A lei protege os azulejos mas há quem
os continue a vender
Alteração à lei passou a proteger
todas as fachadas azulejadas do país, uma medida há muito desejada por grupos
de defesa do património. Mas a luta destes grupos continua: há que regular a
venda de azulejos antigos e proteger também os interiores.
João Pedro Pincha
JOÃO PEDRO PINCHA 23 de agosto de 2017, 8:03
A Feira da Ladra só fecha às seis, mas antes das cinco já é
hora de começar a arrumar a trouxa. Os comerciantes vão embrulhando lentamente
as porcelanas em folhas de jornal, os discos em capas plásticas e os livros em
caixas de cartão. Os azulejos, dispostos sobre toalhas e tapetes ou enfiados em
caixas de fruta, vão ficando para o fim. São mais pesados do que a maioria das
bugigangas que por ali se vendem e sempre se pode dar o caso de aparecer algum
cliente de última hora.
Nesta feira lisboeta, que todas as terças e sábados se
instala no Campo de Santa Clara, há muitos anos que se vendem azulejos. Uns são
os típicos azuis e brancos portugueses, mostram pedaços de figuras que nos
deixam a imaginar se pertenceriam a painéis com cenas campestres, de caça ou da
vida de santos. Outros são mais coloridos: verdes, castanhos, azuis e amarelos
convivem pacificamente em mosaicos que se percebe logo terem saído de uma
qualquer fachada de prédio.
“Isto é uma coisa que os estrangeiros não têm lá na terra
deles e gostam sempre de levar”, confidencia-nos uma comerciante, sem se
identificar. Uma mulher italiana e as duas filhas andam em redor de uma caixa a
escolher um azulejo que sirva de recordação da passagem por Lisboa. Noutra
banca, dizem, prometeram vender-lhes quatro azulejos por cinco euros se
regressassem no sábado. Aqui não se deixam ir na conversa: cinco euros por cada
azulejo ou nada feito.
É o preço praticado por quase todos os feirantes. Os
azulejos mais baratos custam três euros, há outros a quatro, a maioria é a
cinco. Alguns, cuja representação vive sozinha – um caçador a cavalo pintado a
azul, por exemplo – podem custar 12 euros. Mas, geralmente, consegue-se um
“preço de amigo” para os mosaicos mais simples: por 15 euros levam-se quatro
azulejos e não se fala mais nisso. “Se não fossem os estrangeiros nem se vendia
nada disto”, acrescenta a mesma vendedora.
É por causa desta apetência de alguns turistas, que em vez
de levarem um íman para o frigorífico preferem um souvenir mais typical, que
continuam a ser roubados azulejos de muitas fachadas lisboetas e não só. Por
outro lado, muitos prédios são reabilitados com demolição integral do seu
interior, onde muitas vezes se esconde um tesouro azulejar ainda mais
impressionante que os das fachadas.
Em Lisboa, desde 2013 que é proibido demolir edifícios com
fachadas revestidas a azulejos – embora esta regra possa ser contornada. Essa
proibição, bem como a de remover os pequenos mosaicos durante obras de
reabilitação, estendeu-se agora a todo o país, através de uma revisão do Regime
Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) que era há muito desejada por
grupos de defesa do património. Em comunicado, os responsáveis do projecto SOS
Azulejo, que funciona na dependência da Polícia Judiciária e que propôs a alteração
legislativa, afirmam que esta “lei vem estancar a tendência destrutiva dos
últimos 30 anos, que fez desaparecer — por via legal — centenas, senão milhares
de edificações azulejadas em todo o país”.
“Estamos todos de parabéns!”, começava o comunicado. Ainda
assim, a luta continua. O SOS Azulejo quer agora que “limitar e controlar a
venda de azulejos antigos”, como a que se faz na Feira da Ladra, lojas de
antiguidades e outras feiras de velharias pelo país. Os mosaicos colocados no
interior dos edifícios continuam também relativamente desprotegidos.
Ovar cria incentivos à recuperação de azulejos
Lisboa tem, desde 2016, um banco municipal do azulejo que
contava, em Abril deste ano, com 30 mil peças. A iniciativa da câmara da
capital chegou tarde, comparativamente a outras autarquias. O concelho de Ovar,
por exemplo, tem um Atelier de Conservação e Restauro do Azulejo (ACRA) desde
2001.
Entre esse ano e 2017, o ACRA “já terá intervencionado mais
de 200 edifícios”, diz o presidente da câmara de Ovar, Salvador Malheiro, que
garante que o município tem “apostado muito nesta riqueza”. Tanto assim é que,
já este ano, o executivo autárquico aprovou um novo regulamento de apoio à
reabilitação urbana que “discrimina pela positiva” os proprietários que queiram
recuperar os azulejos das fachadas dos seus imóveis.
Até agora, a manutenção e valorização destes elementos nas
fachadas não era obrigatória, embora os serviços do ACRA sejam muito
requisitados. “Não temos meios suficientes para fazer face a tanta procura”,
diz Salvador Malheiro. Com a nova legislação e o novo regulamento, afirma, essa
preservação passa a ser incentivada. A câmara pode agora conceder “apoio
financeiro de 50%” ou, em certos casos, “até 100%” às obras de reabilitação que
recuperem azulejos.
“Temos a estratégia bem definida em torno do azulejo”, diz o
autarca, enumerando diversas parcerias com universidades e instituições
públicas, bem como iniciativas destinadas a miúdos e graúdos, locais e
turistas. “Tem sido um sucesso impressionante”, conclui.
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