Pássaros são sugados por máquinas durante a apanha noturna de azeitona. Quase cem mil podem estar em risco. Em Espanha já morreram mais de 2,5 milhões de aves
Como milhares de aves estão a morrer no Alentejo
24.02.2019 às 11h41
Pássaros são sugados por máquinas durante a apanha noturna
de azeitona. Quase cem mil podem estar em risco. Em Espanha já morreram mais de
2,5 milhões de aves
CARLA TOMÁS
Pelo menos 480 pássaros morreram aspirados por máquinas
durante a apanha noturna de azeitona em áreas de olival superintensivo no
Alentejo, em dezembro e janeiro. Esta é a constatação do Instituto da Conservação
da Natureza e das Florestas (ICNF) com base na fiscalização feita a 25 cargas
de azeitona colhidas em 75 hectares na zona de Avis. Nas contas do ICNF dá “uma
média de 6,4 aves mortas por hectare”. Se extrapolarmos para os 15 mil hectares
de olival superintensivo existentes, pode indiciar a mortandade anual de mais
de 96 mil aves.
Quando as máquinas de apanha começam a trabalhar à noite,
durante o período de repouso das aves, o ruído e a iluminação dos aparelhos
cegam os pássaros, que ficam incapazes de fugir e acabam por ser sugados em
grande número. Na Andaluzia, as autoridades já admitiram que poderão ter sido
dizimadas "cerca de 2,6 milhões de aves".
O presidente do ICNF considera que os números de aves mortas
no Alentejo “não são estatisticamente relevantes para determinar já a proibição
da apanha noturna”. Segundo o responsável, “é necessário reforçar a amostragem
na próxima época de colheita, entre outubro e janeiro” e só depois “se podem
tomar medidas mais drásticas”. Por agora, limita-se a aconselhar os operadores
a “fazerem o espantamento de aves”.
A Quercus e a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
(SPEA) exigem a proibição da apanha noturna. “A Diretiva Aves diz que não devem
ser alvo de distúrbio no período de repouso”, explica Domingos Leitão, da SPEA.
E lembra que “se espantarem as aves de uma fileira de oliveiras elas voam para
outra, além de que a Diretiva Aves diz que não devem ser alvo de distúrbio no
período de repouso”.
“Quando são detetados impactos negativos como estes, as
autoridades devem agir rapidamente e em conformidade. Estamos a falar de
centenas de milhares de aves mortas”, reforça Nuno Sequeira, dirigente da
Quercus, lamentando “a falta de regulamentação que permite a mortandade das
aves e outros impactes ambientais, como a erosão e contaminação do solo e a
poluição de aquíferos com químicos de síntese usados na agricultura intensiva e
superintensiva”.
A GNR já levantou “um auto de notícia por crime de danos
contra a natureza”, que pune com pena até cinco anos “quem eliminar exemplares
de fauna ou flora em número significativo”. O Ministério da Agricultura diz
nada saber do assunto e explica que só “é responsável pelas ações de controlo
das áreas que recebem ajudas diretas no âmbito da PAC, independentemente da
cultura” ou de “projetos de investimento apoiados no âmbito dos fundos
comunitários”, não lhe competindo “outras ações de fiscalização”.
Aves são sugadas pelas máquinas na recolha durante a noite e
depois são vendidas nos restaurantes. Quercus e BE já questionaram Governo
sobre situação semelhante em Portugal.
Carlos Dias 22 de Dezembro de 2018, 8:00
O alerta chegou da Junta Autónoma de Andaluzia. Durante a
noite, máquinas utilizadas na recolha de azeitona nos olivais superintensivos,
estão a dizimar milhões de aves que chegam, nesta altura do ano, ao sudoeste da
Península Ibérica para passar o Inverno ou que por cá passam em viagem para o
continente africano.
A Concelhia do Meio Ambiente e Ordenamento do Território
(CMAOT), o Serviço de Protecção da Natureza da Guardia Civil e a federação
ambientalista Ecologistas em Acção fizeram chegar à junta autónoma, informações
“preocupantes” sobre a mortandade de aves. Em causa estão 17 espécies
migratórias na sua maioria protegidas pela legislação autonómica, nacional e
comunitária, ameaçadas pela recolha mecânica de azeitona, destacando-se a
toutinegra-cabeça-preta, a felosa-das-figueiras, a felosa-ibérica, a
felosa-comum, a felosa-musical, o verdelhão, o pintassilgo, o pintarroxo, a
alvéola-branca, a alvéola-cinzenta e a alvéola-amarela.
Dada a pertinência dos dados que chegavam à junta autónoma,
a entidade ordenou que a CMAOT confirmasse a veracidade das informações que
chegavam e que faziam referência à morte de um elevado número de aves. Após os
inquéritos realizados, “concluiu-se que existe um problema de natureza
ambiental”, resultante da colheita do olival sob regime superintensivo. É um
problema “real, actual, com sérias repercussões ambientais, que transcendem os
limites geográficos da Andaluzia e do país, afectando os valores ambientais de
vários países da União Europeia”, sublinha o relatório divulgado pela junta
autónoma.
