Uma história que nos empobreceu e nos
envergonha
Manuel Carvalho
16 de agosto de 2017, 6:30
https://www.publico.pt/…/uma-historia-que-nos-empobreceu-e-…
A crónica da morte anunciada da PT é muito mais do que o
relato de uma falência ou a história de uma companhia que correu mal. É
principalmente uma crónica de costumes. Uma novela, onde a patifaria, a falta
de escrúpulos e o perfume da corrupção atravessa diferentes elites do poder
económico e do poder político para se abater sobre um país afundado numa grave
crise financeira e moral. Tanto como os danos resultantes da destruição de uma
empresa inovadora que poderia servir de baluarte à modernização e à
internacionalização da economia nacional, a história sórdida da agonia da PT e
as movimentações crápulas da maioria dos seus principais dirigentes deixa em
Portugal e nos portugueses uma sensação de vulnerabilidade que só o sistema
judicial poderá um dia resgatar.
Há muito se sabia que o capitalismo português não passava de
um libreto de uma ópera cómica. Há muito que se suspeitava que as teias
relacionais entre as elites financeiras da capital e o poder político tinham
criado um sistema que se defendia e se perpetuava em relações conspícuas.
Durante a tenebrosa era de José Sócrates, essas redes viveram no ambiente ideal
para prosperar e perder qualquer laivo de vergonha. O alto patrocínio de São
Bento foi para Ricardo Salgado e os seus sequazes mais do que uma autorização:
foi um incentivo para que a PT fosse transformada num cadáver onde os abutres
pudessem saciar as suas necessidades financeiras.
Tudo aconteceu sem que os reguladores vissem, sem que altos
quadros da PT denunciassem, sem que a imprensa se empenhasse em perceber, sem
que as instâncias judiciais fossem capazes de antecipar o que estava em jogo. O
falhanço da PT, sendo consequência de uma cultura irresponsável, é também o
falhanço do país que fomos nesses anos perdidos da primeira década do século.
Perdida a glória da PT, encaixada a destruição de valor,
resta exigir que a Justiça faça o seu caminho. Resta também desenvolver
mecanismos de vigilância que evitem a repetição de uma vergonha assim. Se houve
um mérito no período de ajustamento foi o de trazer para a luz do dia a
venalidade e velhacaria que se cultivavam entre os donos disto tudo. Hoje já
não há empresas como a PT para extorquir. Esperemos que a denúncia de
investigações jornalísticas como a da Cristina Ferreira ou a punição judicial
sejam capazes de travar por muitos anos a germinação de redes como as que
arrasaram a PT.
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