sábado, 11 de maio de 2019

Há ruas de São Teotónio onde os portugueses são a minoria. E isso está a causar desconforto / Imigrantes que entraram ilegais em Portugal terão visto de residência desde que tenham um ano de descontos





Há ruas de São Teotónio onde os portugueses são a minoria. E isso está a causar desconforto


São Teotónio é uma pequena freguesia em Odemira onde a população imigrante aumentou exponencialmente nos últimos anos por causa da agricultura. Os dados apontam para que sejam já metade, sobretudo do Nepal e da Índia. Há 25 nacionalidades na escola. O trânsito, o lixo, os preços das casas aumentaram, mas as infraestruturas não acompanharam a evolução. Um grupo de trabalho interministerial fala em freguesias “esgotadas” nesta área. As tensões começam a aparecer. Na vila ouve-se discurso xenófobo.

Joana Gorjão Henriques e Miguel Manso (Fotografia)  11 de Maio de 2019, 7:00

Passa das 17h e o tráfico de carrinhas é intenso nas estradas da Costa Vicentina. É a essa hora que começam a chegar à vila de São Teotónio dezenas de trabalhadores vindos do campo, sobretudo sul-asiáticos.

São Teotónio, em Odemira, é uma pequena vila, onde está a freguesia com o mesmo nome, daquelas em que tradicionalmente todos se conhecem. À tarde, nas ruas, o mais frequente é ver homens, jovens, nepaleses e indianos, alguns com turbante. Atravessando o Alentejo pelo interior é inesperado encontrar uma população tão diversificada ali. Os cheiros na vila já mudaram. À hora de jantar passeia-se na rua e os cominhos e o caril sentem-se no ar.

No Verão, por causa dos festivais de música, a população da freguesia costumava aumentar. Mas desde há três anos que a paisagem humana mudou de forma drástica também nas outras alturas do ano. Aos turistas que costumam chegar àquela zona vindos da Alemanha, Reino Unido ou Holanda juntam-se agora milhares de imigrantes para uma população de 6500 habitantes, dados da junta de freguesia.

Em 2011, o Censos contabilizou 5500 habitantes no total, mil deles estrangeiros. Neste momento, embora não existam números concretos de imigrantes, os dados de certificados de residência emitidos pela junta, essenciais para o processo de regularização, são uma bitola: quase duplicaram de 2016 para 2018, passando de 1758 para 3680. A média da população estrangeira em Portugal não chega aos 4%. Aqui já será metade, calculam as autoridades.

As explorações agrícolas no Perímetro de Rega do Mira (PRM), inserido no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, principalmente estufas de frutos vermelhos e flores, têm angariado trabalhadores maioritariamente do Nepal e Índia. E isso trouxe mudanças substanciais à vida quotidiana. Os preços das casas dispararam em São Teotónio, por exemplo — numa agência imobiliária dizem que não há casas disponíveis para alugar. O comércio cresceu. Hoje há supermercados especializados em produtos asiáticos na pequena vila alentejana, ao mesmo tempo que começam a aparecer restaurantes nepaleses ou tailandeses na zona.

Não é caso único no concelho de Odemira. Foi, aliás, formado um grupo de trabalho (GT) sobre agricultura no PRM, por despacho dos ministérios do Ambiente e da Agricultura, que recomendou várias medidas, entre elas que as empresas agrícolas repensassem a política de integração dos trabalhadores, assegurando-lhes transporte e habitação em locais do interior.

Num documento do grupo, ao qual pertencem as autarquias de Odemira e Aljezur e várias entidades como direcções regionais de Agricultura e Pescas ou associações da área, refere-se que chegaram nos últimos anos entre 6 a 8 mil imigrantes à zona, aumentando em 50% a população do território de forma permanente. Neste momento, vivem no Perímetro de Rega do Mira cerca de 16 mil pessoas, acrescentam. “As freguesias do litoral encontram-se esgotadas, sem capacidade de resposta a nível habitacional e de infra-estruturas”, devido à vaga de imigração, referem. Segundo as suas contas, a área de ocupação com estufas actual tem potencialidade para atrair 36 mil trabalhadores, o que o território “não comporta”.

