Moradores da Mouraria temem despejo,
apesar de acordo entre senhorio e CML
POR O CORVO • 31 AGOSTO, 2017 •
A angústia voltou a fazer parte do quotidiano dos residentes
do prédio 25 da Rua dos Lagares, na Mouraria, quando abriram a caixa do
correio, a 16 de agosto. Oito dias após o anúncio pela Câmara Municipal de
Lisboa (CML) da obtenção de um acordo com o proprietário do imóvel, a empresa
IberAquisições, para o não avanço do prometido despejo das 16 famílias que lá
moram, o senhorio comunicava-lhes por carta a incerteza sobre o real desfecho
do processo. O que foi dado como um caso resolvido pela autarquia, a 8 de
agosto, com a prometida realização de obras e a assinatura de novos contratos
de arrendamento com duração de cinco anos, mantendo-se o valor actual das
rendas, ainda estará, afinal, a ser negociado.
Tanto que o senhorio
alerta os moradores para a mera suspensão “dos efeitos”, e apenas por um mês,
duma anterior notificação de não renovação dos actuais contratos de
arrendamento. Prazo em que a empresa prevê que as conversações com a câmara
estejam concluídas. Mantém-se, assim, a indefinição sobre o futuro das quatro
dezenas de moradores, que, desde fevereiro deste ano, se têm notabilizado pela
oposição ao despejo. Acção cujo alegado objectivo será transformar o imóvel em
alojamento local – uma actividade que Fernando Medina (PS), presidente da
Câmara Municipal de Lisboa, garantiu, nesta quarta-feira (30 de agosto),
durante a apresentação do seu programa eleitoral, querer limitar nos bairros
históricos da capital.
“Ficámos
surpreendidos, não foi isto que nos foi dito quando anunciaram o acordo.
Voltámos outra vez a ficar com o coração nas mãos”, diz a O Corvo a inquilina
Carla Pinheiro, que há meses se tem assumido como uma das porta-vozes dos
residentes. De acordo com a missiva que ela e os outros moradores receberam, os
efeitos da anterior comunicação sobre a não renovação dos contratos de
arrendamento – por outras palavras, os despejos – encontram-se “suspensos pelo
período de 30 dias”, a contar da daquela data, 16 de agosto.
“Após este período, entraremos
novamente em contacto com V.Exa, no sentido de o colocarmos ao corrente do
resultado do acordo efectuado com a Câmara Municipal de Lisboa que prevê,
nomeadamente, e caso seja bem sucedido, a concretização de novos contratos de
arrendamento com a duração de 5 anos, mantendo inalterado o valor da renda
actual”, lê-se na carta registada enviada pela IberAquisições aos moradores. Ou
seja, a firma que adquiriu o imóvel, no início de 2017, não garante o desfecho
antes publicitado pela autarquia.
A carta recebida por Carla Pinheiro e pelos restantes
moradores.
Carla Pinheiro diz
que “as pessoas ficaram sobressaltadas” com o conteúdo da carta e nelas cresce
a convicção de que “este senhorio está de má-fé neste processo”. “Parece que
nos estão a tentar intimidar, mas também à câmara”, considera. Ansiosos pela
obtenção de garantias, os moradores contactaram o gabinete da vereadora da
Habitação, Paula Marques, tendo-se esta deslocado ao prédio, na última
terça-feira (29 de agosto), a fim de se inteirar da situação e de prestar
esclarecimentos. Visita que terá, em parte, sossegado os mais ansiosos.
“A Paula Marques leu
a carta e disse para não ligarmos ao que lá estava escrito. Ela garantiu-nos
que não íamos ser postos na rua e que, mesmo com as obras de manutenção do
telhado feitas, iríamos ter novos contratos de cinco anos, com a renda tal como
ela está”, afirma a residente, apelando à intervenção do presidente da câmara,
Fernando Medina, para que a autarquia intervenha directamente neste processo e,
caso não se chegue a um acordo, “venha a exercer o direito de preferência e
compre o prédio”. “Temos fé que ele e o Manuel Salgado [vereador do Urbanismo]
vão resolver isto”, confessa.
Contactado nesta quarta-feira (30 de agosto) por O Corvo, um
assessor do gabinete de Paula Marques confirmou a deslocação da autarca ao
prédio na passada terça-feira, lembrando que a mesma decorre de um quadro de
“contacto permanente com os moradores, ao longo de todo este processo”.
Escusando-se a adiantar pormenores, a mesma fonte assegura que o assunto da Rua
dos Lagares “continua os seus trâmites administrativos normais, para que se
obtenha o desejado objectivo de manter os moradores no prédio, com as actuais
rendas, por um período de cinco anos, como foi anunciado”. “No momento certo,
haverá novidades sobre o assunto”, diz.
Também ontem, o PCP
emitiu um comunicado em que denuncia o que considera ser o “futuro incerto”
para os residentes do prédio da Mouraria e exige a divulgação do conteúdo
integral do acordo estabelecido entre câmara e empresa, do qual diz não ter
sido dado conhecimento aos vereadores. “Existindo este acordo, não se
compreende a razão da suspensão, por apenas 30 dias, dos processos de despejos,
pois não salvaguarda o direito dos moradores a permanecerem nas casas onde
sempre moraram e contraria a informação avançada pela CML”, questionam os
comunistas, que garantem a intenção de continuar a lutar na Assembleia da
República pela revogação da Lei das Rendas.
Uma exigência também
feita, numa carta aberta dos moradores do 25 da Rua dos Lagares, ontem entregue
a O Corvo pela residente Carla Pinheiro. Sob o mote “Uma nova Lei para o
Arrendamento Urbano”, nela se diz que os cinco anos de renda fixa estabelecida
pelos contratos de arrendamento “não chegam, pois não trazem a estabilidade
necessária”. “A Lei do Arrendamento tem de abranger todos os cidadãos com
contratos de longa duração como eram os contratos antigos, pois não podemos estar
sempre a pensar que o contrato vai terminar e que vamos para a rua”, dizem os
moradores do edifício da Mouraria.
O Corvo tentou, ontem
à tarde, obter esclarecimentos por parte do administrador da empresa
IberAquisições sobre este assunto, mas não os conseguiu até à publicação deste
artigo.
Texto: Samuel Alemão
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