terça-feira, 21 de maio de 2019

A livraria brasileira de que todos falam chegou ao Príncipe Real



A livraria brasileira de que todos
falam chegou ao Príncipe Real
Samuel Alemão
21 Maio, 2019

A mais reputada rede de livrarias do Brasil, conhecida tanto pela qualidade da oferta e do atendimento prestado pelos seus funcionários como pela arquitectura interior das suas lojas, chegou a Lisboa. A da Rua da Escola Politécnica, aberta no passado fim-de-semana, não é excepção e poderá, certamente, entrar no pódio das mais bonitas livrarias da capital portuguesa. Um renovado motivo para rumarmos ao Príncipe Real, sem dúvida. “O que é uma livraria? Não é somente um estabelecimento comercial onde se vai comprar um livro. É um local de demanda, de desejo, de relação com o leitor, cria-se uma conexão”, defende Rui Campos, o fundador da Livraria da Travessa, deleitado por finalmente a trazer para uma cidade que sempre admirou.

Ao fim de quatro décadas e meio a zelar pela felicidade bibliófila dos outros, e tendo já visto livrarias e lojas por todo o mundo, Rui Campos, 65 anos, ainda se deixa surpreender com o que salta de uma embalagem de cartão cheia de livros. Sobretudo se forem de editoras portuguesas. “Fazem um trabalho fantástico, reflectido também na forma como tratam do aspecto do que vão publicando. O livro editado em Portugal é diferente, existe uma sedução gráfica. Sempre me fascinaram pela qualidade. É uma coisa que se confirma, agora mesmo, a cada vez que abrimos as caixas que nos vão chegando. Veja os livros da Cotovia, que coisa magnífica!”, diz o mentor da Livraria da Travessa, desde 1975 a deleitar um público exigente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para lá do que os escaparates mostram, a forma como o espaço é desenhado tem desempenhado papel fulcral na reputação. Uma receita repetida na loja de Lisboa, no 46 da Rua da Escola Politécnica, inaugurada no fim-de-semana.

“As pessoas estão adorando estar aqui. Nestes quatro dias, temos tido uma reacção fantástica, tem entrado aqui imensa gente”, conta a O Corvo o empresário, sentado junto à mesa espelhada existente na sala lateral, a única com luz natural, que entra através de uma clarabóia, assim acentuando a resplandecente alvura do anexo. Um deliberado contraste com o do resto da loja, dominada por mobiliário preto e soluções minimalistas, sublinhadas pela iluminação discreta. Projectado pela arquitecta carioca Bel Lobo, responsável pela concepção dos interiores das outras livrarias da rede, o espaço comercial com uma área de 300 metros quadrados segue à risca a estratégia adoptada do outro lado do Atlântico. Cá como lá, ver ajuda a fazer sentir. Será isso que, aliado ao conforto e ao atendimento esclarecido, atrairá os leitores mais exigentes, acredita o fundador e sócio da Livraria da Travessa – que se orgulha da reputação dos seus livreiros e em Lisboa oferecerá também muita da melhor edição brasileira.

Tem sido esses pressupostos, afinal, a alicerçar o fenómeno em que se transformou a cadeia livreira brasileira, conseguindo ao longo dos anos assinaláveis resultados comerciais sem deixar de se afirmar como uma chancela prestigiada. Ao ponto de, para muitos, ser encarada como uma casa de cultura, mais do que uma loja. É com essa fama que chega à capital portuguesa. E que Rui Campos pretender manter. A única diferença em relação às demais lojas da rede é que 60 por cento dos livros à venda serão de edição nacional. “O que é uma livraria? Não é somente um estabelecimento comercial onde se vai comprar um livro. É um local de demanda, de desejo, de relação com o leitor, cria-se uma conexão. As pessoas querem vir até aqui”, postula o homem que se deixou seduzir por Lisboa como ponto de expansão do negócio, quando cá veio em férias para celebrar a chegada de 2018. O desafio partiu dos donos da Casa Pau-Brasil, loja de produtos brasileiros inaugurada em Abril de 2017, e que agora alberga a nova livraria.

O convite assumiu-se com muito aliciante para alguém que nutre, desde há muito, uma profunda admiração pela forma de trabalhar das casas editoriais portuguesas. Mesmo quando começou Livraria da Travessa, em 1975, no Rio de Janeiro, com apenas 20 anos, era já para estes lados que a sua atenção o guiava, confessa agora a O Corvo. “No início, naquela época marcada pela ditadura, o panorama do livro no Brasil estava muito empobrecido. E então, aqui estavam a acontecer muitas coisas interessantíssimas”, recorda, ao falar dos primeiros anos da democracia portuguesa, citando os catálogos da Edições 70, Estampa e Assírio & Alvim como modelares na sua educação sentimental, mas também na forma de fazer edição e comércio livreiros. Uma afeição nutrida através da chegada de catálogos pelo correio, enviados daqui para o Rio em resposta às cartas dactilografadas com denodo pelo então jovem empresário. “Sempre tive respeito pelo mercado português”, diz Rui.

 Este ano, a Livraria da Travessa abrirá a sua primeira loja de rua em São Paulo, no bairro de Pinheiros, e Rui Campos espera nela poder infundir muito do ar optimista e cosmopolita que, por estes dias, sente estar a respirar-se na capital portuguesa. “Vamos ter uma forte presença do livro português”, assegura, sem deixar de lamentar as restrições à comercialização no mercado brasileiro de muitas edições aqui lançadas, em virtude das questões associadas aos direitos de exclusividade – muitos livros têm editoras diferentes nos dois países. Rui acha que o Príncipe Real serve na perfeição para mostrar o que vale numa cidade que, observa, “tem muitas editoras e poucas livrarias”. Ainda assim, não deixa de elogiar as lojas do ramo que vai encontrando, como a da Almedina existente no final da mesma rua, já perto do Largo do Rato. “É um espaço muito bonito”, comenta. Rui Campos é, por estes dias, um homem feliz por estar aqui.

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