EUA questionam "lealdade" de Portugal a empresas
chinesas
EXAME 08.05.2019 às 22h19
http://visao.sapo.pt/…/2019-05-08-EUA-questionam-lealdade-d…
"Porque estão a ser leais a alguém que chegou aqui e
basicamente roubou a vossa empresa?", pergunta o embaixador
norte-americano. "Xi [Jinping], não é a mesma China com que lidavam há 500
anos," avisa.
PAULO ZACARIAS GOMES
Jornalista
O embaixador dos Estados Unidos da América sugere que
Portugal não devia ter deixado que a China entrasse no capital de algumas das
suas empresas estratégicas e questiona a lealdade dos portugueses a um país
cujas empresas se limitaram a comprar ativos numa altura de necessidade do
País.
“Eles vieram e compraram as vossas infra-estruturas críticas
por ‘10 cêntimos’. Do ponto de vista de negócio, porque estão a
recompensá-los?,” questionou George Edward Glass num encontro com jornalistas.
“Porque estão a dar lealdade a alguém que chegou aqui e basicamente roubou a
vossa empresa? Não percebo essa filosofia. É por isso que não vejo as coisas da
mesma forma.”
Para Glass, um antigo empresário, que recentemente se
insurgiu contra a OPA da China Three Gorges sobre a EDP e contra a adoção por
Portugal da tecnologia 5G da também chinesa Huawei, o argumento de uma longa
relação de séculos entre Portugal e China não é suficiente, tal como não o é o
facto de compras em empresas como a EDP, a REN ou a Fidelidade terem sido
feitas numa altura em que o País precisava de financiamento externo.
“A minha resposta, do ponto de vista de negócio, é retirar
toda a emoção,” defendeu, sublinhando no entanto que não acredita que os
empresários portugueses sejam ingénuos. “Tudo o que tenho visto foi muito
calculado. Há uma lealdade. [Dizem que] são pessoas com quem fazem negócios há
centenas de anos. Mas este líder, Xi [Jinping], não é a mesma China com que
lidavam há 500 anos. Os portugueses são leais, bons amigos e querem manter as
relações abertas e acho que isso pode ter toldado a questão do negócio,”
sugere.
"PORTUGAL NUNCA DEVIA VENDER A SUA INFRA-ESTRUTURA
CRÍTICA A UMA ENTIDADE ESTRANGEIRA"
Em relação à OPA da EDP, que ficou pelo caminho depois de
não ter sido aprovada a desblindagem dos estatutos (uma das condições para o
avanço da operação), Glass admite que as objeções que os EUA levantaram à
compra pela estatal chinesa dos ativos de renováveis norte-americanas foram
apenas uma “alavanca” em toda a questão: “Portugal nunca devia vender a sua
infra-estrutura crítica a uma entidade estrangeira. Não deixaria os EUA comprarem
a minha empresa elétrica crítica, também não deixaria os chineses.”
O diplomata negou ainda qualquer intervenção no negócio, que
foi travado depois de votada a proposta do fundo norte-americano Elliott para a
desblindagem dos estatutos. E disse que o fim da oferta se deveu aos acionistas
que perceberam que era um “mau negócio”. “Havia uma questão de segurança
nacional e os fatores de mercado prevaleceram,” definiu.
De segurança nacional é também o tema da infra-estrutura de
redes de quinta geração (5G), em que os EUA têm feito finca-pé que Portugal não
entregue à chinesa Huawei. Sobre este assunto, George Glass avisa que uma
adesão àquela tecnologia vai obrigatoriamente mudar a relação na forma como
Portugal e os EUA partilham informação sensível, nomeadamente no âmbito da
Aliança Atlântica.
“Se os meios para transmitir informação não forem seguros,
temos de encontrar uma nova forma de a comunicar. Ainda não tenho uma resposta
para como se fará. Mas não significa que não seremos amigos ou aliados,”
salvaguarda. Glass diz que não houve alteração de posição de Portugal desde que
cá esteve o chairman da FCC (responsável pelas comunicações nos EUA) para
pressionar o País a excluir os chineses do 5G. Mas confia que as autoridades
portuguesas estão pacientemente à espera de ver qual será a posição comum
europeia em termos regulatórios antes de dar os próximos passos.
5G AFETA "SEGURANÇA, INOVAÇÃO E CRESCIMENTO"
Na semana em que os recuos da China nas conversações
comerciais levaram o Presidente norte-americano a anunciar o agravamento de
tarifas aplicadas a produtos oriundos daquele país asiático, o representante de
Trump em Portugal nega que, tal como sugere Pequim, haja questões de
concorrência a opor os EUA e a China na questão do 5G. E insiste na tónica da
segurança nacional e no risco de o Ocidente ficar para trás em termos de
inovação durante duas décadas. “Isso para mim é um crime, apenas um crime. Não
são apenas os assuntos de segurança. É inovação, crescimento, é tudo.”
O "incómodo" com o que diz ser o modus operandi da
China - reunindo, apoiando e subsidiando entidades estatais nos negócios
internacionais - é assumido: "Não operamos [EUA] dessa forma. Somos
empresas privadas, não subsidiamos as companhias." E sublinha a pressa com
que as entidades chinesas parecem agir na questão do 5G, ao tentar convencer os
países europeus a não esperar pela tecnologia ocidental. "Porquê? Porque
ainda não há regulação contra isso. Essa urgência não é nada chinesa, é
contrário à forma deles agirem. E para mim, se estão a impor-se para serem os
primeiros a chegar ao mercado, isso não é bom. Não significa que o produto seja
bom."
O embaixador considerou ainda “muito justa” a declaração de
Marcelo Rebelo de Sousa que, durante a visita recente à China, defendeu que
Portugal “é livre de escolher quem melhor cumprir as regras e quem estiver em
condições de ser escolhido". “Mas o que não foi referido,” diz Glass, “foi
que o 5G é um assunto de segurança nacional. Isso é muito importante. A
segurança nacional não é barata, não é fácil, mas é preciso fazer o melhor,” argumentou.
Notícia atualizada às 11:38 de 9 de maio
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