Mais sintomas de turismofobia
O fenómeno da massificação turística em países líderes neste
sector, como a Espanha, irrita os habitantes locais e inquieta as autoridades
05.08.2017 às 8h00
ANGEL LUIS DE LA CALLE
All tourists are bastards” (“Todos os turistas são uns
filhos da puta”). “Refugees welcome, tourists go home” (“Bem-vindos,
refugiados; turistas, voltem para casa”). “Stop guiris” (“Chega de estrangeiros”)...
Barcelona, Palma de Maiorca, Granada... Grafitos deste calibre proliferam, nos
últimos tempos, nas paredes das principais cidades turísticas espanholas, que
começam a sentir os efeitos perversos da massificação desta atividade.
O turismo relaciona-se com ócio e descanso, mas está a
desnaturalizar-se e a converter-se numa ameaça para a vida quotidiana, o
conforto e a tranquilidade dos habitantes habituais dos centros mais procurados
pelos turistas. O fenómeno da turismofobia ainda não se generalizou em Espanha,
mas surgem sinais de que possa tornar-se um problema sério um poucos anos. É
uma invasão moderna e pacífica, mas não deixa de ser uma invasão.
Uma sondagem recente realizada pelo semioficial Barómetro
Semestral catalão indica que, pela primeira vez, o turismo é encarado pelos
habitantes de Barcelona como o maior problema atual da cidade, acima do
desemprego. É a confirmação formal de uma situação que tem tudo para derivar
para o caos. Hordas de turistas percorrem as ruas da cidade a bordo de Segways
ou de trotinetas elétricas; os residentes já renunciaram a fazer compras no
Mercado da Boquería, por exemplo, em plena Rambla, onde a Polícia Municipal tem
de regular a entrada de turistas que não compram nem um cêntimo de mercadorias.
Milhares de passageiros desembarcados de paquetes invadem
diariamente os bairros mais característicos da Cidade Condal [Barcelona],
deixando apenas o papel que envolve a comida que consomem. Filas e filas de
viajantes arrastam malas enquanto procuram as moradas dos apartamentos, na
maioria ilegais, que alugaram através da internet. A oferta de alojamento não
regulamentado cresceu 1632% desde 2012, segundo a agência oficial Exceltur.
COMÉRCIO DESCARACTERIZADO
O comércio tradicional está a ser substituído por lojas de
recordações ou redes franchisadas da moda. A segregação é um facto e a
população tradicional dos bairros está a ser expulsa das suas casas arrendadas
por um novo tipo de habitantes, os turistas, dotados de maior poder económico.
As famílias que procuram casa para alugar têm verdadeiros problemas para
encontrá-las em condições aceitáveis; trabalhadores temporários, sobretudo no
sector turístico, têm de se alojar em garagens ou andares com “camas
rotativas”, senão mesmo em carros. Em certas praias os turistas dispõem de
menos de dois metros quadrados para estender as toalhas.
Os recursos hídricos, sobretudo em circunstâncias de défice
pluvial, agravado pelo aquecimento global, dão sinais de esgotamento. O sistema
de saúde exibe, com frequência, sintomas de colapso... é um fenómeno já
experimentado noutros pontos do continente. Veneza, por exemplo, é praticamente
inexistente para os seus 50 mil habitantes, reservando-se para os 30 milhões de
pessoas que a visitam a cada ano.
Barcelona, cidade de 1,6 milhões de habitantes recenseados,
vai receber este ano 11 milhões de turistas que se alojam em estabelecimentos
hoteleiros das mais diversas categorias, embora os peritos calculem que outros
30 milhões de pessoas cheguem às ruas da capital catalã, alojados em apartamentos
turísticos ilegais, casas de amigos e visitas de poucas horas, como as dos
passageiros dos megapaquetes que atracam no porto de Barcelona.
DESPOVOAMENTO GERAL
O Bairro Gótico, um dos mais visitados, perdeu 20% da sua
população nos últimos cinco anos. A presidente da Câmara, Ada Colau, já não
concede qualquer licença para construção de hotéis, pousadas ou pensões. A
autarca está a elaborar uma normativa muito exigente para regulamentar a
situação dos apartamentos turísticos oferecidos na internet, fazendo acordos
com grandes plataformas, como a Airbnb.
Outras povoações afetadas pelo mesmo problema, como Palma de
Maiorca (no dia 8 de junho atracaram num porto oito grandes navios que
regurgitaram, literalmente, 23 mil turistas nas suas ruas durante escassas
horas), Madrid (cujo centro histórico atinge níveis de degradação
preocupantes), Ibiza, Granada... estão a enveredar pelo mesmo caminho. “Não é
questão de travar um fenómeno fundamental para o PIB da região”, diz a
presidente da região de Madrid, Cristina Cifuentes. A prioridade é “regular as
suas derivações ilegais”.
Há que considerar, é claro, o impacto económico resultante
da atividade turística. Em Espanha é, sem dúvida, a primeira atividade do país.
Em 2015, segundo valores oficiais, visitaram o país 69 milhões de turistas, que
gastaram 68 mil milhões de euros, quase o mesmo que o Estado angaria através do
imposto sobre o rendimento. Este ano estão previstos mais de 75 milhões de
viajantes, muitos deles desanimados pela insegurança de outros mercados
tradicionais (Tunísia, Egito, Turquia…). Chegam, de resto, dispostos a gastar
mais dinheiro do que era costume, encorajados pela recuperação económica e pelo
estímulo da nova procura, nomeadamente oriunda do mercado asiático. Os
empresários do sector reconhecem que as subidas de preços, verificadas em todos
os âmbitos da atividade, não influenciaram a procura de serviços. Só a gasolina
está mais barata do que no ano passado.
INVASÃO EM MASSA
A Organização Mundial do Turismo (OMT), com sede em Madrid,
já alertou para a necessidade de regulamentar uma atividade que, segundo as
suas próprias estatísticas, subiu de 25 milhões de viagens em 1950 para 536
milhões em 1995 e 1235 milhões no ano passado. O fenómeno da massificação
turística, que pode alimentar a turismofobia, começa a ser considerado
preocupante pelos sectores mais sensibilizados.
Um editorial do diário “El País” comentava, a esse respeito,
no passado dia 4 de julho: “As manifestações esporádicas de turismofobia que se
verificaram nalgumas cidades são sintomas de um mal-estar que é preciso
resolver antes que seja demasiado tarde”. Estas manifestações “não expressam
uma rejeição do turista, mas da massificação turística. Se permitimos que a
massificação degrade os espaços mais emblemáticos do nosso país, não só surgirá
rejeição na população como isso se voltará, a longo prazo, contra o próprio
sector turístico”.
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