“Na porta do elevador foi afixado um papel, manuscrito e
apenas em inglês”
Pois … os autênticos habitantes de Lisboa, os Lisboetas, agora
reduzidos ao papel de actores decorativos no grande Parque de Diversões, já não
contam …
OVOODOCORVO
Elevador que liga Rua do Carmo aos Terraços do Carmo parado
há quatro meses por “utilização indevida”
Sofia Cristino
Texto
Paula Ferreira
1 Maio, 2019
O acesso aos Terraços do Carmo através da Rua do Carmo pode
ser feito de elevador, mas o equipamento está avariado desde Janeiro. Para
chegar às traseiras das ruínas do Carmo – onde se encontra uma zona de lazer
projectada pelo arquitecto Siza Vieira – a partir da Rua do Carmo, é preciso
subir vários lances de escadas. Durante o período em que esteve em
funcionamento, o elevador avariava pelo menos três vezes por semana e algumas
pessoas ficaram fechadas lá dentro mais de uma hora. O botão de emergência do equipamento
também não funcionou várias vezes, causando ainda mais pânico a quem ficava
preso. Na porta do elevador foi afixado um papel onde pode ler-se que o
equipamento “está fora de serviço por tempo indeterminado, por ordem da Câmara
Municipal de Lisboa (CML), por razões de segurança”. A autarquia garante que a
reparação ocorrerá dentro de duas semanas e que a avaria se deve a “utilização
indevida”.
Há pelo menos três meses que Vinício sobe as escadas que
ligam a Rua do Carmo aos Terraços do Carmo carregado com sacos de gelo aos
ombros. “É muito cansativo, tenho dez quilos em cada braço”, queixa-se. Em
sentido contrário, todas as semanas, um funcionário da Junta de Freguesia de
Santa Maria Maior desce os lances de escadas com dois caixotes de lixo. O
trajecto penoso poderia ser evitado se o elevador do Carmo – cujo acesso é
feito através do interior de uma loja de propriedade municipal na Rua do Carmo
– estivesse a funcionar. Mas está avariado desde o início deste ano. Aos
Terraços do Carmo, neste momento, só é possível chegar através de escadas,
ainda menos convidativas para pessoas com mobilidade reduzida. No número 69 da
Rua do Carmo, há um Alojamento Local (AL) com elevador privado, que faz
exactamente o mesmo trajecto do ascensor público, mas está apenas disponível
para os clientes do AL.
Segundo uma comerciante da Rua do Carmo, que preferiu manter
o anonimato, “o elevador avariava pelo menos três vezes por semana e algumas
pessoas chegaram a ficar presas mais de uma hora”. O botão de emergência do
elevador também não funcionou várias vezes, “causando ainda mais pânico a quem
ficava preso naquele equipamento”, assegura. “A câmara de Lisboa chegou a
dizer-nos que faltava uma peça ao elevador, mas deve ser um problema mais
grave, para estarem a demorar tanto tempo a arranjar”, comenta ainda a lojista.
Na porta do elevador foi afixado um papel, manuscrito e
apenas em inglês, onde se pode ler que o equipamento “está fora de serviço por
tempo indeterminado, por ordem da Câmara Municipal de Lisboa (CML), por razões
de segurança. “Pedimos desculpa por algum incómodo causado”, lê-se ainda. A
funcionária da loja, onde se acede ao elevador, assiste, desde Janeiro, às constantes
avarias do equipamento, mas recusou-se a tecer comentários sobre o assunto a O
Corvo. Lá em cima, nas traseiras das ruínas do Convento do Carmo, numa área
requalificada há pouco mais de três anos, vários turistas descansam em
espreguiçadeiras colocadas numa zona relvada, indiferentes à paragem do
equipamento. Alguns passam e olham surpreendidos para o elevador parado, mas a
mensagem afixada é clara e a vista sobre o Castelo de São Jorge fá-los
prosseguir caminho sem questionarem o motivo da avaria.