Neste momento, a média de alunos estrangeiros no agrupamento é de 30%: há algumas escolas com 70%, outras com 5%. “A maior parte dos imigrantes vem trabalhar para a agricultura e começa a trazer os filhos.”
As infra-estruturas, da água canalizada aos transportes públicos e habitação, não acompanharam a evolução demográfica, criticam o GT, a junta e os moradores. Esta nova realidade é um desafio para os habitantes e para as entidades locais. Por isso, no terreno, as instituições são cautelosas com o discurso sobre o tema.

Tânia Guerreiro, que coordena o centro de apoio aos imigrantes do Alto Comissariado para as Migrações, não tem mãos a medir. Nos primeiros quatro meses de 2019 já fez dois mil atendimentos, quase tanto quanto em todo o ano de 2017. Ao seu gabinete dentro do edifício da junta de freguesia não pára de chegar gente. “É um desafio trabalhar a integração de imigrantes porque há uma grande rotatividade. Em regra as pessoas ficam dois anos.”

Quem chega são homens em idade activa, que correspondem a 80% desses atendimentos, mas nos últimos tempos tem atendido também mulheres, maioritariamente do Nepal. Reconhece que o número de pessoas “é muito elevado” para as infra-estruturas existentes. “Se continuar a aumentar a este ritmo, podem acontecer algumas rupturas.”

Recusa, porém, a ideia de que se pode estar perante uma “panela de pressão”: “Não houve aumento da criminalidade, a tensão de que podemos falar e que vai sendo colmatada é por causa do medo do desconhecido. As pessoas olham para os homens de turbantes e estranham, mas isso são questões que podem ser trabalhadas.”

25 nacionalidades na escola
Na escola básica, às portas de São Teotónio, o recreio poderia ser o de uma escola no bairro lisboeta do Martim Moniz. O espaço é amplo, na zona do bar miúdos jogam matraquilhos, outros correm com a bola no campo futebol que fica na lateral. É a presença de imigrantes, de 25 nacionalidades, que tem permitido que a população escolar esteja nos 600 alunos, diz a subdirectora Inês Pinto.

Neste momento, a média de alunos estrangeiros no agrupamento é de 30%: há algumas escolas com 70%, outras com 5%. “A maior parte dos imigrantes vem trabalhar para a agricultura e começa a trazer os filhos”, explica a directora. Ficam durante o ano lectivo, quando chega a altura seguem para a secundária de Odemira. Alguns partem, Inês Pinto não sabe para onde.

Na escola passou-se a ensinar o português como língua não materna, em vários níveis, e implementou-se um programa onde os alunos vão desenvolvendo trabalho de forma mais autónoma, sem estarem em disciplinas específicas, mas com condições adaptadas à sua realidade. Quando chegaram os primeiros imigrantes a escola integrou-os nas turmas gerais, mas as taxas de abandono e retenção eram tão elevadas que mudaram o sistema. “Neste momento temos uma taxa de abandono perto do zero”, comenta. Fizeram um programa de português para adultos à noite, com 75 vagas — e tem lista de espera.

Na sala em que o nepalês Anubhav Pokhrel, 10 anos, e o indiano Arshdeep Singh, 13 anos, aprendem português, as paredes têm pregados cartazes com informações sobre vários países, como o Nepal: há umas fotos de uns pratos típicos, receitas, imagens. Numa das primeiras mesas alinham-se umas cartolinas com texto dactilografado, às cores, um mapa e a apresentação de cada aluno.

Há três anos em São Teotónio, Anubhav Pokhrel fala português fluentemente, usando expressões idiomáticas. Ganhou o primeiro prémio do concurso concelhio de leitura. Tem vários amigos portugueses - “assim aprendo mais”, diz. Também ajuda os meninos nepaleses que chegam com a tradução. Gosta? “Quando estou fresco gosto”, diz.

Ashish Ruparkheti aluga um quarto, que divide com a namorada, por 120 euros por cabeça — na casa há mais dois quartos, onde vivem outras cinco pessoas. O que significa que um T3 nesta pequena vila do Alentejo renderá ao proprietário 840 euros por mês.
Há pouco tempo os alunos fizeram uma lista das coisas de que sentiam falta. Uma delas foi o cricket, outra foi a culinária. “Estamos a aprender o cricket. Vamos implementar [na escola] no próximo ano”, diz Inês Pinto.

