Para melhor resistirem à onda turística, bairros típicos de
Lisboa não podem oferecer só dormida e restauração
Samuel Alemão
Texto
8 Maio, 2019
Apesar de reconhecerem que a actividade trouxe inegáveis
benefícios económicos para a cidade, os deputados municipais da capital pedem à
Câmara de Lisboa que refreie os excessos e tome medidas para criar um
equilíbrio. “Cabe aos responsáveis políticos ter visão, ambição e determinação
de assumir as dificuldades e transformá-las em oportunidades”, diz Carla
Madeira (PS), presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, onde se situam
bairros como Bica, Santa Catarina, Cais do Sodré e Bairro Alto. Numa
recomendação resultante das conclusões do debate temático “O impacto do Turismo
na cidade de Lisboa”, organizado pela Assembleia Municipal, em Novembro
passado, fala-se na necessidade de se evitar uma excessiva especialização
comercial dos bairros mais procurados por quem nos visita. Mas também em
direccionar os fluxos turísticos para zonas menos óbvias da cidade e garantir
que a população é defendida desta pressão.
A indicação é clara: a capital portuguesa tem beneficiado
enormemente da demanda turística de que tem sido alvo, nos últimos anos, mas a
forma pouco atenta e lenta como as autoridades e os decisores políticos têm
lidado com os efeitos negativos daí surgidos está a causar problemas que
ameaçam ofuscar os benefícios. A mensagem é deixada pelos membros da Assembleia
Municipal de Lisboa (AML), que na sessão plenária desta terça-feira (7 de Maio)
aprovaram uma extensa recomendação à autarquia liderada por Fernando Medina
(PS), pedindo à Câmara Municipal de Lisboa (CML) que tome medidas para inverter
o actual rumo. Da lista de coisas a fazer, resultante da análise que os
deputados municipais realizaram ao debate temático sobre o “O impacto do
Turismo na cidade de Lisboa”, ocorrido na assembleia, a 13 e 27 de Novembro de
2018, destacam-se a necessidade dirigir o fluxo turístico das áreas já
saturadas para zonas menos procuradas, mas também a de acautelar a preservação
da diversidade comercial dos bairros, evitando assim que se rendam à
hiperespecialização nesta actividade.
Este aspecto é, aliás, salientado logo no primeiro dos 16
pontos da recomendação aprovada com largo consenso pelos membros daquele órgão
autárquico. “Os bairros de Lisboa devem ter uma oferta diversificada, de acordo
com a sua identidade, que não deve ser perdida, pelo que, para além da dormida
e restauração, há que potenciar as compras e o comércio tradicional,
preservando a caracterização das lojas e capitalizando as mais valias, devendo
a CML apostar numa visão estratégica para a cidade de Lisboa, que continue a
desenvolver uma forte aposta nos segmentos e nichos de maior oportunidade para
cidade, e na melhoria das informações e divulgação da oferta turística”,
pede-se no ponto inicial, que apenas mereceu a abstenção do PCP. Os comunistas
foram, aliás, os únicos a destoar do tom quase unânime da recomendação, optando
por se absterem ou votarem contra alguns dos pontos da mesma. De entre eles
conta-se aquele que pede a “criação de novas centralidades turísticas,
culturais e de comércio de proximidade”.
Há que fazer esforço para diversificar o género de comércio
em áreas procuradas pelos turistas, pede Assembleia Municipal de Lisboa
A necessidade de redistribuir por diferentes áreas de
actividade económica e zonas da cidade o peso e o impacto dos fluxos turísticos
domina, de resto, todo o documento, reflectindo assim o sentimento geral saído
das duas sessões do debate temático organizado pela AML. Uma premissa
salientada por Carla Madeira (PS), presidente da Junta de Freguesia da
Misericórdia, uma das áreas da cidade que mais tem sentido os impactos de
fenómeno, em bairros como a Bica, o Cais do Sodré, Santa Catarina e o Bairro
Alto. “O turismo tem impactos negativos muito complexos, mas cabe aos
responsáveis políticos e titulares dos cargos públicos ter a visão, a ambição e
a determinação de assumir as dificuldades e transformá-las em oportunidades”,
afirmou a autarca na sessão plenária, não deixando de sublinhar os níveis de
riqueza e a criação de emprego entretanto trazidos por esta actividade. A
representante da força política com mais eleitos na assembleia municipal
admitiu, porém, os imensos e diversificados constrangimentos trazidos pela
pressão desmesurada do turismo. Por isso, pediu à CML que tome medidas para
promover o “equilíbrio, o desenvolvimento e a sustentabilidade”, ajudando a
promover a qualidade de vida dos lisboetas.
