‘Simplex’ de obras compromete segurança estrutural de muitos
prédios em Lisboa
por O Corvo • 2 Agosto, 2017 •
Helena não queria acreditar quando, esgueirando-se à varanda
do seu segundo andar na Rua Cidade de Cardiff, em Arroios, se apercebeu do que
se estava a passar lá em baixo, no logradouro do rés-do-chão. “Verifiquei, para
meu espanto, que estavam a escavar e que, aos poucos, se ia formando um buraco
cada vez maior. Só podia ser para uma piscina”, pensou. Os vizinhos haviam
avisado, em meados do passado mês de junho, os restantes condóminos de que
iriam fazer obras no quintal, sem especificarem qual o seu objectivo. Perante o
aparato, no início de julho, Helena pediu-lhe esclarecimentos adicionais.
“Estamos a fazer remodelações no jardim, que não implicam com nada do prédio”,
responderam por email. Céptica, perguntou-lhes se não se trataria mesmo de uma
piscina. Por telefone, acabaram por lhe confirmar aquilo de que desconfiava.
Uma obra feita sem a autorização do condomínio nem da Câmara Municipal de
Lisboa.
Casos como este têm
vindo a aumentar, nos últimos meses, na mesma proporção do crescimento
meteórico do volume dos trabalhos de reabilitação de imóveis na capital
portuguesa. Tantos que estarão a pôr em causa a capacidade de resposta dos
serviços de urbanismo da autarquia e da Polícia Municipal. Sem meios
suficientes para as actuais solicitações, e colocados perante um assinalável
avolumar das queixas de cidadãos, ambos os braços do município aos quais cabe a
responsabilidade de fiscalização da legislação neste campo tentam fazer o
melhor que podem. Mas com dificuldade. Numa das insistências de Helena junto da
PM, terá recebido como resposta que teria de aguardar, uma vez que não lhe poderiam
indicar uma data para a deslocação ao prédio de uma patrulha, “atendendo ao
elevado volume de queixas e à falta de agentes que dispunham actualmente”. Um
cenário agravado, em muitos casos, pelo afrouxar dos procedimentos legais a
nível nacional, o que dá aos proprietários a ideia de quase imunidade.
Isso mesmo é
reconhecido por Helena Roseta, presidente da Assembleia Municipal de Lisboa
(AML), que pede, por isso, a revisão urgente da legislação. Confrontada,
durante uma sessão daquele órgão, na semana passada, com uma queixa de um
munícipe sobre os problemas causados num imóvel pelas obras dos vizinhos,
Roseta disse que casos como esse são “consequência dos sucessivos simplexs que
têm sido feitos na legislação urbanística e que aligeiraram a apreciação pelas
câmaras municipais do que as pessoas fazem nos diversos edifícios, criando
problemas que podem ser muito graves”, afirmou a presidente da assembleia, a 25
de julho. “Mais que fazermos fiscalizações ad hoc aqui e acolá, o que
interessava era rever esta legislação, porque ela tem este problema: nem sempre
assegura a verificação da resistência sísmica e da própria resistência
estrutural do edifício”, afirmou, considerando estar-se perante um problema
“bastante preocupante”.
As obras ilegais de construção da piscina no logradouro do
prédio da Rua Cidade de Cardiff
Um sentimento
partilhado por Helena, a moradora da Rua Cidade de Cardiff, que teme pela
segurança estrutural do prédio onde vive há onze anos, desde que comprou aquela
fracção. “Sobretudo, depois do que se passou na Rua Damasceno Monteiro”, diz,
referindo-se ao incidente ocorrido em fevereiro deste ano, quando uma derrocada
num condomínio situado a uma cota superior forçou a evacuação e a interdição de
três prédios, devido à instabilidade geológica do talude situado nas suas
traseiras. A situação naquele arruamento, localizado na fronteira entre as
freguesias de Arroios e de São Vicente, obrigou ao desencadear imediato de
obras de consolidação da encosta, ainda em curso. “Também aí, no local onde os
terrenos cederam, havia uma piscina”, nota a moradora e proprietária de um
andar que está situado numa zona em declive, confluente com outros logradouros.
“Uma obra deste género pode, obviamente, colocar em risco a estabilidade do
edifício”, diz.
E é numa situação
como esta que se coloca a necessidade de ser questionada a visão, muitas vezes
deturpada, de quem faz obras em edifícios – percepção formada, em parte, como
resultado do tal aligeiramento legislativo. “Quando os confrontei com a
ilegalidade da construção de um tanque de água no quintal, disseram-me ‘estamos
a fazer uma piscina que cai na categoria das amovíveis, por isso, não
precisamos de autorização’. Isto apesar de terem tirado quatro ou cinco
contentores de terra”, diz Helena. Depois de confrontada com a situação na
semana passada, a CML acabou por informar O Corvo, na tarde desta terça-feira
(1 de agosto), que havia sido realizada uma fiscalização ao imóvel em causa,
através da qual se constatou “que estão a ser executadas obras de edificação
sem apresentação de comunicação prévia, tendo sido determinado o embargo da
obra”.
Em abril passado,
durante uma reportagem sobre um caso de obras problemáticas num apartamento,
destinadas a convertê-lo em alojamento local, o administrador do condomínio
disse a O Corvo que os agentes da PM lhe terão comunicado, informalmente – tal
como agora aconteceu com Helena -, que este género de situações se estará a
multiplicar de forma acelerada pela cidade. O que acontece devido à pressão de
novos investidores – nacionais e, sobretudo, estrangeiros -, para converter
velhas casas de habitação em alojamentos turísticos. A 20 de abril, O Corvo
enviou as seguintes questões à CML: “Confirma a CML a subida do número de
embargos e propostas de embargos de obras em apartamentos? Quais os números de
2016 e deste ano? Como comparam com os números dos anos anteriores? A Polícia
Municipal tem, neste momento, capacidade operacional para responder a todas as
solicitações deste género?”. Apesar da insistência, as respostas nunca
chegaram.
Texto: Samuel Alemão
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