A convivência é “mais ou menos"
A subdirectora não sente “de forma alguma” tensões na escola. Nem entre os alunos, nem entre os pais de alunos estrangeiros e pais de alunos portugueses. Professora de ciências há 18 anos, afirma que a escola “tem trabalhado a interculturalidade”, ou seja, a ideia de “partilhar”. “Nesse aspecto esta escola tem ganho imenso. Às vezes parece assustador. ‘Ah, vamos perder as nossas culturas’. Não vamos perder nada, estamos a ganhar e a desenvolver”, diz.

Embora considere que os programas da escola foram bem-sucedidos, reconhece que este “é um longo processo”. A vila é pequena e há boatos que circulam. Inês Pinto não quer, porém, falar do facto de cinco guardas da GNR terem sido detidos esta quarta-feira acusados de espancar imigrantes de origem hindu em Setembro. Sobre o que se passa “lá fora” prefere não dar opinião.

Olhando à volta não se observam muitos grupos de alunos portugueses e estrangeiros a conviver no recreio. “Há alguns”, diz. Há tempos organizou-se o jogo do berlinde, e aí, sim, viram-se misturas, afirma a professora.

 A versão de Iris Ferreira, 12 anos, é um pouco diferente. Conta que às vezes se organizam jogos de futebol com equipas de portugueses contra estrangeiros. “Idiotices de rapazes”, comenta, despachada.

A convivência de alunos portugueses e imigrantes é “mais ou menos”. “Há alunos que têm racismo com os estrangeiros. Porque pensam que são maus e as coisas não são bem assim”, diz. Chamam nomes e “fazem um bocado de bullying”. Ela não tem muitas amigas imigrantes — apenas uma da Bulgária.

Algumas operações do SEF identificaram vítimas de tráfico de seres humanos de origem nepalesa, em várias regiões, na agricultura. Há referências nos relatórios do Observatório de Tráfico de Seres Humanos à exploração laboral de imigrantes.
Mas o colega Pedro Afonso não concorda: acha que “há uma boa relação”. “Tenho amigos búlgaros, ingleses e tinha um amigo chinês”, afirma. Não tem amigos do Nepal ou Índia porque não há colegas dessas nacionalidades na turma. “Antigamente havia, mas ultimamente não vejo nada disso”, comenta sobre o bullying a estrangeiros.

Trabalhar por 3,52 euros à hora
Algumas operações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) identificaram vítimas de tráfico de seres humanos de origem nepalesa, em várias regiões, na agricultura. Há referências nos relatórios do Observatório de Tráfico de Seres Humanos à exploração laboral de imigrantes.

Quanto é que, afinal, se ganha no campo? Numa mercearia perguntamos a um casal jovem, com 20 anos, que acaba de chegar a Portugal, para trabalhar seis dias por semana, oito horas por dia — se houver mais frutas para apanhar, a jorna pode prolongar-se para as 10 horas. Recebem entre 600 a 700 euros. 

PÚBLICO -Foto
Mais trabalhadores que questionámos recebem salários idênticos. ​Ashish Ruparkheti aluga um quarto, que divide com a namorada, por 120 euros por cabeça — na casa há mais dois quartos, onde vivem outras cinco pessoas. O que significa que um T3 nesta pequena vila do Alentejo renderá ao proprietário 840 euros por mês.

Tilak Gaire, da Associação de Nepaleses, é dos poucos a falar português. Há mais de 13 anos em Portugal e há cinco em São Teotónio está neste momento a supervisionar trabalhadores na agricultura. Em média diz que os trabalhadores ganham 3,52 euros à hora, com direito a subsídios de alimentação, férias e Natal — podem trabalhar seis dias por semana e mais do que as oito horas diárias. “A câmara municipal, a junta de freguesia ajudam muito a nossa associação. Estamos felizes de estar em Portugal”, afirma. Diz que não sente racismo nem discriminação.

No centro da vila a jovem Tripta Devi, 27 anos, atende clientes na mercearia onde há estantes com especiarias e aperitivos indianos. Ela é das poucas indianas em São Teotónio e imigrou motivada pela liberdade que não tinha por ser mulher, afirma com segurança. Está em casa de uma família indiana, alugando um quarto. Também para ela a adaptação foi fácil. “As pessoas são muito simpáticas”, conta em inglês esta jovem que trabalha de segunda a sexta-feira e recebe perto de 600 euros.