Nessa linha de pensamento, a recomendação aprovada ontem
pela AML pauta-se pela necessidade de serem encontradas soluções que fomentem o
desejado equilíbrio. Ou seja, que os óbvios benefícios financeiros do turismo
cheguem a um espectro mais alargado de gente dentro da comunidade, ao mesmo
tempo que se tenta proteger os elementos mais expostos aos efeitos negativos
nascidos da pressão do mercado. Razão para se considerar, por exemplo, que,
“nos bairros com maior vida comunitária, devem ser encontradas medidas que
preservem a identidade e a vontade dos habitantes locais que perderam a
habitação, com a criação de unidades de habitação para idosos com apoio
domiciliário, a desenvolver com diversas instituições”. Sugere-se também à CML
que crie projectos que “promovam a intergeracionalidade, incluindo, habitação
partilhada entre estudantes e idosos, reaproveitando e rentabilizando os
espaços habitacionais”.
E se os deputados municipais da capital temem os efeitos
perversos de uma exagerada especialização económica na satisfação das mais
elementares necessidades de quem nos visita – sobretudo através da restauração
e do alojamento -, não deixam de pensar nos benefícios de uma redistribuição
dos focos da sua atenção. Razão pela qual pedem que seja criado um roteiro das
‘Lojas com História’, a distribuir nos postos de turismo, e que Associação de
Turismo de Lisboa (ATL) direccione também os seus percursos e sugestões online para
o comércio tradicional, mostrando o que existe em Lisboa. “O Terminal dos
Cruzeiros deve ter um papel no desenvolvimento do comércio local, através da
divulgação da informação do comércio das ‘Lojas com História’”, lê-se na
recomendação da assembleia municipal – recentemente, uma reportagem d’O Corvo
dava conta das queixas dos comerciantes das zonas de Santa Engrácia, Rua do
Vale de Santo António e Beato, lamentando não receberem a visita de turistas,
apesar de se encontrarem localizados próximo do terminal.
Ao falarem na
necessidade de serem criadas novas centralidades turísticas, culturais e de
comércio de proximidade, os membros da assembleia municipal acreditam ser
possível chamar a atenção para outros locais de Lisboa, além dos óbvios. Razão
pela qual falam em “alargar os percursos turísticos às freguesias da coroa
periférica, mediante divulgação da identificação dos respectivos núcleos de
interesse histórico, museológico e espaços públicos com interesse patrimonial”,
num trabalho que deve ser feito em articulação entre a CML, a Associação de
Turismo de Lisboa, as Juntas de Freguesia e outras instituições. Uma ideia que
foi abertamente defendida, na sessão plenária desta terça-feira, pela deputada
Margarida Penedo (CDS-PP). “Pode-se mostrar aos turistas que existem outros
pontos de interesse, retirando a pressão à zona de Belém e Baixa Pombalina”,
afirmou, sugerindo que se passe a valorizar “as quintas da zona Norte” da
cidade, a arte sacra ou monumentos e estatuária não devidamente valorizados, como
a existente na rotunda de Entrecampos.
O documento ontem aprovado também deixou indicações à CML
para que passe a ter em conta o conceito de capacidade de carga turística – em
referência ao número máximo de pessoas que podem visitar-nos, sem afectar a
comunidade –, não só no que se refere ao ordenamento da própria actividade como
do planeamento urbanístico mais lato. Um dos pontos é, aliás, claro nesse
propósito: “Pensar o turismo de um ponto de vista estratégico, minimizando-se
os efeitos no planeamento urbanístico da cidade, nas políticas de habitação,
nas intervenções em espaço público e também na economia nacional”. Uma
exigência mais em linha com as reivindicações apresentadas pelos deputados das
forças de esquerda na AML – em particular PCP, PEV e Bloco de Esquerda – , que denunciaram os efeitos da
especulação imobiliária, da turistificação e da gentrificação na “expulsão de
milhares de pessoas” da cidade. Mas também o PSD não deixou de criticar o que
considerou serem as “falhas da Câmara de Lisboa” na regulação, lamentando Luís
Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, o “atraso” na criação do
regulamento para o Alojamento Local.
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