terça-feira, 5 de julho de 2016

Riscos. Europa vê Portugal numa tempestade perfeita / Comissão adia decisão mas deve abrir o processo que pode levar a sanções

Riscos. Europa vê Portugal numa tempestade perfeita
Margarida Peixoto 5/7/2016, OBSERVADOR

Passou a tempestade, mas estamos longe de navegar em mares tranquilos. Para a Europa, Portugal está a acumular fatores de risco. Eis os números e as medidas que estão a gerar preocupação.
A Comissão Europeia pondera sancionar Portugal adiando, reunião após reunião, uma decisão definitiva sobre a matéria. É um perigo palpável. Wolfgang Shaüble, ministro das Finanças alemão, fala no risco de um segundo resgate ao país, se não forem cumpridas as regras. Sim, usa mesmo a palavra “resgate”. Esse desastre parece improvável. Mas Klaus Regling, diretor do Mecanismo Europeu de Estabilidade, assume estar preocupado com Portugal, e frisa que é mesmo só com Portugal. Que sinais vê ele em Lisboa? Isto é uma conspiração contra o Sul, ou há argumentos que deixam os líderes europeus em alerta? O país saiu do resgate em maio de 2014, mas as águas em que navega continuam perigosas.

“Claro que há riscos, em todas as vertentes”, garante Ricardo Arroja, economista, ao Observador. E não é só uma questão que tenha a ver com as sanções. Trata-se de um problema estrutural de desenvolvimento da economia que Portugal ainda não conseguiu resolver, apesar do programa de ajustamento que aplicou, sob supervisão da troika de credores — Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia (CE) e Banco Central Europeu (BCE).

Ricardo Arroja prefere olhar para o problema pela lupa do investimento. “É o ponto principal”, defende, explicando que a falta de investimento em Portugal reflete as suas maiores dificuldades: a falta de financiamento para as empresas, com a banca trémula, a burocracia pública, e as dificuldades de implementação dos fundos estruturais a funcionarem como entraves.

Mas há outras vertentes pelas quais se pode avaliar o desempenho do país. E todas recomendam o mesmo: cautela.

Nos corredores de Bruxelas, apurou o Observador, as preocupações vão muito para além da questão das sanções. Na última reunião do Eurogrupo, Portugal comprometeu-se a apresentar medidas adicionais de controlo orçamental (o famoso plano B) caso sejam necessárias para cumprir a meta do défice. Mas a expectativa dos comissários é que estas medidas adicionais sejam apresentadas — com ou sem sanções e independentemente do timing em que possam vir a ser aplicadas.

Ou seja: as declarações de Schauble, Regling e Dombrovskis têm sido lidas à luz de uma hipotética posição destes líderes sobre a justeza de sancionar Portugal ou não, por ter falhado a meta de défice de 2015. Mas elas encerram preocupações bem mais profundas do que isso.

Há um mês, tocaram as campainhas em Bruxelas

O debate sobre o Orçamento do Estado deste ano entre o Governo português e a Comissão já não tinha corrido bem, mas o sinal de alerta soou na última missão dos técnicos da Comissão e do BCE a Portugal, há cerca de um mês, no âmbito da quarta avaliação pós-programa.

Os peritos já sabiam dos riscos de incumprimento da meta de 2,2% para o défice orçamental deste ano, mas foi naquela visita que tomaram consciência da quantidade de perigos que se estão a acumular. Destacam três: o comportamento do IVA — o principal imposto, responsável por cerca de 40% da coleta anual — o impacto que a redução do horário de trabalho dos funcionários públicos para as 35 horas poderá ter na despesa com pessoal, e a reposição dos quatro feriados nacionais, que reduz o PIB.

Conforme notam Luís Teles Morais e Henrique Lopes Valença, numa análise publicada no Observador sobre a execução orçamental entre janeiro e maio, “a evolução intra-anual do défice é este ano particularmente difícil de prever”. Não se sabe como a receita do IVA vai reagir à redução da taxa para a restauração, que entrou em vigor a 1 de julho. Não se sabe quanto do imposto do IRC foi efetivamente antecipado para 2015, reduzindo por isso a coleta de 2016. E também é difícil de calcular o custo que a reposição salarial para os funcionários públicos, conjugada com a redução para o horário das 35 horas, efetivamente terá.

Por enquanto, o que é possível dizer ao fim de cinco meses de execução orçamental, é que o défice está mais baixo (em 453 milhões de euros) do que o verificado no mesmo período de 2015. Mas é difícil argumentar que o ritmo da redução do défice vai suficiente: a receita fiscal e a contributiva estão a crescer abaixo do esperado no Orçamento de 2016, e as despesas com pessoal estão a crescer acima.

A estas dúvidas, os responsáveis europeus somam uma certeza: a reposição antecipada dos rendimentos das famílias vai impedir ganhos de competitividade de curto prazo. A Comissão até está otimista quanto às reformas previstas para o médio e o longo prazo, mas está preocupada com o presente. É que o fator chave para o aumento da competitividade da economia portuguesa era precisamente a desvalorização interna dos rendimentos.

