O La Gondola, restaurante
"irrepetível" de Lisboa, fecha esta semana
Há dois anos que este dia está para
chegar: o emblemático espaço da Av. Berna despede-se da capital. Montepio, que
é o dono do terreno, quer ali construir um edifício de escritórios. Há uma
petição para tentar salvar o restaurante.
JOÃO PEDRO PINCHA 31 de Julho de 2017, 22:06
Lá fora chove – eis uma frase atípica para o último dia de
Julho em Lisboa. Mas é mesmo assim: lá fora chove, cá dentro é outro mundo. A
grande buganvília do pátio, entrelaçada com uma roseira que se estende até à
portinhola, as glicínias verdejantes e a ameixoeira já sem fruto criam uma
atmosfera pouco comum, imune aos humores do tempo e à vida da cidade.
É a esplanada do La Gondola, restaurante da Avenida de
Berna, acarinhado por sucessivas gerações de lisboetas, que teve nas cozinhas
italiana e portuguesa a base da sua fama. O La Gondola fecha ao público no
próximo domingo, 6 de Agosto. O terreno onde se encontra o restaurante pertence
ao Montepio, que vai demolir a moradia branca de janelas amarelas para
construir um edifício de escritórios.
A dona do espaço há cerca de vinte anos é Júlia Ribeiro, que
lamenta este desfecho. “Isto faz parte do nosso colectivo emocional. É
irrepetível”, diz, já no fim da conversa, quando se levanta a hipótese de
continuar o projecto noutro local. O La Gondola é um restaurante, sim, mas é
mais do que isso. “Não é apenas um refúgio, é um estado de espírito”, como
certa vez escreveu um crítico gastronómico mistério na revista Sábado, que
afinal é cliente assíduo da casa. “Procurei um espaço com estas
características, não apareceu. E o que apareceu foi a preços incomportáveis”,
explica Júlia Ribeiro, sentada a uma mesa daquela esplanada, onde quase se
esquece o incessante barulho dos carros a passar.
O destino do La Gondola está escrito há vários anos. Em
Julho de 2015, a Câmara Municipal de Lisboa e o Montepio chegaram a acordo para
finalmente resolver um diferendo que se arrastava desde meados dos anos 80. Por
permuta, a câmara recebeu duas parcelas na Praça de Espanha e a associação
mutualista ficou dona de um terreno entre a Avenida de Berna e a Avenida Santos
Dumont. É aí que fica o restaurante, numa casa arrendada à câmara desde 1951.
No contrato de permuta estabelecia-se que, apesar de os
terrenos passarem imediatamente para a posse do Montepio, era à autarquia que
cabia negociar o fim do contrato de arrendamento com Júlia Ribeiro. E, além
disso, garantir “a efectiva desocupação do edifício de pessoas e bens até 31 de
Dezembro de 2016”. Caso tal não acontecesse, dispunha o acordo, o município
ficava “obrigado ao ressarcimento” do Montepio com “uma importância pecuniária”
a rondar os 700 mil euros.
É Agosto de 2017 e ainda não houve a “efectiva desocupação
do edifício de pessoas e bens” que devia ter acontecido até ao fim do ano
passado. O PÚBLICO tentou, por isso, obter esclarecimentos junto da câmara e do
Montepio. No início de Junho, o gabinete de comunicação da autarquia confirmou
que foi o município a “negociar o acordo de revogação” com o La Gondola e que
“o fez até 31 de Dezembro de 2016”. Informou igualmente que, apesar disto,
ficou acordado “que seria o Montepio a articular os tempos de saída” do
restaurante. Por fim, esclareceu que, tal como previa a cláusula do
ressarcimento, a câmara já tinha pago um montante ao Montepio.
Na mesma altura, também a associação mutualista confirmou
esse pagamento. O PÚBLICO perguntou então a ambas as entidades quanto é que a
câmara tinha, de facto, pago. Mas, e apesar de várias insistências, as
respostas não chegaram até ao fecho desta edição.
No terreno entre a Avenida de Berna e a Santos Dumont, onde
actualmente está o La Gondola, vai ser construído um “edifício para serviços”,
respondeu o gabinete de comunicação do Montepio em Junho – não confirmando, embora
o PÚBLICO tenha perguntado, se o dito edifício se destinava a albergar a sede
do banco e da companhia de seguros Lusitânia, como era intenção inicial.
“Negociei com a
câmara e o Montepio a minha saída, para entregar a casa no fim de Agosto, com o
reconhecimento verbal e escrito de que seria para construírem aqui a sede do
Montepio”, diz Júlia Ribeiro, enquanto o sol já vai despontando por entre as
ramagens. “Se isso não se cumprir, penso que a principal premissa do acordo cai
por terra”, afirma a empresária, deixando em aberto a possibilidade de tomar
outras acções mais tarde, caso se justifique.
Está entretanto a correr na internet uma petição contra a
demolição da casa que o restaurante ocupa. Os peticionários – cerca de 1.300 ao
fim da tarde desta segunda-feira – dizem que está em causa “a perda de
identidade de Lisboa”, dado que este prédio chegou “solitária e praticamente
inalterado” aos nossos dias, o que não aconteceu com centenas de outros da
mesma época (início do século XX). Além disso, argumenta-se, o La Gondola
“constitui uma loja com reconhecidas tradições, memória histórica e
longevidade, que configura um candidato concreto e assertivo ao programa Lojas
com História”. Os peticionários pedem que o restaurante seja incluído nesse
programa, que determina a protecção patrimonial de espaços comerciais
emblemáticos da cidade.
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