ANÁLISE
Haverá ondas de choque. Espera-se que sirvam para alguma
coisa
Os próximos dias voltam a ser fundamentais. Mais do que a
força dos nacionalismos, é a fraqueza do centro político que fica em evidência
nestas eleições. Saberão os líderes europeus tirar as lições dos resultados ou
continuarão, como sonâmbulos, a seguir em frente?
Os próximos dias voltam a ser fundamentais. Mais do que a
força dos nacionalismos, é a fraqueza do centro político que fica em evidência
nestas eleições.
Teresa de Sousa
26 de Maio de 2019, 6:15
1. Não haverá grandes surpresas logo à noite, quando
finalmente foram conhecidos os resultados das eleições para o Parlamento
Europeu. A abstenção foi certamente elevada – são eleições de segunda ordem nas
quais os governos nacionais não estão directamente em causa. O universo de
eleitores é, apesar de tudo, impressionante – 460 milhões.
O que já sabemos mesmo antes de fecharem as urnas é que as
forças políticas nacionalistas e populistas vão ganhar ainda mais terreno
relativamente às eleições de 2014. Nessa altura, conseguiram em conjunto um
quarto dos lugares no PE. Hoje, as previsões apontam para um terço. Com outra
diferença significativa. Os partidos da direita nacionalista fizeram um esforço
notável para se apresentarem numa frente unida, certamente mais coesa do que em
20014, o que faz prever que a sua presença no hemiciclo de Bruxelas tenha mais
influência no debate político e na própria agenda europeia. Foi essa a grande
aposta de Matteo Salvini, o novo rosto da direita nacionalista europeia. O
resultado que pode obter logo à noite (as urnas só fecham na Itália às 23h
locais, 22h em Lisboa) dar-lhe-á uma legitimidade acrescida. A Liga deverá
vencer as eleições com 30% dos votos, deixando muito atrás o Cinco Estrelas
(que venceu as legislativas de Março do ano passado) e ainda mais longe os
Democratas de Matteo Renzi e a Força Itália de Berlusconi. O que fará com esta
vitória? Talvez não resista a conquistar o seu lugar na mesa do Conselho
Europeu, onde se decide praticamente tudo o que é essencial.
2. É fácil argumentar que, pela sua própria natureza, os
nacionalismos dificilmente se entendem uns com os outros. Há diferenças
significativas entre os que, como Salvini e Marine Le Pen, se dão bem com Putin
e aqueles que nem podem ouvir falar do Presidente russo, como os nacionalistas
polacos ou até os populistas suecos e finlandeses. A Rússia está demasiado
perto das suas fronteiras. Há divergências na forma como olham para a economia
– os nórdicos são mais liberais e gostam de contas públicas em ordem; na França
e na Itália têm uma visão bastante mais intervencionista da política económica
e uma particular aversão pelas regras de Bruxelas. Salvini queixa-se da Hungria
ou da Polónia porque se recusam a receber a sua quota-parte de imigrantes e
refugiados, chegados às centenas de milhares à costa italiana. Tudo isto é
verdade, mas não vale a pena tentar minimizar a importância política deste novo
avanço das forças nacionalistas e populistas, como há cinco anos – os sinais
estavam lá todos, pouca gente quis prestar atenção.
3. Alguns resultados merecem particular atenção. Na França,
Macron e Le Pen estavam taco a taco nas últimas sondagens. Se a União Nacional
conseguir vencer o Em Marcha do Presidente francês, não tenhamos dúvidas: será
um péssimo sinal para a Europa. Macron continuará no Eliseu, mesmo que mais
enfraquecido. A França viverá mais um choque politico, com repercussões muito
para lá das suas fronteiras.
Na Holanda, que já votou na quinta-feira passada, as
sondagens à boca das urnas pareciam afastar outro cenário de pesadelo: não foi
o novíssimo partido nacionalista “Fórum para a Democracia” a ganhá-las, como
tudo parecia indicar. A grande surpresa terá vindo dos Trabalhistas, arredados
do poder e quase desaparecidos nas sondagens, que terão ficado em primeiro
lugar. Os liberais de Mark Rutte aguentaram. Tinham perdido o Senado para o
novo partido de Thierry Baudet nas regionais de Março passado. Baudet é um
Geert Wilders mais sofisticado, embora defenda as mesmas ideias – contra a
imigração, contra a Europa, contra os “fundamentalistas” das alterações
climáticas, conta os “exageros” da igualdade de género e por aí adiante. Chegou
a defender o “Nexit”, propondo um referendo como o britânico. Atenuou a
mensagem nos últimos dias. De um modo geral, para a direita nacionalista, de
Salvini a Le Pen, a estratégia mudou: já não quer acabar com a União, quer
“mudá-la” por dentro. Tem condições para alterar os termos do debate europeu.