A eliminação dos cortes salariais na função pública até ao final deste ano, a redução da sobretaxa de IRS e até mesmo o aumento do salário mínimo são medidas que contrariam a expectativa das instituições europeias e impedem ganhos de curto prazo. Mais: a decisão do Tribunal Constitucional que impede o corte de pensões a pagamento ainda não foi esquecida e é vista de fora como uma dificuldade adicional no ajustamento do país.

Tudo isto, num país que revela uma dificuldade persistente em crescer. Depois de três anos seguidos em recessão — entre 2011 e 2013, sendo que em 2012 a queda atingiu 4% — o regresso ao crescimento foi frouxo: em 2014, o produto interno bruto avançou 0,9% e no ano passado 1,5%.

Para este ano, já nem o ministro da Economia, Mário Centeno, confia nas projeções atuais, conforme assumiu em entrevista ao Público:

Com um crescimento de 0,2%, para chegarmos ao final do ano com um de 1,2%, é necessário alguma aceleração da atividade económica ao longo do ano”, assumiu.
Esta não é a previsão do Governo (o Orçamento foi construído com base em 1,8% de crescimento), mas sim a da OCDE, a mais baixa à data da entrevista. Entretanto, o FMI também já reviu em baixa as suas projeções, para 1%.

Por enquanto, a intervenção do BCE nos mercados, através da compra de títulos de dívida pública em mercado secundário, tem ajudado a proteger o país dos efeitos da aversão dos investidores ao risco. Mas o medo é que Portugal se esteja novamente a colocar no centro de uma tempestade, em que acontecimentos como o Brexit — ou dificuldades adicionais em mercados importantes, como é o caso de Angola e do Brasil — deixam o país em apuros.


Comissão adia decisão mas deve abrir o processo que pode levar a sanções
Nuno André Martins / 5/7/2016, OBSERVADOR

FT avança que a decisão inédita será tomada na quinta-feira. Não significa sanções para já, mas abre a porta ao processo, que tem de passar no crivo do Ecofin na próxima terça-feira.
A Comissão Europeia vai voltar a reunir-se na quinta-feira, 7 de julho, e deve abrir caminho, pela primeira vez, à aplicação de sanções pela violação das metas do défice a Portugal e Espanha, noticia o Financial Times, concluindo que os dois países não tomaram medidas eficazes para reduzir o défice. O acordo não significa, necessariamente, que Portugal venha a sofrer sanções, mas coloca o processo a correr para que os ministros das Finanças da União Europeia peçam à Comissão, na próxima terça-feira, que faça uma proposta de penalizações.

Portugal foi sancionado hoje? Não. Vai sê-lo na quinta-feira? Também não é provável. Isso quer dizer que pode estar descansado? Não é bem assim. Não houve decisão na reunião de hoje, mas o caminho continua a ser o mesmo que estava estipulado desde a semana passada e que foi noticiado pelo Observador e pela Reuters no domingo: a Comissão não quer a responsabilidade de aplicar sanções nesta altura, por isso, vai empurrar a decisão para os ombros dos ministros das Finanças da União Europeia, que se reúnem na próxima terça-feira em Bruxelas.

Mas o Executivo comunitário também não vai rejeitar as sanções. Vai, antes, dar o pontapé de saída no processo, inédito, que pode levar a que as sanções ainda sejam possíveis, num processo que será fechado ainda antes do final de julho. Como é que isto se vai fazer? Como o Observador noticiou no domingo, os comissários deverão aprovar, nesta quinta-feira, uma declaração em que concluem que Portugal e Espanha não tomaram medidas eficazes para reduzirem os défices públicos, tal como estava acordado.

Esta declaração de ausência de medidas eficazes – em inglês non-effective action – não implica, em si, que a Comissão vá aplicar sanções a Portugal, mas é o primeiro passo obrigatório para que isso possa ainda acontecer no futuro. A Comissão conclui que essas medidas não foram tomadas e, então, o Ecofin terá de aprovar e de dar seguimento ao processo.

Caso tal aconteça na terça-feira, a Comissão terá 20 dias para apresentar a sua proposta de sanções ao país. A partir de terça-feira, e até surgir a proposta da Comissão, decorrerá um período de negociação com o Estado-membro em causa, que tem dez dias para fazer a sua defesa junto da Comissão.

A decisão de Bruxelas permite adiar o processo por mais umas semanas – até ao final do mês -, não sancionando Portugal, para já, e deixando as negociações para um nível político superior, o dos ministros das Finanças. A Comissão quer evitar aplicar sanções aos dois países, mas enfrenta grande contestação da Alemanha, entre outros países. O BCE também se tem mostrado a favor da aplicação mais estrita das regras.

Caso a proposta seja aprovada no Colégio de Comissários como se prevê, ainda esta semana, e o Ecofin dê seguimento na próxima semana, Portugal pode não ser alvo de sanções, ainda assim. A proposta da Comissão não deverá passar por sanções pecuniárias, mas o resultado final vai depender da argumentação do Governo português e de eventuais cedências por parte dos ministros que se têm mostrado mais favoráveis à aplicação de sanções.


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