Nomeação de Aida Tavares para o
São Luiz é contestada
Candidatos excluídos não percebem por que é que a nova directora não se
submeteu a concurso público
“Se Aida Tavares queria ser directora, por que não concorreu então ao
cargo? Não se percebe”, afirma Américo Rodrigues, para quem o presidente da
câmara perde credibilidade
Cláudia Carvalho
/ 7-2-2015 / PÚBLICO
Já se tinham
queixado de falta de explicações quando, em Outubro, foram excluídos do
concurso público que escolheria o novo director artístico do São Luiz Teatro
Municipal, em Lisboa. Agora, contestam que o processo culmine na nomeação de
Aida Tavares [na foto], que dirigia interinamente o teatro. Sentem-se
desrespeitados e acusam a Câmara Municipal de Lisboa de tomar uma decisão
política. A câmara defende a escolha da nova directora, sem explicar por que não
foi aberto um novo concurso para o cargo.
“Falta de
transparência”, “falta de profissionalismo”, “falta de respeito” e “falta de
ética” são as principais críticas de Miguel Abreu, actor, encenador e produtor
de teatro, director da Cassefaz, de Filipe Crawford, actor e encenador,
director da FC Produções Teatrais, e de Américo Rodrigues, director do Teatro
Municipal da Guarda até Novembro de 2013. Eles foram os finalistas do concurso
que pretendia escolher o novo director artístico do São Luiz. Não foram
escolhidos, mas, se não fossem as parcas explicações por parte da câmara e da
EGEAC, a entidade que gere os espaços culturais de Lisboa, e agora uma nomeação
directa para o cargo, garantem que não se queixariam. Assim, pedem explicações
e falam de um processo obscuro. Nada têm contra Aida Tavares, mas sim contra o
processo de recrutamento.
“O que aconteceu
foi que trataram o concurso de forma leviana e concluíram de forma inusitada”,
começa por dizer ao PÚBLICO Américo Rodrigues, explicando que se, em Setembro,
não se convenceu com a curta fundamentação do júri, constituído por Miguel
Honrado, então presidente da EGEAC e agora na administração do Teatro Nacional
D. Maria II, Ana Marín (ex-directora do Instituto das Artes) e Jorge Salavisa
(ex-director do São Luiz), agora é que não aceita o que aconteceu.
“A fundamentação
do júri é de uma fragilidade extrema até porque não é suportada em nenhuma
valoração. Diz apenas numa frase que os projectos suscitaram reservas que não
foram resolvidas ou esclarecidas em entrevista”, conta o ex-director do Teatro
Municipal da Guarda. “Claro que não foram, eu pelo menos não fui questionado em
entrevista sobre essas reservas. Não faço a menor ideia de quais são, não sei
do que estão a falar.”
Questionada pelo
PÚBLICO, a vereadora da Câmara de Lisboa Catarina Vaz Pinto disse que “nenhuma
das candidaturas apresentadas respondia satisfatoriamente quer ao projecto
artístico-cultural quer ao perfil pretendidos” para o São Luiz, assim como
afirmou que os critérios e os resultados foram dados a conhecer aos candidatos.
Mas Miguel Abreu
aponta o dedo à forma como o processo foi orientado. “Não registaram as
perguntas que nos fizeram. Isso não existe, não foi feita acta disso e a
entrevista foi à porta fechada. Sinto-me lesado por não ter tido ninguém a
gravar a entrevista ou ter sido feita à porta aberta com testemunhas”, diz ao
PÚBLICO o actor e encenador. “Ficámos estupefactos com a falta de profundidade
da resposta do júri, tendo em conta a profundidade das exigências que nos foram
feitas.”