“Estamos numa situação muito delicada. Este grande fluxo de pessoas a chegar semanalmente está a criar uma série de transtornos para os quais não estávamos preparados”, diz Dário Guerreiro.
A mercearia fica entre um café onde se vendem kebabs e uma pastelaria tradicional. Aqui, na esplanada, estão sentados homens e mulheres com mais de 50 anos, em mesas separadas por género. Alguns turistas caminhantes apanham sol. As mulheres portuguesas não querem falar. Mas os homens sexagenários intrometem-se na conversa. “Assim que vêm as viaturas do SEF desaparecem”, comentam sobre os imigrantes.

De seguida o discurso radicaliza, torna-se manifestamente xenófobo e racista. Os três homens levantam o tom de voz, os seus rostos ficam vermelhos, irados. Ouvem-se coisas como: “é só ferro-velho”; “é gente que não presta”; “há mais população desta do que gente no concelho”; “não há habitação nem esgotos para tanta gente, são aos 20 a dormir na mesma casa”; “gosto de estar bem na minha terra, incomoda esta gente toda e a maneira de ser deles, qualquer dia começam-se a explodir no meio de nós”; “venha para aqui viver uma semana”; “estou farto dessa gente”; “tragam pessoal da comunidade europeia, o resto são pessoas non-gratas”. A receptividade para reflectirem no contraditório é nula. “Ao fim-de-semana quer-se sentar aqui e não tem lugar porque estão eles aqui instalados, onde é que já se viu?”

Uma situação “muito delicada"
Dário Guerreiro, presidente da junta, está preocupado com as palavras que diz. Recusa a ideia de este vir a ser um terreno fértil para o crescimento da extrema-direita. “Estamos numa situação muito delicada. Este grande fluxo de pessoas a chegar semanalmente está a criar uma série de transtornos para os quais não estávamos preparados”, afirma à porta do edifício da junta, a uns metros do café.

De Julho a Agosto, nos pontos mais altos da vila, há falta de água. O trânsito aumentou brutalmente. A quantidade de lixo também. “Mas as receitas não aumentaram, não fomos compensados por este aumento da população”, exemplifica. “Os serviços públicos, a Segurança Social, as finanças, o tribunal estão em ruptura. Não estávamos capacitados para ter uma duplicação das pessoas. Foi uma mudança muito rápida. O número de pessoas está desequilibrado, o território não consegue absorver esta gente toda.” A mudança começou a partir de 2016, e uma das razões por que não há dados exactos de pessoas é porque há muita gente a entrar e a sair: “Isto é quase uma porta de entrada e de saída.”

Os problemas estão identificados ao nível de infra-estruturas e de abastecimento, afirma-se no relatório do grupo de trabalho. Aguardam resposta que não chega das tutelas e que deveria “ser vigorosa”, defende.

Ao mesmo tempo que reconhece que “a tensão começa a ser evidente”, acha que não existe preconceito entre a população, que “começa a ficar preocupada com esta situação”, mas por causa do número de pessoas, acredita. “Há determinadas ruas em que a população portuguesa está em minoria. Estar em minoria na sua própria terra causa algum desconforto.”

O dirigente recusa associar o episódio dos GNR à presença de imigrantes. “Se aconteceu, quer dizer alguma coisa”, afirma, sem especificar.

IGAI abriu inquérito em 2018 a GNR acusados de espancar imigrantes
Em Almograve há um restaurante que serve comida nepalesa. Terá sido aqui, e nesta pequena vila junto ao mar, que a Polícia Judiciária começou a investigar as denúncias que lhe chegaram sobre o facto de militares da GNR terem agredido cidadãos de origem sul asiática em Outubro de 2018.

Mas ninguém no restaurante, de origem nepalesa, diz conhecer algum dos envolvidos ou ter sequer dado conta dos acontecimentos. Na zona, ninguém conhece as vítimas: nem nepaleses, nem  portugueses. Chegou a ser veiculado que as vítimas eram nepalesas mas fonte ligada à investigação afirma que são de origem hindu.

Os cinco militares foram já suspensos de funções, depois de o Tribunal de Odemira decidir na quinta-feira que um deles, que pertence à direcção da Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG), vai ficar em prisão domiciliária; os outros quatro serão suspensos, embora se mantenham em liberdade e todos ficam proibidos de contactar militares dos postos de Vila Nova de Milfontes e de Odemira.