Nesta altura do ano, chegam à Andaluzia e a outras regiões
do sudoeste peninsular várias espécies de aves oriundas de França, Holanda,
Bélgica, Alemanha e Escandinávia e em menor número do Reino Unido e países
bálticos. Umas refugiam-se em bosques e sebes, para passar o Inverno, enquanto
outras seguem para o continente africano.
Os olivais superintensivos são um dos locais escolhidos por
oferecerem uma vegetação compacta, por serem formados com variedades de
oliveira de pequena dimensão, dispostas simetricamente com uma densidade que
pode chegar às 2000 árvores por hectare.
Iluminação "cega os pássaros"
Quando as máquinas entram em acção, no período nocturno, o
elevado ruído e a forte iluminação das mesmas “cega os pássaros” inibindo-os de
fugir. O resultado “é a mortandade provocada por sucção com uma magnitude que é
preocupante”, sublinha o documento.
Desde Novembro, mês em que arrancou a actual campanha de
recolha de azeitona, que “ as taxas de mortalidade das aves, são
insustentáveis, em termos ambientais” precisamente quando“ estão mais
vulneráveis”, acrescenta o relatório. Contas feitas, em média, podem morrer
cerca de uma centena de pássaros por hectare. Fazendo a multiplicação por cerca
de 21 mil hectares de área ocupada na Andaluzia com olival superintensivo, a
Junta de Andaluzia admite que poderão ser dizimadas “cerca de 2,6 milhões de
aves” especialmente nas províncias de Sevilha, Córdoba e Jaén.
Esta situação surge associada a um “grave” problema de saúde
pública. No decorrer da investigação à morte das aves, “tanto a Guardia Civil
como a CMAOT” observaram que parte das aves são vendidas pelos operadores
envolvidos na recolha de azeitona, nos restaurantes de vilas e aldeias para
serem consumidas. É uma prática que as autoridades andaluzas consideram
“ilícita” por carecer das garantias sanitárias de salvaguarda da saúde pública.
A Junta de Andaluzia decidiu proibir as campanhas nocturnas
de recolha de azeitona nos olivais superintensivos, alegando que não respeitam
a legislação regional, nacional e comunitária, nomeadamente a Directiva de Aves
2009/147/CE do Parlamento Europeu, relativa à preservação das aves silvestres.
A denúncia das autoridades andaluzas teve reflexo imediato
nas redes sociais, com destaque para a página no Facebook da Sociedade
Portuguesa de Entomologia, na qual foram publicadas denúncias sobre a morte de
pássaros nos olivais superintensivos alentejanos, durante a noite, em Ferreira
do Alentejo, Portel e Viana do Alentejo.
José Pereira, apicultor e residente em Ferreira do Alentejo,
contou ao PÚBLICO que a morte de pássaros na apanha da azeitona nos grandes
olivais do concelho é tema de conversa nos cafés da localidade.
“Andam 3 e 4 máquinas, umas ao lado das outras, a fazer a
colheita” e quando as azeitonas chegam aos lagares, (em Ferreira do Alentejo há
5) “é que se vêm os pássaros mortos” diz o apicultor.
A Quercus já alertou o Serviço de Protecção da Natureza e do
Ambiente (SEPNA) da GNR e o Ministério da Agricultura dando conta das
informações que estavam a ser veiculadas nas redes sociais relatando a morte de
aves “na extracção mecânica em olivais superintensivos do Baixo Alentejo”.
Relatos indignam habitantes
Também o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda endereçou um
requerimento ao Governo, através do Ministério do Ambiente e da Transição
Energética, questionando-o sobre os impactos ambientais e ecológicos que a colheita
nocturna de azeitona estava a ter sobre as aves migratórias. O deputado do BE,
Pedro Soares, revelou ao PÚBLICO que em Canhestros, freguesia do concelho de
Ferreira do Alentejo, “há relatos de autêntica chacina” que está a indignar os
habitantes. Todas as noites são retirados “sacos de aves das cubas onde são
colocadas as azeitonas colhidas”, diz.
Pedro Soares diz ter contactado “várias pessoas” que lhe
confirmaram o “crime” nos olivais alentejanos e pergunta se o Governo pondera
“intervir urgentemente” para impedir que se continue a proceder à colheita
mecanizada nocturna nas plantações de olival intensivo.
Ao PÚBLICO, a Associação de Olivicultores do Sul (Olivum)
garantiu desconhecer a existência de situações semelhantes à que foi reportada
pelo BE acrescentando que a apanha nocturna de azeitona “não é prática comum”
dos seus associados. E disse ter questionado os olivicultores sobre a eventual
morte de pássaros durante o processo de recolha mecânica, mas a resposta “foi
unanimemente negativa”.
Já o Ministério da Agricultura disse ao PÚBLICO que tem
conhecimento das informações sobre o relatório que foi divulgado pela Junta
Autónoma de Andaluzia, salientado que a apanha nocturna de azeitona “não é uma
prática usual em Portugal” mas que pode ocorrer “excepcionalmente”. A tutela
salienta não ter conhecimento de que a apanha mecânica “provoque morte de
aves”. Contudo, por se tratar “de matéria da conservação da natureza tutelada
por outro ministério, o Ministério da Agricultura está a recolher informações
adicionais sobre esta matéria.
Sem comentários:
Enviar um comentário