A Academia no Facebook: uma
análise social
Raquel Varela
November 3, 2014
Gerou polémica
esta semana a censura do director do ICS à Revista académica Análise Social. O
assunto, que tem evidentes contornos de lutas internas de espaço e poder, não
me interessa muito, nem o vejo tão pouco como a vitória de uma suposta ala
conservadora contra o rigor científico da esquerda (coisa que a comunicação
social e as redes sociais foram rápidas a considerar). Estou cansada de ver
gente de esquerda e de direita embarcar no veto a artigos, grupos académicos,
trabalhos, papers e mesmo livros de investigadores que com eles concorrem,
degladiando-se na praça pública, recorrendo a métodos muito pouco dignos. Este
não é um debate sobre a liberdade da esquerda contra a direita mas um bom
momento para lembrar que a Universidade não é um mundo à parte da sociedade –
ele é o espelho desta, que é competitiva, doentiamente competitiva e há muito
que a avaliação de desempenho, pela pressão de publicações, a aceitação de
avaliações anónimas (desde quando é que qualquer avaliação é aceitavel ser
feita anonimamente?) – em artigos ou concursos -, a precariedade, a disputa de
alunos e financiamentos trouxeram para o seio, também da Universidade, os
piores instintos humanos, que sobem à cabeça quando o que está em causa é a
luta pela sobrevivência. Também convivo, na Universidade, diariamente, com o
outro lado – gente séria que quer investigar e faz trabalhos maravilhosos,
cooperam, que tornam a Universidade um espaço de criatividade e construção
quase viciante.
Acho a hipótese
de um director de uma instituição retirar de circulação uma revista inaceitável
– e creio inusitada -, mas também acho inaceitável fazer-se das revistas
académicas coutadas de grupos que quando censuram são muito mais eficientes e
cautelosos – e fazem-no com regularidade, os que se consideram à esquerda ou os
que se acham de direita. Preparam o terreno escolhendo a dedo os avaliadores
“anónimos”, os dossiers temáticos, fazem leituras restritas dos propósitos
editoriais e o artigo censurado nem precisa de ser retirado das bancas porque
não chega sequer a ser publicado. E, na minha vida de investigadora,
co-directora de uma revista académica – felizmente internacional e portanto um
pouco menos sujeita a pressões internas – membro do conselho editoral de várias
outras, já vi muitos artigos serem rejeitados porque eram maus, desadequados ao
tema, com métodos errados e hipóteses teóricas frágeis mas também já vi
excelentes artigos passarem pelo lápis azul da censura pura e dura que aparece
na forma de um “parecer de rejeição anónimo”. Uma parte das revistas tem como
consequência tornado-se desinteressante por isso. Desde há uns meses, quando
parei para reflectir sobre isto, quando me pedem pareceres, peço por favor ao
director da revista para dar a conhecer o meu nome e cv ao avaliado, e conheço
outros colegas que o fazem, o que é evidentemente um grão de areia que nem de
perto elimina o problema de fundo. E o problema de fundo é que o
estrangulamento de financiamento do Ensino Superior está a abrir trincheiras
que um dia são um concurso opaco, no outro uma unidade de investigação
eliminada, no outro uma revista, e um dia estaremos em 1950 quando, para fazer
ciência séria, era preciso fugir da Universidade e, muitas vezes – os físicos e
matemáticos que o digam! – do país.
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