Sim a Cultura e o Património sem dúvida … mas estas duas características
intrisecamente ligadas ao DNA da Nação e de um Povo têm que ser geridas,
justamente, para manterem a sua autenticidade de vivência e estímulo para os
autóctenes e os visitantes. Não é com a aceitação acrítica de um Turismo
Massificado e predador dessa mesma autenticidade, baseado no modelo
ambientalmente insustentável do ‘low cost flying’ (que de resto tem os dias
contados devido à crise do Clima ) que se vai garantir o equílibrio entre
qualidade e quantidade.
Aceitar transformar Portugal num imenso Parque de Diversões
onde os Portugueses podem desempenhar o papel de figurantes representa o fim de
Portugal como Nação.
De resto a futura vocação da Europa não se pode cingir e
reduzir ao papel de Museu.
Os cidadãos nunca irão aceitar isso. Se nào se nota maior
resistência explícita a esta tendência, comparável ao que já se verifica
noutros países Europeus, isso é devido à famosa apatia dos Lusos e à misteriosa
passividade Portuguesa.
OVOODOCORVO
Nós e o património
Ao contrário de outras áreas, o património é o mais sólido e
perene traço distintivo da Europa.
António Barreto
26 de Maio de 2019, 6:57
As eleições chamam a atenção para a definição do que é a
Europa. E cada vez mais sobressai uma evidência: realmente europeu é o
património. A história e a cultura. À cultura europeia também pertence a
religião, que não nasceu na Europa, mas na Europa se fez e hoje aspira à
universalidade. E outros fenómenos europeus, como as liberdades, os direitos
humanos e a democracia, deixaram de ser distintivos, são de vários continentes
e espera-se que possam vir a ser do mundo inteiro. Também o estado social
parece ter as suas raízes na Europa, mas começa a ser olhado por outras
paragens. Ao contrário de outras áreas, o património é o mais sólido e perene
traço distintivo da Europa.
A Europa está a perder todos os dias para a América, a Ásia,
o Próximo Oriente e a China. Talvez até para a Rússia e a Índia, mais tarde. A
Europa tem cada vez menos a oferecer ao mundo. O património é, com a protecção
social, o que a Europa tem de melhor e diferente, que outros não têm, têm menos
ou diferente. A cultura é mesmo o que a Europa mais dá ao mundo inteiro, às
centenas de milhões de turistas que vagueiam pelo mundo. O que vêem fazer essas
pessoas à Europa? Beber, dormir, bronzear e comer, seguramente. Mas tudo isso
pode também ser feito e consumido noutros sítios. O património é que não. Está
construído, preso à terra e aos edifícios, fechado em museus, presente na
sociedade, nos vales e nas planícies. E nas cidades.
Já ninguém duvida da existência da crise na Europa, na União
e nos países europeus. O que a pode salvar? E o que pode salvar Portugal?
Evidentemente, a liberdade, a economia e a ciência. Mas isso também se arranja
noutros sítios, não faz a diferença. O que nos pode salvar e distinguir é a
cultura e o património. A batalha da competitividade está perdida. Nada nos permitirá
chegar aos pés dos Estados Unidos ou da China. As batalhas da ciência e da
tecnologia estão perdidas, não tão inexoravelmente quanto as da
competitividade, mas não teremos a hipótese do primeiro lugar. Com muito
trabalho, um honroso segundo ou terceiro lugar. Mesmo se com atributos
especiais, a democracia começa a viver por outros lados também. O Estado de
protecção social é um bem querido, mas não é necessariamente uma oferta ao
mundo. Já o património cultural é distintivo, único, com enorme capacidade de
atracção. Cidades, aldeias e regiões, monumentos, edifícios e artes diversas.
Há uma geografia patrimonial única e atraente. O património é uma realidade
humana com valor. Ajuda-nos a viver. E a sobreviver. O património tem a
vantagem de, sendo europeu, é irremediavelmente nacional. Tem identidade.
