“Não é admissível estrangeiros
decidirem”
Apesar de “muito
dura”, a expulsão decidida pelo Governo de Timor é o culminar de um malestar
que dura há mais de uma década. Quem o diz é Pedro Bacelar Vasconcelos, o
português que ajudou a redigir a Constituição timorense e que participou em
avaliações internacionais da justiça daquele país. A conclusão foi sempre a
mesma, recorda: “Não é admissível serem estrangeiros a decidir” os casos da
justiça timorense, em especial em questões melindrosas, como o petróleo ou a
corrupção dos governantes. Já em 2005 as avaliações internacionais davam conta
da necessidade de depositar esta função de soberania exclusivamente nas mãos
dos timorenses. Daí que, na resolução em que expulsa os funcionários
judiciários internacionais, o Governo de Timor alegue que a sua presença
constitui “uma ameaça aos interesses e à dignidade do país”, invocando mesmo a
necessidade de garantir a segurança nacional e a ordem pública – e de
salvaguardar a soberania nacional. A resolução anuncia uma auditoria ao sistema
judicial. “Em Timor existe uma situação neocolonial na justiça, com origem em
constrangimentos difíceis de ultrapassar no curto prazo, próprios de um país
jovem”, explica. Ainda assim, defende que aos estrangeiros só deve caber um
papel de assessoria e formação dos magistrados timorenses. As repetidas
condenações do Estado nos litígios sobre o pagamento de taxas pelas
petrolíferas com concessões são vistas como lesivas dos interesses de Timor. E
algumas delas foram assinadas por juízes portugueses, tal como outras que
sentenciaram governantes.
Ana Henriques / PÚBLICO / 4-11-2014.
Juízes revoltados com Timor
31.10.2014
Joana Ferreira da
Costa
joana.f.oosta@sol.pt
Timor acabou com
contratações internacionais, alegando falta de competência. Dez juízes e
procuradores portugueses estão à espera de instruções.
A demissão pelo
Governo de Timor-Leste de todos os juízes e procuradores estrangeiros no país,
a maioria portugueses, «é gravíssima» e deve levar Portugal a repensar o envio
de profissionais de Justiça para aquele país, defendem ao SOL juízes e
magistrados do Ministério Público (MP).
«A situação é
muito preocupante e lança a suspeita generalizada sobre a competência dos
nossos juízes, que têm um currículo sem mácula», defende ao SOL o presidente da
Associação Sindical dos Juizes, Mouraz Lopes, lembrando que o caso é inédito.
«Como os
portugueses são independentes e o Governo de Timor não os consegue controlar,
encontrou uma solução política para os retirar do território» – acusa, por sua
vez, Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, numa alusão ao
facto de figuras próximas do poder e até governantes timorenses estarem sob
investigação ou a serem julgados. A resolução fez adiar sine die, por exemplo,
o julgamento da ministra das Finanças, Emília Pires, acusada de corrupção, que
ia começar esta segunda-feira.
Ao que o SOL
apurou os sete juízes e três procuradores portugueses no país foram «totalmente
apanhados de surpresa» pela resolução do Governo de Xanana Gusmão, que há uma
semana pôs fim a todas as contratações internacionais na Justiça.
Apoiado por uma
resolução do Parlamento, do mesmo dia, o primeiro ministro, alegou que estes
funcionários têm falta de «capacidade técnica para atingirem os fins para os
quais foram contratados» e acusou os que estão colocados na Comissão
Anti-Corrupção de não abrirem investigações «em conformidade com os indícios
criminais».
A decisão deixou
em suspenso os funcionários portugueses que estão no território ao abrigo de
acordos de cooperação entre os dois Estados, que aguardam agora por instruções
do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). Por isso, ao que o SOL apurou,
continuaram esta semana a apresentar-se ao trabalho, nos tribunais e organismos
onde estão integrados.
Já os
funcionários do Centro de Formação Jurídica do país terão recebido instruções
da Justiça de Timor-Leste para não se apresentarem a partir de quarta-feira.
Fonte oficial do
Conselho Superior de Magistratura (CSM), que esta terça-feira levou o caso a
plenário, garante que a situação é «preocupante». O organismo tem estado em
contacto com alguns dos juizes em Timor, mas não avança com detalhes sobre o
que pode acontecer nos próximos dias. Garante, contudo, estar a «acompanhar a
situação de forma articulada, com o Ministério da Justiça e o MNE».
Machete mantém fé
na cooperação
A incógnita sobre
o futuro põe também em causa a chegada de novos magistrados portugueses ao
território. Segundo o CSM, outros quatro juizes estão já seleccionados para
irem trabalhar em Timor-Leste, mas não têm data definida para assumirem
funções.
Para Rui Cardoso,
este caso «devia levar o Governo a ponderar a manutenção da cooperação com
Timor nesta área».
Fonte oficial do
Ministério de Rui Machete esclarece que está em contacto com o Governo de Timor
e reitera «a sua inteira disponibilidade para continuar a cooperação com Timor
nos mais diversos sectores, incluindo o sector da Justiça».
SOL | Sexta, 31 Outubro 2014
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