, o processo correu bem. “E, claramente, há um projecto definido, com o qual podemos ou não concordar, mas identifica-se e caracterizase. Já no são Luiz não há”, defende, dizendo ver ali “uma programação de calendário de acordo com os pedidos que vão sendo feitos, sem qualquer tipo de critério”.


Aida Tavares não quis falar e remeteu quaisquer explicações para a câmara, mas o gabinete de comunicação esclareceu que “em breve a nova directora artística apresentará publicamente a programação”. A nova presidente da EGEAC, Joana Gomes Cardoso, também não respondeu ao PÚBLICO, uma vez que a câmara já o tinha feito.

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