Turistas tornam-se alvo na Catalunha,
com pano de fundo do independentismo
É um cocktail complexo que pode
afectar uma actividade que representa 12% do PIB catalão, em antecipação do
referendo marcado para 1 de Outubro mas considerado ilegal.
Nuno Ribeiro
NUNO RIBEIRO 5 de Agosto de 2017, 7:09
Um autocarro de turistas e bicicletas de aluguer turístico
foram atacadas em Barcelona por um grupo independentista catalão, Arran, que é
identificado como organização juvenil da Candidatura de Unidade Popular (CUP),
um partido de esquerda radical que apoia o governo autónomo da Catalunha e está
a promover o referendo pela independência de 1 de Outubro, considerado
anticonstitucional por Madrid e pela maioria das forças políticas.
A CUP não reconhece a Arran como a sua organização juvenil,
mas também não a critica. E, em boa verdade, estas acções, no domingo e na
segunda-feira, não foram as primeiras do grupo, que as divulgam nas redes
sociais, para protestar contra a massificação do turismo. Mas a sua dimensão
política, relacionada com o independentismo catalão, dá uma nova dimensão a
estas acções. Os ataques começaram entre 1 e 5 de Maio, quando militantes desta
organização entraram em sete hotéis e vandalizaram as recepções, partindo
vidros.
A Junts pel Si [Juntos pelo Sim], a coligação que governa a
Catalunha, congrega o Partido Democrata Europeu Catalão, herdeiro do
nacionalismo desaparecido após os escândalos de corrupção da era de Jordi Pujol
na Generalitat [Governo autónomo da Catalunha], e a Esquerra Republicana de
Catalunya (ERC), associada à CUP. O cimento desta unidade entre a burguesia
nacionalista e os republicanos de esquerda, que dirige o governo autónomo, é a
independência da Catalunha da Espanha, no referendo de 1 de Outubro,
Antes destes últimos ataques ao sector turístico, a pretexto
da denúncia da turistificação de Barcelona, a CUP já tinha forçado a saída nas
últimas semanas de alguns consellers [ministros] do executivo catalão liderado
por Carles Puigdemont.
Também nas Baleares e em Valência, territórios reivindicados
pelos independentistas como parte dos Países Catalães, entidade que querem
formar após a independência da Catalunha, incorporando as ilhas Baleares e a
comunidade valenciana, decorreram acções contra interesses turísticos.
Em Palma de Maiorca, a 22 de Julho, jovens da Arran
invadiram a esplanada de um restaurante fronteiro à catedral, incendiando very
lights e enchendo de confetis de carnaval os pratos e copos de 70 clientes. Já
em finais de Junho, em Valência, militantes da mesma organização ocuparam um
andar na Ciutat Vella, bairro onde se concentra a grande maioria de
apartamentos de aluguer para turistas.
A pretexto da luta contra o excesso de turismo, com a
denúncia de prejuízos ambientais da sobreexploração turística nas Baleares ou a
expulsão de habitantes das zonas históricas de Valência, a CUP provocou o
sobressalto, em plena época turística. Afectando um dos mais importantes sectores
económicos da Catalunha.
Segundo dados oficiais da Generalitat, o turismo representa
cerca de 12% do PIB catalão. Barcelona é o principal destino; em 2016, esta
cidade com um pouco mais de 1,5 milhões de habitantes, recebeu quase seis
milhões de turistas. Aliás, até Junho, a Catalunha registou o terceiro maior
aumento da entrada de turistas em Espanha, mais 10,3%, depois das comunidades
de Madrid e de Valência.
A repercussão destas acções na imprensa britânica – nos
primeiros seis meses de 2017, dos 36,3 milhões de turistas entrados em Espanha,
8,5 milhões eram oriundos do Reino Unido – foi devastadora. Os hoteleiros
catalães, que vivem da excelência do sol e mar da Costa Brava, estão
apreensivos com a contaminação da sua actividade pela influência da luta
política pelo independentismo. O jornal The Independent colocou Bacelona na
lista dos oito destinos em que os turistas são mais odioados.
O ministro do Turismo espanhol, Álvaro Nadal, tentou aliviar
receios, dizendo que se trata “não de um fenómeno social, mas político. A
presidente da câmara de Barcelona, Ada Colau, é acusada pela oposição de
alimentar o sentimento turismofóbico.
Embora em Barcelona a câmara tenha proibido a construção de
hotéis no centro da cidade e esteja atenta a excessos da pressão turística, que
se traduziu na mudança de população local dos bairros históricos pela
transformação das suas residências em mais rentáveis alojamentos locais, a
questão não se joga apenas no tabuleiro urbanístico.
As acções de Arran são parte de uma radicalização crescente
do discurso independentista. A próxima estação deste percurso é a Diada, a 11
de Setembro, o dia da Catalunha, que comemora a defesa da cidade em 1714
aquando da guerra de sucessão espanhola. É um terreno em que o simbólico – a
independência – se mistura com a denúncia da pressão turística, no ano em que o
turismo em Espanha bate todos os recordes: são esperados 84 milhões de
visitantes. Um cocktail complexo que tem na sua base uma peculiar ideia de
nacionalismo.
Sem comentários:
Enviar um comentário