Também a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) abriu um inquérito em 2018 para averiguar a situação, disse aquele organismo ao PÚBLICO.

O conflito terá começado durante um jantar onde estavam vários trabalhadores agrícolas, o respectivo patrão, também de origem sul asiática, e um guarda que era seu amigo. Depois de reclamarem com atrasos de pagamentos e horários, o ambiente terá azedado e o GNR chamou três colegas.

Os militares são ainda suspeitos de terem invadido a casa onde habitavam outros trabalhadores agrícolas, agredindo-os e mantendo-os temporariamente ali sequestrados. Um dos trabalhadores terá sido espancado, recebendo tratamento hospitalar, e terão sido os serviços médicos que alertaram as autoridades. O próprio comando distrital da GNR terá entrado em contacto com a PJ. Contactados pelas autoridades, dois decidiram apresentar queixa. A investigação continua, afirmou ainda a fonte ligada à investigação.

De regresso à vila, entramos numa imobiliária e é lá que nos dizem que já não há casas vagas na vila. Isabel Tomás, 43 anos, comenta: “Há muita gente que critica mas isto gera muito dinheiro. Nos supermercados, nas lojas, nos cafés vemos que há mais gente.” O seu pai, taxista, por exemplo, tem mais trabalho.

Uns quilómetros à frente, no Brejão, um grupo de indianos bebe cerveja à porta de um supermercado gerido por tailandeses que ali vivem há dez anos. Na zona é frequente ver homens com a cabeça coberta por um chapéu e um lenço a andar de bicicleta, vindos dos campos. O único da família do supermercado que fala português é o filho, um jovem que chega para fazer a ponte com a mãe que está na caixa.

Ela atende uma mulher que fala português fluentemente, Katarina, ucraniana, que chegou em 2001 para trabalhar no campo. “Mudou muito, não é como antes. Agora há muita gente, não há trabalho”, comenta. Começa a queixar-se da situação. Mas vai-se embora. “É melhor não dizer nada”, murmura já no fundo da rua.




“Violação de Schengen
Luís Marques Guedes extremou o discurso e disse que a acabar com essa regra terá um “efeito de chamada pura e dura para entradas ilegais no país (…) Estamos a chamar as pessoas ‘venham, entrem a salto porque depois são todas legalizadas”. O deputado do PSD salientou ter “dúvidas que este preceito respeite as regras internacionais a que Portugal está vinculado”, já que no espaço Schengen tem que haver uma barreira legal à entrada desordenada de cidadãos estrangeiros. “É uma violação do espaço Schengen”, insistiu.”

Imigrantes que entraram ilegais em Portugal terão visto de residência desde que tenham um ano de descontos

Na discussão na especialidade, a alteração à lei deixa cair o critério que só permitia a concessão do visto de residência aos trabalhadores que tivessem entrado em Portugal de forma legal. E troca-o por um mínimo de 12 meses de descontos para a Segurança Social.

 Maria Lopes
Maria Lopes 21 de Fevereiro de 2019, 11:25

Os imigrantes que se encontram em Portugal a trabalhar e a descontar para a Segurança Social há pelo menos 12 meses vão poder ter a autorização de residência mesmo que não tenham entrado no país de forma legal. PS, Bloco e PCP entenderam-se nesta quarta-feira na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para aprovar um texto comum que substitui os projectos de lei do PCP, Bloco e PAN. Os dois últimos queriam atribuir visto temporário de residência aos estrangeiros com um ano de descontos e o primeiro propunha alterações ao regime de regularização de estrangeiros indocumentados.

O PSD e o CDS votaram contra alegando que, ao deixar cair a exigência de que os imigrantes só podiam aceder a este visto se tivessem entrado legalmente no território nacional, se está a abrir as portas indiscriminadamente a todos os estrangeiros que queiram vir para Portugal.

Como os socialistas e os bloquistas tinham chegado a acordo para juntar as propostas mas deixaram de fora a maior parte do conteúdo do PCP, o deputado António Filipe fez questão de levar à votação pelo menos sete artigos do seu projecto de lei que no seu entender podiam ser complementares à nova redacção da lei. Porém, as propostas do PCP acabaram chumbadas pelo voto contra do PS e CDS, e com a abstenção do PSD.

