sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A Academia no Facebook: uma análise social, por Raquel Varela.

( ...) "Acho a hipótese de um director de uma instituição retirar de circulação uma revista inaceitável – e creio inusitada -, mas também acho inaceitável fazer-se das revistas académicas coutadas de grupos que quando censuram são muito mais eficientes e cautelosos – e fazem-no com regularidade, os que se consideram à esquerda ou os que se acham de direita. Preparam o terreno escolhendo a dedo os avaliadores “anónimos”, os dossiers temáticos, fazem leituras restritas dos propósitos editoriais e o artigo censurado nem precisa de ser retirado das bancas porque não chega sequer a ser publicado."
Raquel Varela 

A Academia no Facebook: uma análise social
Raquel Varela
November 3, 2014

Gerou polémica esta semana a censura do director do ICS à Revista académica Análise Social. O assunto, que tem evidentes contornos de lutas internas de espaço e poder, não me interessa muito, nem o vejo tão pouco como a vitória de uma suposta ala conservadora contra o rigor científico da esquerda (coisa que a comunicação social e as redes sociais foram rápidas a considerar). Estou cansada de ver gente de esquerda e de direita embarcar no veto a artigos, grupos académicos, trabalhos, papers e mesmo livros de investigadores que com eles concorrem, degladiando-se na praça pública, recorrendo a métodos muito pouco dignos. Este não é um debate sobre a liberdade da esquerda contra a direita mas um bom momento para lembrar que a Universidade não é um mundo à parte da sociedade – ele é o espelho desta, que é competitiva, doentiamente competitiva e há muito que a avaliação de desempenho, pela pressão de publicações, a aceitação de avaliações anónimas (desde quando é que qualquer avaliação é aceitavel ser feita anonimamente?) – em artigos ou concursos -, a precariedade, a disputa de alunos e financiamentos trouxeram para o seio, também da Universidade, os piores instintos humanos, que sobem à cabeça quando o que está em causa é a luta pela sobrevivência. Também convivo, na Universidade, diariamente, com o outro lado – gente séria que quer investigar e faz trabalhos maravilhosos, cooperam, que tornam a Universidade um espaço de criatividade e construção quase viciante.

Acho a hipótese de um director de uma instituição retirar de circulação uma revista inaceitável – e creio inusitada -, mas também acho inaceitável fazer-se das revistas académicas coutadas de grupos que quando censuram são muito mais eficientes e cautelosos – e fazem-no com regularidade, os que se consideram à esquerda ou os que se acham de direita. Preparam o terreno escolhendo a dedo os avaliadores “anónimos”, os dossiers temáticos, fazem leituras restritas dos propósitos editoriais e o artigo censurado nem precisa de ser retirado das bancas porque não chega sequer a ser publicado. E, na minha vida de investigadora, co-directora de uma revista académica – felizmente internacional e portanto um pouco menos sujeita a pressões internas – membro do conselho editoral de várias outras, já vi muitos artigos serem rejeitados porque eram maus, desadequados ao tema, com métodos errados e hipóteses teóricas frágeis mas também já vi excelentes artigos passarem pelo lápis azul da censura pura e dura que aparece na forma de um “parecer de rejeição anónimo”. Uma parte das revistas tem como consequência tornado-se desinteressante por isso. Desde há uns meses, quando parei para reflectir sobre isto, quando me pedem pareceres, peço por favor ao director da revista para dar a conhecer o meu nome e cv ao avaliado, e conheço outros colegas que o fazem, o que é evidentemente um grão de areia que nem de perto elimina o problema de fundo. E o problema de fundo é que o estrangulamento de financiamento do Ensino Superior está a abrir trincheiras que um dia são um concurso opaco, no outro uma unidade de investigação eliminada, no outro uma revista, e um dia estaremos em 1950 quando, para fazer ciência séria, era preciso fugir da Universidade e, muitas vezes – os físicos e matemáticos que o digam! – do país.

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