OPINIÃO
Rui Rio e o “penálti inexistente” que existiu
Com o actual recuo, a direita terá de aprender a viver com
as sequelas da sua inabilidade, mas estanca desde já esta crise. E, até
Outubro, muita coisa pode ainda acontecer.
João Miguel Tavares
6 de Maio de 2019, 10:14
Para evitarem uma mais que provável tragédia eleitoral, PSD
e CDS optaram pelo único caminho possível após o ultimato de António Costa:
meteram marcha-atrás fingindo que continuavam em frente e bateram em retirada
aos gritos de “ao ataque!”. Se a iniciativa de António Costa foi, como Rui Rio
afirmou, um “golpe de teatro”, então a sua conferência de imprensa de domingo
não passou de ópera-bufa, apostando num tom de animal feroz para tentar esconder
a forma desastradíssima como a direita geriu todo este processo, até acabar
refém do primeiro-ministro.
Rui Rio acusou António Costa de “fuga às responsabilidades”
e comparou-o “àquele jogador que estando a perder o jogo, e sem que ninguém lhe
toque, se atira para o chão a ver se engana o árbitro e consegue um penálti
inexistente”. Louve-se a metáfora futebolística, mas não há um pingo de verdade
nela. O penálti existiu mesmo, não só no momento em que a direita deixou que o
diploma dos professores avançasse sem o travão das condições
económico-financeiras, mas muito antes disso, quando decidiu colocar-se ao lado
de uma reivindicação irrealista: com crescimento ou sem ele, a história recente
do país impede cedências desta dimensão à Fenprof, e os partidos que geriram
Portugal durante a troika não podem aparecer de braço dado com Mário Nogueira.
PSD e CDS andaram empenhados no último par de dias num
trabalho de garimpagem, à procura de todos os momentos em que o PS foi ambíguo
nas promessas aos professores, seja em declarações da secretária de Estado,
seja em resoluções aprovadas no Parlamento, seja no texto do próprio orçamento.
Sim, a ambiguidade tem sido o nome do meio do PS em toda a legislatura – qual é
o espanto? Mas é muito difícil, para quem veja alguma televisão, ou leia
jornais, afirmar que António Costa e Mário Centeno tenham dito sobre esta
matéria outra coisa além de que era impossível devolver mais do que dois anos,
nove meses e 18 dias de tempo de serviço. Será que, como a direita gosta de
afirmar, o governo já tinha concordado em devolver a totalidade do tempo de
serviço aos professores? Desculpem: não tinha, não.
Boa parte da conferência de imprensa de Rui Rio foi,
portanto, ocupada a atirar poeira para os nossos olhos, o que não é uma
actividade particularmente simpática. Mas, apesar do cocktail desagradável de
sonsices & aldrabices, a boa notícia é esta: PSD e CDS fizeram aquilo que
tinham de fazer. Pior do que recuar de forma atabalhoada seria persistir na
teimosia, e oferecer a António Costa a homérica asneira de confirmar a votação
do diploma em plenário, provocando a queda do governo. Com o actual recuo, a
direita terá de aprender a viver com as sequelas da sua inabilidade, mas
estanca desde já esta crise. E, até Outubro, muita coisa pode ainda acontecer.
A mais clara consequência da implosão simbólica da
“geringonça” é o crescimento da imprevisibilidade nas próximas eleições, e
daquilo que se segue. Essa é a história que está por contar. A jogada temerária
de António Costa parece indiciar uma hipótese que até agora não tem sido
considerada: a de ele estar a apostar num reforço da votação do PS não com a
esperança de chegar à maioria absoluta, mas sobretudo para procurar um
resultado suficientemente sólido ao centro que lhe permita avançar com um
governo minoritário em Outubro. A discussão tem sido sobre se, no futuro, Costa
prefere unir-se à esquerda ou à direita. Eu começo a achar que ele não quer
unir-se a ninguém.
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