O primeiro-ministro húngaro vai voltar a vencer com mais de
50% dos votos – a sua “democracia iliberal” recomenda-se. A dúvida é saber se
sai de livre vontade do PPE – do qual foi suspenso – para se juntar à nova
aliança que Salvini quer constituir no PE. Mas o sinal mais preocupante que vem
dos países da Europa Central e de Leste é, porventura, a sua total indiferença
pelo destino de uma Europa à qual, há 30 anos, todos queriam “regressar” e que,
há apenas 15, ainda os fazia sonhar. Há países em que o nível de abstenção pode
ultrapassar os 80%.
A Polónia é um caso à parte. O destino da Europa também se
joga no maior país do alargamento de 2004, que sonhou vir a juntar-se ao grupo
dos “grandes”. Se as eleições provarem que a alternância continuará a ser
possível, nada estará perdido. O PiS, que governa em Varsóvia desde 2014,
continuava ligeiramente à frente da “Coligação Europeia”, que reúne vários
partidos de centro-direita e de centro-esquerda, democráticos e pró-europeus. A
sua vitória teria um efeito positivo nos países de Visegrado e abriria novas
possibilidades para as legislativas de Setembro.
4. A Áustria tornou-se, entretanto, um caso exemplar. O FPO
do ex-vice-chanceler Heinz-Christian Strache terá um resultado mais modesto do
que se previa há uma semana, antes do escândalo sórdido em que se envolveu e
que o obrigou à demissão. Sebastian Kurz, o chanceler da Áustria (conservador),
viu-se obrigado a convocar novas eleições. Mas as europeias serão o primeiro
retrato do país depois de um escândalo que tem todos os ingredientes para
desaconselhar alianças com a extrema-direita – desde as consequências da
“amizade” com Moscovo até à tentação irresistível de interferir na
independência dos media, dos tribunais ou das polícias. “Dá-se-lhes um cheiro
de poder e eles não resistem a tentar controlar a polícia, os serviços
secretos, os tribunais ou desvirtuar os sistemas eleitorais a seu favor”,
escreve o editor-chefe do Financial Times, Tony Barber. Kurz deu-lhes o
Interior, os Negócios Estrangeiros e a Defesa. “Ou esta lição é aprendida, ou
aproximam-se tempos perigosos para a Europa.”
De resto, o que a noite eleitoral provará com toda a certeza
é que as forças nacionalistas e populistas vieram para ficar. Nos nórdicos,
manter-se-ão provavelmente como a segunda ou terceira força.
5. Nenhum governo cairá na noite das eleições, para além do
britânico. Theresa May não esperou sequer pelos resultados para se demitir. O
resultado das eleições, a crer nas sondagens, traduz a profunda crise política
que o país atravessa. Farage volta a ser o grande vencedor – ainda mais do que
nas eleições europeias de 2014, de cuja vitória partiu para impor o referendo
ao Governo de Cameron. A derrota dos conservadores pode ser catastrófica. O
Labour pode não se ficar a rir – deverá ser duramente castigado pelo eleitorado
porque o seu líder, que defende o “Brexit” ao contrário da maioria dos seus militantes,
preferiu manter a ambiguidade até ao fim. Abriu espaço para o renascimento dos
liberais-democratas, remetidos para o deserto desde que se aliaram aos
Conservadores de Cameron em 2010, mas que sempre defenderam com convicção a
permanência na Europa. As sondagens dão-lhe o segundo lugar, à frente do
Labour, algo de absolutamente impensável há 15 dias.
Os próximos dias voltam a ser fundamentais. Mais do que a
força dos nacionalismos, é a fraqueza do centro político que fica em evidência
nestas eleições. Saberão os líderes europeus tirar as lições dos resultados ou
continuarão, como sonâmbulos, a seguir em frente?
P.S.: Como o leitor reparou, abstive-me de falar das
eleições em Portugal. Uma lei anacrónica impede-me de o fazer, embora não me
impeça de falar sobre as eleições nos outros 27 países da União.
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