Avioneta mata dois banhistas ao aterrar de emergência na
praia de São João da Caparica
Um homem e uma criança de oito anos morreram no local,
segundo a Autoridade Marítima Nacional.
Ana Henriques, João Pedro Pincha e Claudia Carvalho Silva
2 de Agosto de 2017, 17:19 actualizado a 2 de Agosto às
18:48
Uma aeronave ligeira aterrou de emergência, na tarde desta
quarta-feira, no areal da praia de São João da Caparica, em Almada, junto aos
restaurantes Bicho d'Água e Leblon, atingindo vários banhistas. A Autoridade
Marítima Nacional confirmou a morte de duas pessoas: uma criança, de 8 anos, e
um homem, de 56. Estas vítimas não tinham qualquer relação entre si. Uma mulher
ficou ainda ferida sem gravidade.
Os ocupantes da avioneta, piloto e co-piloto, ficaram ilesos
e foram ouvidos pela Polícia Marítima sobre os motivos de um acidente que é
considerado inédito pelas autoridades. Os dois homens, foi revelado mais tarde,
ficaram sob termo de identidade e residência, e serão interrogados por uma
procuradora na manhã de quinta-feira, no âmbito do inquérito aberto sobre o
sucedido pelo Ministério Público. O Cessna de dois lugares é de 1978 e pertence
ao aeroclube de Torres Vedras, mas estava emprestado há vários anos à escola de
aviação G-Air.
Piloto que aterrou em praia arrisca-se a responder por
homicídio negligente
Piloto que aterrou em praia arrisca-se a responder por
homicídio negligente
António Gonçalves estava no mar, "com água pelo
joelho", quando viu a avioneta a aproximar-se da praia vinda de Norte.
"Passou ali por cima do paredão, mas já resvés Campo de Ourique",
explicou o reformado, de 65 anos, ao PÚBLICO. Foi quase ao tocar no areal que a
aeronave embateu com as rodas contra as vítimas mortais. As asas do aparelho
ainda tocariam depois numa mulher, que sofreu "ligeiras escoriações"
nos ombros, disse Paulo Isabel, capitão do Porto de Lisboa.
Este responsável salientou que, apesar do balanço trágico, o
acidente poderia ter tido um resultado ainda mais grave. "Lamentando as
duas vítimas mortais, num dia de Verão como este, se um avião aterrar numa
praia destas, com centenas ou mesmo milhares de pessoas, poderá ser considerado
um verdadeiro milagre só termos duas vítimas mortais", disse.
Logo após o acidente, que se deu pelas 16h45, juntaram-se
muitos veraneantes em redor da avioneta e dos dois corpos. Mafalda estava a uns
bons 50 metros do local, mas ouviu o embate das rodas no chão e correu atrás
dos filhos pequenos, que se precipitaram para onde estava a comoção. Esses
primeiros momentos foram tensos, explicou. "Quiseram logo começar a querer
agredir o comandante [da aeronave], começaram a chamar-lhe assassino. Estava
muita gente a revoltar-se".
O alerta às autoridades foi dado às 16h51 e às 16h58
chegaram os primeiros meios de socorro, disse o capitão Paulo Isabel, que
precisou que estiveram presentes elementos da Polícia Marítima, da Polícia
Judiciária, das corporações de bombeiros de Cacilhas e Trafaria, da GNR e do
Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes
Ferroviários (GPIAAF). É esta entidade que vai agora tentar perceber o que
motivou esta situação. Paralelamente, também o Ministério Público fará
diligências.
Todas as testemunhas salientaram que a avioneta se aproximou
do areal silenciosamente, razão pela qual os banhistas só deram pela sua
presença quando já estava a escassos metros deles. Tudo se passou com grande
rapidez.
A avioneta, que devia ter voado entre Cascais e Évora, foi
removida por volta das 19h20.
Num comunicado enviado às redacções, a escola de aviação
G-Air (que até há uns anos se chamava Aerocondor) confirma que a aeronave se
encontrava “em voo de treino com um aluno e um instrutor sénior”, de 56 anos,
que tinha "elevada experiência e milhares de horas de pilotagem”. Na
missiva, em que são apresentados pêsames aos familiares das vítimas, é ainda referido
que o apuramento das causas do acidente GPIAAF.
À margem deste acidente, e segundo Pedro Coelho Dias,
porta-voz da Autoridade Marítima, foi ainda detido no local um proprietário de
um drone que “só começou a voar depois” do acidente. “Estava a recolher imagens
e não é claro que tivesse autorização para voar”, disse ao PÚBLICO.
"Risco de acidente elevado"
O vice-presidente da escola de aviação, Nelson Ferreira,
explica que a G-Air reduziu drasticamente há dois ou três anos a operação
aeronáutica em Tires, aeródromo de onde saiu esta tarde o Cessna, devido ao
risco de acidentes. "Como as aeronaves de treino que saem de Tires não
podem subir além dos mil pés de altitude, o que equivale a cerca de 300 metros,
por causa das condicionantes nestas rotas, nomeadamente para não interferirem
com os voos comerciais do aeroporto de Lisboa, isso encurta do tempo de reacção
dos pilotos em caso de acidente", descreve. Sem motor, um avão cai ao
ritmo de 500 pés por minuto, assinala.
Também tinha saído de Tires a aeronave que em Maio passado
se despenhou junto ao supermercado Lidl, naquela mesma localidade onde se situa
o aeródromo. A bordo seguiam quatro pessoas que não sobreviveram, tendo-se
registado uma quinta vítima mortal, uma pessoa que se encontrava em terra e foi
atingida pela avioneta.
No caso desta quarta-feira, o piloto, que segundo Nelson
Ferreira tinha 56 anos e milhares de horas de pilotagem, pode não ter tido
tempo suficiente para aterrar no mar. A estação televisiva SIC Notícias teve
acesso às comunicações entre a torre de controlo de Cascais e a aeronave, em
que é perceptível o pedido de socorro do piloto: "Mayday!".
Percebe-se que perante uma falha no motor tencionava pousar na praia, mas não
ali - e sim na Cova do Vapor.
Amaragem era mais arriscada
Perito da Agência Europeia para a Segurança da Aviação,
Álvaro Neves diz que, apesar de a amaragem ser o procedimento correcto em
situações deste género, ela implica maiores riscos para o piloto e passageiros
do que pousar no areal, uma vez que uma aterragem mal executada no mar pode
significar um capotamento. "Do ponto de vista da sobrevivência a aterragem
no areal dá outra margem de segurança ao piloto", observa.
Neste caso, diz o ex-director do Gabinete de Prevenção e
Investigação de Acidentes com Aeronaves, "bastava-lhe ter feito uma
pequena inclinação, mesmo que estivesse sem motor", para conseguir chegar
à água. "Cinco metros para a direita e estava em cima do mar",
reforça Álvaro Neves, para quem a aeronave estaria a voar mesmo muito baixo
para as coisas se terem passado desta forma. Face às restrições à altitude de
voo, adianta, teria sido preferível ter escolhido outra rota que não pusesse em
perigo quem cá estava em baixo.
António Gonçalves, que frequenta esta praia desde os 13
anos, mostrou-se surpreendido por um incidente deste género não ter acontecido
há mais tempo. "Passam aqui avionetas a toda a hora, com publicidade e sem
publicidade. Isto parece um carreiro, para cima e para baixo
constantemente", disse.
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