segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Podemos ameaça ganhar eleições em Espanha e acabar com bipartidarismo. Quando os eleitores ficam fartos. Espanha. Podemos não ser iguais, por Luís Rosa.


Podemos ameaça ganhar eleições em Espanha e acabar com bipartidarismo

Analistas sublinham a importância de factores conjunturais, como os múltiplos casos de corrupção no PP. Mas 20% dos potenciais eleitores do novo partido espanhol não votaram em 2011

A formação de Pablo Iglesias provocou um sismo no tabuleiro político espanhol
Sofia Lorena / 3-11-2014 / PÚBLICO

Falta um ano para as legislativas espanholas, previstas para Novembro de 2015, e muito pode mudar até lá. Mas o novo partido Podemos, nascido há oito meses e que, com três meses de vida, elegeu cinco deputados nas eleições europeias, surge numa sondagem como o que reúne mais intenções de voto: 27,7%, o que são 1,5 pontos à frente dos socialistas do PSOE e mais 7% do que o Partido Popular do Governo de Mariano Rajoy. Aconteça o que acontecer, a formação de Pablo Iglesias, escreve o jornal El País, “já provocou um sismo sem precedentes na política espanhola e está em condições de rebentar com o tabuleiro eleitoral”, estabelecido desde a Transição, em 1978.
Os jornais espanhóis descrevem o “choque” que se vive por estes dias no interior do Governo. À sondagem divulgada neste domingo, e realizada pela empresa Metroscopia para o El País, somam-se as informações que têm escapado sobre o grande inquérito do Centro de Investigações Sociológicas (CIS), aguardado para daqui a uns dias, e que deverão apontar no mesmo sentido.
Não é só o partido Podemos que aparece à frente dos dois partidos da alternância — Pablo Iglesias é o líder mais valorizado, o único dos sete dirigentes de partidos políticos que integram a sondagem a conseguir nota positiva (mais aprovações do que desaprovações). O pior avaliado é, naturalmente, Rajoy (com -63) e o segundo melhor o recém-eleito líder socialista, Pedro Sánchez.
Apesar de não conseguirem manter os 28,7% de votos que tiveram nas últimas eleições nacionais, em 2011, e de serem arrastados pelo afundamento do bipartidarismo, os socialistas aguentam muito melhor o embate com o Podemos do que o PP. Uma das razões é precisamente Sánchez, que obtém muito bons resultados entre os eleitores socialistas: 75% acreditam que vai ser capaz de mudar o partido e 72% que poderá recuperar antigos votantes.
Os analistas avisam que é preciso ter cuidado com estes resultados e sublinham os factores conjunturais, nomeadamente a série de casos de corrupção que têm afectado o PP. Alguns já tinham explodido quando esta sondagem foi realizada, como o dos cartões de crédito “negros” da Caja Madrid, onde 80 pessoas são acusadas de gastos pessoais irregulares e luxuosos. Os nomes mais conhecidos são Rodrigo Rato, vice-presidente nos governos de José María Aznar, e o ex-secretário-geral do PP Ángel Acebes. No entanto, o processo envolve todos os partidos, incluindo a Esquerda Unida (IU).
Partido de politólogos
A sondagem não deixa, aliás, quaisquer dúvidas sobre o estado actual do PP: 20% dos seus eleitores dizem que contam abster-se, enquanto 8% de eleitores habituais do partido de direita admitem votar no Podemos, que tem apostado em evitar rótulos ideológicos. O seu líder disse, na abertura da assembleia constitutiva do partido, há duas semanas, querer “assaltar o céu”, ocupando a “centralidade do tabuleiro” político.
Mais cuidadosos do que os analistas são os próprios membros do partido, quase todos professores de Política ou especialistas em Ciências Sociais. Este inquérito tem de ser lido com “muito cuidado”, diz Íñigo Errejón, promotor do movimento e membro da equipa de Iglesias. Se é verdade que a sondagem confirma inquéritos anteriores, com o partido a subir — a tendência explica-se por Espanha estar “num tempo político de decomposição” —, Errejón também nota que tudo se acelerou e que “os números envelhecem depressa”.
“Estamos num momento tão grave que cada vez nos perguntamos em que novo capítulo de podridão nos encontramos”, defende o investigador da Universidade Complutense de Madrid. Os espanhóis parecem concordar e nove em cada dez acreditam que a situação política é má ou muito má.
O Podemos alimenta-se dos erros dos outros mais do que das suas próprias propostas, que uma maioria dos inquiridos não considera realistas, ao mesmo tempo que afirma que os seus membros não têm ideias claras sobre o que pretendem fazer no país. Para 42%, o êxito do partido de Iglesias deve-se à decepção e ao desencanto que os espanhóis têm com os outros partidos. Certo é que o efeito de desilusão com o PP e o PSOE beneficia o Podemos e não forças como a UPyD (União, Progresso e Democracia) e a Esquerda Unida, que perdem parte do chamado “voto indignado”.
O consultor político Antoni Gutiérrez-Rubí acredita que o Podemos não é um fenómeno que vá ter vida curta e aponta a tese de doutoramento de Íñigo Errejón ( A luta pela hegemonia durante o primeiro governo do MAS na Bolívia — 2006-2009. Uma análi-
se discursiva) como prova de que os membros do partido sabem no que se meteram e estudaram as mudanças aceleradas dos últimos anos e os grupos de eleitores que poderiam conquistar.
Estes potenciais eleitores ainda podem fugir, mas é preciso ter em conta que 20% deles são pessoas que não votaram em 2011. Entretanto, em Maio, haverá eleições municipais e autonómicas, algumas importantes, onde o Podemos se irá apresentar coligado — ainda não se sabe se com a Esquerda Unida, que já propôs essas alianças.