Para se
candidatarem ao cargo, os candidatos tinham de preparar um projecto artístico
para o teatro, explicando detalhadamente o trabalho que queriam fazer no São
Luiz. “Há aqui um problema terrível, nós despendemos muito tempo a fazer um
projecto. É um trabalho de grande investimento da nossa energia, da nossa
capacidade criativa, e até financeira”, diz Américo Rodrigues. Para Miguel
Abreu, a preparação do projecto incluiu, inclusive, uma viagem a Londres. “Não
levo isto a brincar, e depois a resposta que recebo é menor”, diz, lamentando
que tudo termine na nomeação de Aida Tavares, que acredita não ter um
“currículo comparável” aos três finalistas. “Afinal parece que o currículo não
tinha importância nenhuma, e para isso qualquer pessoa se podia ter candidatado
ao concurso”, defende.
“Aqueles que
passaram por aquele critério apuradíssimo, estreitíssimo, e tiveram de entregar
o seu projecto, não satisfazem o júri. Aida Tavares satisfazia o júri? Como?
Por que se dispensa isto e nomeia-se directora?”, argumenta Rodrigues,
lembrando ainda que a agora directora artística vive em união de facto com
Miguel Honrado. “Mais cautela teria de haver, o processo teria de ser conduzido
de forma absolutamente irrepreensível, para que não houvesse nenhum tipo de
suspeitas”, diz.
Para Miguel
Abreu, a nomeação “fere até a própria nomeada”. “Fica uma nomeação estranha”,
defende, ao mesmo tempo que lamenta que a câmara, que em 2010 anunciou que os
cargos para as direcções artísticas dos teatros municipais — além do São Luiz,
há o Maria Matos — seriam encontrados através de concurso público, agora mude
de política sem qualquer explicação. “Se não tivesse havido o anúncio com
pompa.”
“Acho que tomadas
de posição públicas, como as nossas, devem ser ouvidas, interpretadas e
analisadas, e o poder político pode obviamente admitir, o que só lhe ficava
bem, que o processo não foi bem feito e então reabrir o concurso”, diz o
exdirector do Teatro da Guarda. “Só se prestigiava com isso, porque foi tão
agitado o processo desde o início que seria muito importante, primeiro, uma
explicação e, depois, uma correcção.”
Abrir novo
concurso não é, no entanto, uma opção. Não respondendo sobre a mudança de
política da câmara, Catarina Vaz Pinto limitou-se a esclarecer que, “esgotada a
via do processo de recrutamento, e conscientes da necessidade premente de
decidir sobre a direcção artística do teatro, foram desde logo encetados alguns
contactos tendo em vista a nomeação em causa”. “Foram endereçados vários
convites, tendo-se concluído que Aida Tavares reunia as condições essenciais”,
continua, destacando “o percurso profissional e a experiência acumulada durante
três décadas nas áreas de programação e produção cultural, em diversos
contextos públicos e privados (incluindo uma década de diversas funções de
direcção neste teatro)”. A vereadora destacou ainda os resultados do trabalho
que Aida Tavares tem vindo a obter “nas diversas ocasiões em que, por
inexistência de director artístico, assegurou provisoriamente esta função, como
são exemplo os últimos meses”.
“Se Aida Tavares
queria ser directora, por que não concorreu então ao cargo? Não se percebe”,
afirma Américo Rodrigues, para quem o presidente da câmara perde credibilidade.
“Se António Costa não tomar nenhuma posição, a sua imagem sai afectada. Já
tinha ouvido falar em procedimentos destes em câmaras muito pequenas, onde há
um provincianismo agudo, mas na Câmara de Lisboa?”
“Isto não abona
nada a favor do mérito, da transparência e do rigor que António Costa tanto
defende”, diz Miguel Abreu, lembrando que, no Maria Matos, onde se manteve Mark
Deputter, o processo correu bem. “E, claramente, há um projecto definido, com o
qual podemos ou não concordar, mas identifica-se e caracterizase. Já no são
Luiz não há”, defende, dizendo ver ali “uma programação de calendário de acordo
com os pedidos que vão sendo feitos, sem qualquer tipo de critério”.
Aida Tavares não
quis falar e remeteu quaisquer explicações para a câmara, mas o gabinete de
comunicação esclareceu que “em breve a nova directora artística apresentará
publicamente a programação”. A nova presidente da EGEAC, Joana Gomes Cardoso,
também não respondeu ao PÚBLICO, uma vez que a câmara já o tinha feito.
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