domingo, 26 de maio de 2019

Haverá ondas de choque. Espera-se que sirvam para alguma coisa



ANÁLISE
Haverá ondas de choque. Espera-se que sirvam para alguma coisa

Os próximos dias voltam a ser fundamentais. Mais do que a força dos nacionalismos, é a fraqueza do centro político que fica em evidência nestas eleições. Saberão os líderes europeus tirar as lições dos resultados ou continuarão, como sonâmbulos, a seguir em frente?
Os próximos dias voltam a ser fundamentais. Mais do que a força dos nacionalismos, é a fraqueza do centro político que fica em evidência nestas eleições.

Teresa de Sousa
26 de Maio de 2019, 6:15

1. Não haverá grandes surpresas logo à noite, quando finalmente foram conhecidos os resultados das eleições para o Parlamento Europeu. A abstenção foi certamente elevada – são eleições de segunda ordem nas quais os governos nacionais não estão directamente em causa. O universo de eleitores é, apesar de tudo, impressionante – 460 milhões.

O que já sabemos mesmo antes de fecharem as urnas é que as forças políticas nacionalistas e populistas vão ganhar ainda mais terreno relativamente às eleições de 2014. Nessa altura, conseguiram em conjunto um quarto dos lugares no PE. Hoje, as previsões apontam para um terço. Com outra diferença significativa. Os partidos da direita nacionalista fizeram um esforço notável para se apresentarem numa frente unida, certamente mais coesa do que em 20014, o que faz prever que a sua presença no hemiciclo de Bruxelas tenha mais influência no debate político e na própria agenda europeia. Foi essa a grande aposta de Matteo Salvini, o novo rosto da direita nacionalista europeia. O resultado que pode obter logo à noite (as urnas só fecham na Itália às 23h locais, 22h em Lisboa) dar-lhe-á uma legitimidade acrescida. A Liga deverá vencer as eleições com 30% dos votos, deixando muito atrás o Cinco Estrelas (que venceu as legislativas de Março do ano passado) e ainda mais longe os Democratas de Matteo Renzi e a Força Itália de Berlusconi. O que fará com esta vitória? Talvez não resista a conquistar o seu lugar na mesa do Conselho Europeu, onde se decide praticamente tudo o que é essencial.

2. É fácil argumentar que, pela sua própria natureza, os nacionalismos dificilmente se entendem uns com os outros. Há diferenças significativas entre os que, como Salvini e Marine Le Pen, se dão bem com Putin e aqueles que nem podem ouvir falar do Presidente russo, como os nacionalistas polacos ou até os populistas suecos e finlandeses. A Rússia está demasiado perto das suas fronteiras. Há divergências na forma como olham para a economia – os nórdicos são mais liberais e gostam de contas públicas em ordem; na França e na Itália têm uma visão bastante mais intervencionista da política económica e uma particular aversão pelas regras de Bruxelas. Salvini queixa-se da Hungria ou da Polónia porque se recusam a receber a sua quota-parte de imigrantes e refugiados, chegados às centenas de milhares à costa italiana. Tudo isto é verdade, mas não vale a pena tentar minimizar a importância política deste novo avanço das forças nacionalistas e populistas, como há cinco anos – os sinais estavam lá todos, pouca gente quis prestar atenção.

3. Alguns resultados merecem particular atenção. Na França, Macron e Le Pen estavam taco a taco nas últimas sondagens. Se a União Nacional conseguir vencer o Em Marcha do Presidente francês, não tenhamos dúvidas: será um péssimo sinal para a Europa. Macron continuará no Eliseu, mesmo que mais enfraquecido. A França viverá mais um choque politico, com repercussões muito para lá das suas fronteiras.

Na Holanda, que já votou na quinta-feira passada, as sondagens à boca das urnas pareciam afastar outro cenário de pesadelo: não foi o novíssimo partido nacionalista “Fórum para a Democracia” a ganhá-las, como tudo parecia indicar. A grande surpresa terá vindo dos Trabalhistas, arredados do poder e quase desaparecidos nas sondagens, que terão ficado em primeiro lugar. Os liberais de Mark Rutte aguentaram. Tinham perdido o Senado para o novo partido de Thierry Baudet nas regionais de Março passado. Baudet é um Geert Wilders mais sofisticado, embora defenda as mesmas ideias – contra a imigração, contra a Europa, contra os “fundamentalistas” das alterações climáticas, conta os “exageros” da igualdade de género e por aí adiante. Chegou a defender o “Nexit”, propondo um referendo como o britânico. Atenuou a mensagem nos últimos dias. De um modo geral, para a direita nacionalista, de Salvini a Le Pen, a estratégia mudou: já não quer acabar com a União, quer “mudá-la” por dentro. Tem condições para alterar os termos do debate europeu.