Os sociólogos José Juan Toharia e José Pablo Ferrándiz escrevem que os partidos da governação ainda podem inverter a situação actual. Mas também avisam que “seria errado desvalorizar o que este movimento parece estar em condições de conseguir”. Nada mais nada menos do que “originar uma reestruturação do tabuleiro político nacional, com consequências imprevisíveis”.

Quando os eleitores ficam fartos
Análise Sofia Lorena. / PÚBLICO

Não é a mesma história, mas há demasiadas semelhanças para que as ignoremos. Milhões de eleitores votaram em Fevereiro de 2013 para deixarem o seu país ingovernável. Grande parte desse terramoto, que acabou com negociações falhadas e um primeiro-ministro nomeado pela presidência italiana para formar um Governo de unidade nacional, foi provocado por um partido que nunca tinha concorrido em eleições nacionais e que teve 25,55% dos votos.
O Movimento 5 Estrelas, do excomediante Beppe Grillo, ficou um pouco atrás das coligações de esquerda e direita, mas foi o partido mais votado nas últimas legislativas italianas. Contados os votos, a velha Itália acordou confusa e desesperada. A formação de Grillo, muito conhecido e polémico (tal como Pablo Iglesias, líder do Podemos espanhol), cresceu em pouco tempo, e já tinha conquistado municípios importantes em 2012. Mas era menosprezada pelos partidos tradicionais e pelos media mainstream, que a reduziam a um grupo de “populistas”. O facto de Grillo não dar entrevistas e não confiar nos jornalistas, preferindo a comunicação directa, via Internet, não ajudava.
Quando escrevíamos sobre Grillo, lembrávamos os indignados espanhóis e o movimento 15M, com a preferência de ambos pelas redes sociais. 5 Estrelas e Podemos usam ainda a Internet para discutir e votar propostas, apesar de se reunirem em grandes assembleias. Quando falamos no Podemos, o partido que nasceu há oito meses e que agora reúne o maior número de intenções de voto em Espanha, temos de nos lembrar dos indignados. “Desde que emergiu o 15M, as forças políticas maioritárias mostraram uma grave incapacidade para compreender o que aconteceu nos últimos anos”, escreveu no El País o consultor político Antoni Gutiérrez-Rubí. “Com os seus sensores tradicionais obsoletos, não registaram a frequência dos novos tempos. Desvalorizaram o que ignoraram. E por causa desta auto-suficiência política, com os termómetros avariados, não entenderam o aumento da temperatura social.”
Em Espanha, PP e PSOE ignoraram que a indignação cresce a cada novo caso de corrupção, não viram as consequências da crise económica, dos resgates aos bancos e dos cortes na relação das pessoas com os partidos. O mesmo aconteceu com os italianos, num país onde os eleitores se cansaram de uma direita que aproveitava a maioria absoluta para aprovar leis que salvavam da justiça o seu líder, Silvio Berlusconi (como o PP usa a sua para evitar debater casos de corrupção no Congresso), ou aprovar uma lei eleitoral que visava impedir que mais ninguém conseguisse governar; e de um centro-esquerda incapaz de chegar ao fim de uma legislatura e que passava pelo poder sem legislar contra os conflitos de interesses (em benefício de Berlusconi).

Espanhóis e italianos deixaram de acreditar nas instituições e nos partidos que sempre governaram. Ficaram fartos. Grillo, tal como Iglesias faz agora, foi buscar votos a todos os partidos, muitos à direita. Também recusava rótulos ideológicos e tinha um programa aparentemente contraditório (muitos dos que dizem querer votar no Podemos admitem não perceber bem as suas propostas). Propunha, acima de tudo, “limpar” a política, encher o Parlamento de sangue novo, com candidatos sem experiência partidária. Muitos italianos votaram Grillo só por isso, para dar uma oportunidade aos jovens (Itália tinha os políticos mais velhos da Europa) e a pessoas novas que poderiam fazer diferente. Alguns festejaram a ingovernabilidade, o facto de “eles” terem ficado sem saber o que fazer. Falta um ano para as legislativas espanholas. O PP e o PSOE ainda podem aprender a lição que a Força Itália nunca aprendeu e que o Partido Democrático começou a perceber após as eleições de 2013. Que só com mudanças profundas e reformas credíveis se pode combater um movimento que apela às emoções e promete fazer tudo diferente.