Com a Europa em crise económica, tecnológica e política, a
cultura deveria transformar-se em prioridade. Do Estado, da sociedade e dos
povos. Em tempos de capitalismo desregulado e de negócios sem escrúpulos,
Portugal vai perdendo todos os dias. Para se distinguir da Europa e para a
Europa se distinguir do mundo, só o património e a cultura. Sublinhe-se o
património. Na verdade, tudo o que é móvel é transportável por definição. Por
isso os museus e as salas de teatro e música do Próximo Oriente, do Japão e dos
Estados Unidos proliferam.
A definição de prioridades para a cultura é uma das mais
difíceis tarefas que se conhece. Especialmente porque, na hora de fazer contas,
é considerada supérflua e dispensável. Além disso, definir prioridades é
escolher e deixar alguém de fora. Ora, grande parte dos beneficiários das
políticas culturais tem voz alta. E os “agentes culturais” têm altifalantes
potentes, enquanto os autores do património estão mortos. Infelizmente, o
património não ganha eleições. Mas o património é urgente.
O crescimento do turismo nos últimos anos foi um maná para a
economia e o emprego. Foi talvez a mais importante contribuição para o
crescimento económico. Já se percebeu que os turistas não vêm apenas pela praia
e pelo vinho. As cidades, a paisagem, o património construído e humano, uma
certa maneira de viver, os preços baixos, uma boa localização geográfica, paz
nas ruas e ausência de violência religiosa ou política: tudo isso conta. Verdade
é que o património tem desempenhado papel importante na atracção de visitantes.
Basta vê-los, de pé, ao sol, em filas de espera de duas horas para entrar nos
Jerónimos ou na Torre de Belém. É verdade que esses são fenómenos especiais, os
restantes monumentos exibem números menores. Mas o certo é que as cidades
interessantes (por exemplo Lisboa, Porto, Coimbra, Évora e Braga) não aguentam
mais. Os conjuntos monumentais importantes (por exemplo Jerónimos, Belém,
Batalha, Cristo e Alcobaça) não resistem mais. E muitas pequenas cidades estão
a rebentar.
Portugal tem pouca cultura clássica para mostrar. Com
excepção dos festivais pop e rock, os museus, os teatros e as salas de música
são pouco visitados. Mas o que tem é importante. E o mais interessante é o sítio,
a geografia, as cidades e o património. Tudo está a rebentar pelas costuras. A
hotelaria está talvez a desfigurar parte das cidades. O peso, o stress e a
pressão do turismo ameaçam destruir em poucos anos o que demorou séculos a
construir. Portugal não soube prever este crescimento.
Em menos de vinte anos, o número de passageiros nos
aeroportos passou de 20 para quase 60 milhões por ano! Em menos de quinze anos,
o número de turistas passou de 11 para 21 milhões. E o de estrangeiros de 5
para 13 milhões. Se é verdade que uma boa parte do bem-estar actual se deve ao
turismo, não é menos verdade que uma bomba ao retardador está à espera. A
sociedade portuguesa não está preparada para esta avalanche. O património está
mal protegido.
Outros acontecimentos recentes obrigam-nos a pensar a
política de cultura e de património. Para além da intriga e do crime, as
colecções Berardo, BES e Ellipse são realmente de importância excepcional. São
milhares de obras (pintura, escultura, fotografia, livros e moedas) à espera do
mercado, dos especuladores e dos tribunais, uma tríade fatal.
É razoável perguntarmo-nos o que se deve fazer com estas
obras importantes. A pergunta é simples: deve o Estado comprar ou não? Desde
que o negócio seja limpo e que se respeite a lei, o Estado deve comprar,
conservar e divulgar. Para já, impõe-se a interdição de exportação. Moedas e
livros são património histórico. Pintura, escultura e fotografia passarão a
sê-lo. E tudo será património público. É assim que deve ser.
Longe de nós, Notre Dame recorda a eternidade da história e
a fragilidade do património. E a certeza da cultura.
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