O primeiro-ministro húngaro vai voltar a vencer com mais de 50% dos votos – a sua “democracia iliberal” recomenda-se. A dúvida é saber se sai de livre vontade do PPE – do qual foi suspenso – para se juntar à nova aliança que Salvini quer constituir no PE. Mas o sinal mais preocupante que vem dos países da Europa Central e de Leste é, porventura, a sua total indiferença pelo destino de uma Europa à qual, há 30 anos, todos queriam “regressar” e que, há apenas 15, ainda os fazia sonhar. Há países em que o nível de abstenção pode ultrapassar os 80%.

A Polónia é um caso à parte. O destino da Europa também se joga no maior país do alargamento de 2004, que sonhou vir a juntar-se ao grupo dos “grandes”. Se as eleições provarem que a alternância continuará a ser possível, nada estará perdido. O PiS, que governa em Varsóvia desde 2014, continuava ligeiramente à frente da “Coligação Europeia”, que reúne vários partidos de centro-direita e de centro-esquerda, democráticos e pró-europeus. A sua vitória teria um efeito positivo nos países de Visegrado e abriria novas possibilidades para as legislativas de Setembro.

4. A Áustria tornou-se, entretanto, um caso exemplar. O FPO do ex-vice-chanceler Heinz-Christian Strache terá um resultado mais modesto do que se previa há uma semana, antes do escândalo sórdido em que se envolveu e que o obrigou à demissão. Sebastian Kurz, o chanceler da Áustria (conservador), viu-se obrigado a convocar novas eleições. Mas as europeias serão o primeiro retrato do país depois de um escândalo que tem todos os ingredientes para desaconselhar alianças com a extrema-direita – desde as consequências da “amizade” com Moscovo até à tentação irresistível de interferir na independência dos media, dos tribunais ou das polícias. “Dá-se-lhes um cheiro de poder e eles não resistem a tentar controlar a polícia, os serviços secretos, os tribunais ou desvirtuar os sistemas eleitorais a seu favor”, escreve o editor-chefe do Financial Times, Tony Barber. Kurz deu-lhes o Interior, os Negócios Estrangeiros e a Defesa. “Ou esta lição é aprendida, ou aproximam-se tempos perigosos para a Europa.”

De resto, o que a noite eleitoral provará com toda a certeza é que as forças nacionalistas e populistas vieram para ficar. Nos nórdicos, manter-se-ão provavelmente como a segunda ou terceira força.

5. Nenhum governo cairá na noite das eleições, para além do britânico. Theresa May não esperou sequer pelos resultados para se demitir. O resultado das eleições, a crer nas sondagens, traduz a profunda crise política que o país atravessa. Farage volta a ser o grande vencedor – ainda mais do que nas eleições europeias de 2014, de cuja vitória partiu para impor o referendo ao Governo de Cameron. A derrota dos conservadores pode ser catastrófica. O Labour pode não se ficar a rir – deverá ser duramente castigado pelo eleitorado porque o seu líder, que defende o “Brexit” ao contrário da maioria dos seus militantes, preferiu manter a ambiguidade até ao fim. Abriu espaço para o renascimento dos liberais-democratas, remetidos para o deserto desde que se aliaram aos Conservadores de Cameron em 2010, mas que sempre defenderam com convicção a permanência na Europa. As sondagens dão-lhe o segundo lugar, à frente do Labour, algo de absolutamente impensável há 15 dias.

Os próximos dias voltam a ser fundamentais. Mais do que a força dos nacionalismos, é a fraqueza do centro político que fica em evidência nestas eleições. Saberão os líderes europeus tirar as lições dos resultados ou continuarão, como sonâmbulos, a seguir em frente?

P.S.: Como o leitor reparou, abstive-me de falar das eleições em Portugal. Uma lei anacrónica impede-me de o fazer, embora não me impeça de falar sobre as eleições nos outros 27 países da União.

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