O equipamento, gerido pela Câmara de Lisboa, é gratuito e
funciona como alternativa ao icónico Elevador de Santa Justa, de 1902 – do
outro lado da rua -, para quem queira chegar mais rapidamente ao Largo do
Carmo. Foi o último de vários elevadores da cidade a ser concluído – como os da
Rua dos Fanqueiros e do Mercado do Chão do Loureiro, os quais permitem a
ligação ao Castelo a partir da Baixa, ou o de Santa Luzia, em Alfama. Neste
caso, no âmbito de uma operação de reabilitação urbana realizada naquela zona,
com projecto de Siza Vieira, na sequência da destruição causada pelo incêndio
do Chiado, ocorrido a 25 de Agosto de 1988.
A requalificação das
traseiras das ruínas do Convento do Carmo e a criação de uma ligação entre o
Chiado e o Largo do Carmo, concluídas em Junho de 2015, eram obras muito
ansiadas. Além da criação de um novo espaço de lazer, os Terraços do Carmo, um
dos grandes objectivos desta intervenção era melhorar a acessibilidade nesta
zona da cidade, possibilitando o acesso directo entre a parte inferior da Rua
Garret e o Elevador de Santa Justa, as ruínas do Convento do Carmo e o Largo do
Carmo. O caminho mais curto pouparia os moradores e visitantes da cidade a uma
subida da íngreme Calçada do Sacramento, vencendo-se “o desnível topográfico
existente entre a plataforma do ‘Pátio B’ e o portal Sul do Convento do Carmo,
articulando os espaços de forma integrada, aliando a valorização patrimonial
deste local à criação de um espaço público de lazer nos Terraços do Carmo como
prolongamento natural do percurso pedonal”, lia-se no anúncio camarário que
dava conta do projecto na altura.
O processo de
requalificação, integrado no Plano de Pormenor de Recuperação da Zona
Sinistrada do Chiado, foi complexo. Quando a obra foi lançada, previa-se que a
mesma estivesse terminada no início de 2014, mas houve várias paragens nos
trabalhos, iniciados em Julho de 2013. Os atrasos foram-se acumulando,
sobretudo e numa primeira fase, em consequência dos vestígios arqueológicos
encontrados. Em Setembro de 2014, a chuva levou, várias vezes, à paragem das
escavações arqueológicas, que deixaram a descoberto, pela primeira vez desde a
sua construção, as fundações do Convento do Carmo, assim como vários artefactos
e ossadas, com cronologias entre os séculos XIV e XX. Para suportar alguns dos
achados, o arquitecto Siza Vieira teve de repensar o plano inicial e
redesenhá-lo. Os problemas financeiros do empreiteiro, a Construções Europa
Ar-Lindo, e a instabilidade dos terrenos envolventes ao Convento do Carmo, onde
se situa agora a nova zona de lazer, foram outras das causas apontadas para a
demora da intervenção.
O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior,
Miguel Coelho (PS), garante não ter recebido queixas sobre a avaria do elevador
e admite nem ter conhecimento da mesma. O gabinete de comunicação da Câmara
Municipal de Lisboa diz que o elevador do Carmo está avariado “devido a
utilização indevida, alheia à Câmara de Lisboa”. “Após ser alertada para a
situação, a autarquia lançou um procedimento fora do contrato de manutenção que
tem (e que é total) pelo facto de a avaria resultar de um mau uso do
equipamento. Prevê-se que a reparação ocorra dentro de duas semanas”, garante
em resposta escrita. O município não respondeu, porém, porque a avaria
permanece desde Janeiro, nem qual a razão da demora na resolução do problema. O
Corvo enviou ainda perguntas à Schindler, marca do elevador, para perceber os
motivos da avaria e quantas vezes terão ocorrido ao local para libertar pessoas
presas neste equipamento, mas até ao momento da publicação deste artigo não
chegaram respostas.
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