Luís Marques Guedes justificou a abstenção do PSD dizendo que o regime que o PCP propunha era uma espécie de processo extraordinário de regularização de imigrantes ilegais, mas o comunista António Filipe veio negar que fosse um processo com prazo fixado no tempo porque isso já aconteceu noutras alturas e houve sempre milhares de cidadãos que nunca reuniam as condições necessárias ou que não se candidatavam por medo de acabarem expulsos.

Na verdade, os comunistas propunham que todos os estrangeiros que vivam em Portugal sem a autorização legalmente necessária pudessem obter a sua legalização desde que disponham de meios de subsistência através do exercício de uma actividade profissional – por conta própria ou como empregado -, ou em qualquer caso, desde que tenham cá residido permanentemente desde antes de 1 de Julho de 2015 – data da entrada em vigor de uma das versões da lei. Com excepção de quem tivesse sido condenado por algum crime ou tivesse recebido ordem de expulsão do país.

O texto que acabou por ser aprovado – na verdade são apenas duas alterações a artigos da lei – suscitou críticas do PSD e CDS. O social-democrata Luís Marques Guedes realçou que a proposta é de teor diferente dos diplomas que foram aprovados na generalidade em plenário. É que a primeira versão apenas concedia vistos de residência temporários aos cidadãos estrangeiros que tivessem entrado de forma legal mas que agora cá trabalhem e descontem para a Segurança Social há pelo menos um ano. O problema, realçou, é que na versão agora aprovada, se acaba com a premissa de só permitir a legalização a quem entrou de forma legal. E se passa a permitir a concessão de vistos a toda a gente que aqui trabalhe e desconte durante um ano.


Violação de Schengen
Luís Marques Guedes extremou o discurso e disse que a acabar com essa regra terá um “efeito de chamada pura e dura para entradas ilegais no país (…) Estamos a chamar as pessoas ‘venham, entrem a salto porque depois são todas legalizadas”. O deputado do PSD salientou ter “dúvidas que este preceito respeite as regras internacionais a que Portugal está vinculado”, já que no espaço Schengen tem que haver uma barreira legal à entrada desordenada de cidadãos estrangeiros. “É uma violação do espaço Schengen”, insistiu.

O presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais veio em socorro da esquerda. “A entrada legal não é requisito de coisa nenhuma; é um contexto relativamente à ordem jurídica. O que está aqui em causa é fazer desaparecer uma penalização agravada da entrada não legal no país”, afirmou o socialista Pedro Bacelar de Vasconcelos. A deputada do PS Isabel Moreira criticou o alarmismo do PSD que, disse, “faz lembrar a referência às pessoas com más intenções que entram em Portugal” e garantiu: “Estamos bem cientes do que estamos a fazer.”

Marques Guedes insistiu que a inovação do PS é o critério dos 12 meses de descontos para a Segurança Social, que trocam pela legalidade de entrada. Ou seja, a esquerda deixa cair a obrigatoriedade de entrada legal mas exige que tenham descontado já durante um ano. Porque o resto – ter contrato ou promessa de contrato de trabalho e a inscrição na Segurança Social – já hoje é requisito obrigatório para obter o visto.

Isabel Moreira haveria ainda de citar as cerca de 20 mil pessoas que vivem ilegalmente em Portugal, aqui trabalham e descontam mensalmente para a Segurança Social mas “não conseguem regularizar a sua situação apesar do mecanismo por situação humanitária e os seus direitos sociais são gravemente diminuídos”, seja no acesso à saúde, educação, habitação ou até à banca.

O comunista António Filipe também defendeu o desenho da proposta do texto à esquerda porque, pelos critérios actuais, quem entrou de forma ilegal em Portugal fica condenado “à ilegalidade perpétua” salvo se houver um mecanismo extraordinário. “Esta é uma legislação de olhos fechados à realidade. O Estado não pode dizer ‘entraste ilegal, agora vai-te embora’ e por isso houve vários processos de regularização extraordinária”, argumentou o comunista. Que recusou que a nova regra tenha o “efeito de chamada”, antes sendo para “encontrar solução para quem cá está há muito tempo a trabalhar na ilegalidade mas ainda assim a colocar dinheiro no Estado”.

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