Espanha. Podemos não ser iguais
Por Luís Rosa
publicado em 3 Nov 2014 in (Jornal) i online
A demagogia das soluções fáceis muito atrai os eleitores mas é perigosa para a verdadeira democracia.

A crise económica e social que assola a Europa é terreno fértil para o lado negro dos extremismos, nomeadamente nos países mais afectados do Sul da Europa. Falta de competitividade económica, aumento do desemprego, sucessivos casos de corrupção, tráfico de influências, má gestão de dinheiros públicos e desvios de fundos na banca - tudo isto tem contribuído para a queda avassaladora da credibilidade da democracia enquanto sistema político e dos partidos políticos tradicionais e consequente percurso ascendente de partidos populistas em Franca, Espanha, Itália e Grécia.

Portugal ainda tem o privilégio de ter apenas um epifenómeno oportunista chamado Marinho Pinto. Mas, não nos iludamos, não será por muito tempo. O sucesso do novo partido Podemos em Espanha faz com que seja inevitável que mais tarde ou mais cedo um movimento semelhante surja em Portugal com o objectivo de potenciar o descontentamento dos mais de 66% do eleitorado que não votou nas últimas eleições europeias.

É por isso interessante olhar para as propostas do Podemos e do seu líder Pablo Iglésias - que este fim-de-semana começou a liderar as sondagens de opinião à frente do PP (no governo) e do PSOE, principal partido da oposição, e que já tinha tido quase 8% dos votos nas Europeias. Totalmente desconhecido em Portugal, Iglesias foi um apoiante convicto do regime de Hugo Chavez e tem especial admiração pelas políticas seguidas por Chavez mas também por Cristina Kirchner na Argentina e por Evo Morales na Bolívia.

A base das suas ideias consiste num ódio ao capital privado e a defesa de um Grande Estado que tudo forneça aos seus cidadãos e que (quase) tudo proíba em nome de um suposto interesse democrático. Eis algumas ideias do seu programa económico: auditoria cidadã da dívida pública e privada para determinar qual a parte ilegítima da dívida que Espanha e os espanhóis não pagarão, redução do horário semanal para as 35 horas, reforma a partir dos 60 anos, eliminação das empresas de trabalho temporário, subida significativa do salário mínimo e fixação de um salário máximo, pensões garantidas, para quem não contribuiu, iguais ao salário mínimo interprofissional, recuperação do controlo público de sectores estratégicos como telecomunicações, energia, alimentação, transportes, saúde e indústria farmacêutica e paralisação de quaisquer privatização na área da Educação e Saúde - que devem ser totalmente grátis. Como serão financiadas tais medidas desse Grande Estado que tudo dá e tudo concentra? Ainda não sabemos, mas desconfia-se que será com mais impostos, taxas e promessas de um milagre económico semelhante à multiplicação dos pães.

Parte do sucesso do Podemos explica-se pelos mecanismos de democracia directa para aprovar as suas medidas. Recorrendo a Assembleias Populares onde supostamente tudo é discutido, Iglesias conseguiu criar a ilusão de um controlo democrático das decisões do seu partido. Daí a aprovação de outras ideias genéricas mas muito perigosas por pretenderem exactamente o contrário do que é apregoado. Aprovação de medidas para "democratizar" as administrações dos bancos, criação de uma banca pública com "gestão democrática debaixo de um controle social efectivo", "democratização real de todos os meios de comunicação social, promovendo a informação e a cultura" de modo a que a mesma "não esteja nas mãos de banqueiros, políticos, empresários mas sim ao serviço da cidadania."

Nada disto lhe soa a déjà- -vu, caro leitor? Não é preciso pensar muito para nos recordarmos dos antigos partidos comunistas nas suas diferentes variantes que também pretendiam "democratizar" todos os sectores com o fim da iniciativa privada mas não fizeram mais do que criar uma ditadura política e económica que destruiu uma parte significativa da Europa durante mais de 50 anos.


Temos de admitir que a democracia e o sistema capitalista precisam efectivamente de reformas profundas para aproximar os cidadãos da política e para criar um novo modelo económico. Mas não será com a demagogia das soluções fáceis (e velhas) que muito atraem os eleitores descontentes que isso acontecerá. Sob pena de regressarmos a um passado falhado.

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