Destruição de azulejos leva câmara a embargar obra no Chiado
Câmara de Lisboa impôs a preservação dos painéis de azulejos
desenhados pelo ceramista António Vasconcelos Lapa, mas estes acabaram por ir
para o lixo.
João Pedro Pincha
21 de Maio de 2019, 7:28
Foram destruídos 33 painéis de azulejos modernistas que
decoravam a fachada de um edifício no Largo Rafael Bordalo Pinheiro, em Lisboa.
A câmara municipal decidiu, por isso, embargar as obras de adaptação do prédio
a hotel.
A destruição dos azulejos aconteceu já em Fevereiro, mas só
na semana passada é que a autarquia a confirmou ao PÚBLICO. Foram “verificadas
desconformidades com as condições do licenciamento”, referiu fonte oficial da
câmara lisboeta, explicando que a obra foi autorizada prevendo “a retirada dos
azulejos da fachada, o seu aproveitamento e recolocação no interior do edifício
e a entrega do remanescente material azulejar ao município”.
Mas tal não se verificou. Durante a remoção dos azulejos
alguns ficaram danificados e os restantes foram parar ao lixo. É isso que se lê
num documento da Divisão de Fiscalização da Direcção Municipal de Urbanismo, a
que o PÚBLICO teve acesso. “Segundo fomos informados no local pelo responsável,
a retirada dos ditos painéis apresentou-se tecnicamente difícil, tendo-se
traduzido na quebra de alguns azulejos em todos os painéis, o que no final não
permitiria a sua reposição”, escreveram os fiscais a 15 de Fevereiro.
“Por outro lado, os azulejos que restaram do desmonte terão
sido guardados, mas por engano enviados para vazadouro com outro entulho da
obra”, lê-se ainda na informação, elaborada depois de um munícipe ter
presenciado a remoção dos azulejos e de ter reclamado à câmara. “Presentemente,
segundo se apurou, não existem azulejos originais”, concluem os fiscais.
O PÚBLICO questionou sobre este assunto a empresa
proprietária do edifício, a Coporgest, mas esta transmitiu que não queria
responder.
Os 33 painéis de azulejos que decoravam o número 20 do Largo
Rafael Bordalo Pinheiro foram desenhados pelo ceramista António Vasconcelos
Lapa. “Eu tenho pena”, comenta agora o artista, lamentando não ter sido
contactado durante a apreciação do projecto de hotel pelos serviços camarários.
“As coisas não podem ser tratadas assim. Acho que o autor dos azulejos devia
ter alguma coisa a dizer, mas não tem. Vou ver o que posso fazer”, diz ainda
Vasconcelos Lapa.
Com vasta obra exposta nacional e internacionalmente, que inclui
azulejaria, cerâmica, tapeçaria, tecelagem e desenho, o artista vê desaparecer
uma das suas primeiras obras públicas, datada de 1971. Foi por essa altura que
este edifício modernista foi construído para albergar a sede da companhia de
seguros Império, substituindo um outro do século XIX – o que, à época, gerou
contestação.
O projecto aprovado pela autarquia prevê a reconversão de
dois edifícios – o do largo e um contíguo, que torneja para a Rua Nova da
Trindade – num hotel e a transformação das fachadas de ambos. A remoção dos
azulejos esteve prevista desde o início, mas a colocação de alguns no interior
do futuro hotel e a entrega dos restantes à câmara foi o consenso a que se
chegou depois de os deputados da Assembleia Municipal de Lisboa terem defendido
a manutenção integral das fachadas.
Os painéis, com azulejos pintados de azul e amarelo, foram
incluídos em Setembro de 2016 no livro Percursos do Azulejo em Lisboa, que teve
o apoio institucional da câmara, e mereceram elogios de vários especialistas na
área. Os técnicos da Estrutura Consultiva Residente do Plano Director
Municipal, que se pronunciam sempre que chegam à autarquia projectos
urbanísticos em edifícios ou áreas com valor patrimonial, escreveram que os
azulejos tinham um “carácter excepcional pela sua singularidade e
autenticidade”.
Na resposta ao PÚBLICO, a câmara informa que, além do
embargo da obra, foi “aberto processo de contra-ordenação”, mas não especifica
qual a consequência que daí pode advir. Segundo o Regime Jurídico da Urbanização
e Edificação pode estar em causa uma coima entre os três mil e os 450 mil
euros.
tp.ocilbup@ahcnip.oaoj
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