COMENTÁRIO
Que querem realmente os europeus?
Uma das grandes diferenças entre estas e as eleições de 2014
foi a mudança da estratégia eleitoral dos soberanistas, que escutaram as
tendências da opinião pública.
Jorge Almeida Fernandes
27 de Maio de 2019, 0:00
Os eurocépticos e soberanistas propuseram-se fazer destas eleições
um referendo sobre o projecto europeu. A conclusão numérica é clara: os
soberanistas voltaram a crescer, mas também voltaram a falhar. Não “tomaram a
fortaleza”. Para lá do voto, ou por trás dele, os europeus manifestam “medo do
futuro” e uma súbita consciência de que o projecto europeu “pode morrer” se não
for reinventado, tirando partido da sua grande, e pouco visível, reserva de
energia.
Os grupos europeístas do Parlamento Europeu –
democratas-cristãos, socialistas, liberais, Verdes – recuam mas mantêm uma
sólida maioria. Os piores augúrios voltaram a não se realizar. A UE continua a
resistir às crises.
Uma das grandes diferenças entre estas e as eleições de 2014
foi a mudança da estratégia eleitoral dos soberanistas, que escutaram as
tendências da opinião pública: deixaram de apelar ao abandono da UE e do euro
para propor a sua transformação, ou liquidação, a partir de dentro.
A dinâmica soberanista deve ser levada a sério mas não
sobrestimada a ponto de a tomarmos como irresistível, previne o politólogo
Marca Lazar. Os populistas debatem-se na maioria dos casos com “tectos de
vidro”, uma barreira invisível que não conseguem superar. Dois terços dos
europeus não votam neles.
O caso francês é paradigmático. Marine Le Pen bateu o
partido de Emmanuel Macron, com 23,3% dos votos contra 22%. Mais do que uma
vitória de Le Pen – muito menos relevante que a de 2014 – é uma derrota de
Macron, cuja influência é ameaçada. Le Pen continua encerrada sob o seu “tecto
de vidro”, um eleitorado que já não se expande. Ganha graças ao estilhaçamento
partidário. Os socialistas (7%) já se tinham desintegrado. Agora, Os
Republicanos, a direita tradicional, descem ao abismo com 8,5%. A grande crise
política francesa não roda em torno da extrema-direita mas da literal implosão
do sistema partidário. É esta a ferida exposta da política francesa.
Na Itália venceu a Liga de Salvini. Confirmou o estatuo de
primeiro partido. Definiu as europeias como “um referendo entre a vida e a
morte, entre passado e futuro, entre Europa livre e estado islâmico baseado na
precariedade e no medo.” Sem resultados finais é imprudente comentar. É
importante verificar se fica abaixo ou acima dos “simbólicos” 30%: saber se é
“irresistível” ou se também ficará capturado sob um “tecto de vidro”.
O europessimismo
Os europeus têm medo do futuro, dizem os inquéritos. As
instituições, seja a UE sejam os Estados nacionais, não sabem responder ao
pessimismo, que se vai tornando num factor de desintegração da Europa.
O European Council on Foreign Relations (ECFR) publicou há
dias um desconcertante inquérito em 14 países da UE, realizado por YouGov e
intitulado “O que os europeus realmente sentem”. Portugal não foi incluído.
O relatório começa assim: “No ano da eleição do Parlamento
Europeu, o maior desafio para a União Europeia não é o eurocepticismo ou o
anti-europeísmo mas o europessimismo. (…) A maioria dos eleitores da UE
acredita que o projecto europeu pode entrar em colapso dentro de 10-20 anos.”
São excepção a Espanha, Dinamarca e Suécia. Mas 58% dos franceses, para não
falar nos italianos e alemães, partilham deste temor, que não tem geografia mas
divide os países. Há uma correlação entre este dado e as “posições europeias”
dos inquiridos: o pessimismo é dominante entre eleitores eurocépticos ou
soberanistas, o optimismo domina entre europeístas.
Mais chocante: uma “significativa proporção de europeus em
todos os países membros acredita que a guerra entre Estados-membros da UE é uma
possibilidade realista”. Não estão a pensar em tanques e bombardeamentos mas
numa “lógica de combate, concorrência e conflito na sociedade europeia”. A
mesma correlação: a “lógica da guerra” prevalece entre os soberanistas.
“Isto não foi uma derrota”, manda dizer Macron - mas Le Pen
cantou vitória
Que mais temem perder os europeus em caso de desintegração
da UE? As vantagens do mercado único e a liberdade de viajar sem fronteiras ou
de trabalhar noutros países; em segundo lugar surge a “capacidade europeia
enquanto actor global”, a segurança e a cooperação multilateral num mundo
dominado por potências, em que a UE deveria liderar o tema da mudança
climática.
Lembram os autores que, no último Eurobarómetro, 68% dos
inquiridos reconheciam que a pertença à UE beneficiou os seus países. É aqui, e
no temor de perda da UE, que se localizaria “a reserva de energia” que acima
refiro. O problema, mais do que dos eurocépticos, será da responsabilidade dos
europeístas.
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