Itália
tenta salvar os bancos, regras europeias dificultam
SÉRGIO ANÍBAL
16/07/2016 – PÚBLICO
É
o novo grande risco que enfrenta a economia europeia: a banca
italiana precisa urgentemente de capital, mas as regras europeias
impõem perdas para os credores que o Governo de Renzi se recusa a
provocar. A resolução do problema poderá servir de exemplo para
Portugal.
Passados 544 anos de
existência, com vários donos, muitos sucessos, mas também diversas
intervenções públicas para o salvar, o banco mais antigo do mundo
em actividade está outra vez em risco de vida. E desta vez, em
conjunto com a sobrevivência do banco, jogam-se também a
credibilidade das novas regras bancárias europeias, a capacidade de
resistência do sector financeiro europeu e, alertam alguns, o
próprio futuro do projecto da zona euro.
O Banco Monte dei
Paschi di Siena, fundado em 1472 quando se davam os primeiros passos
no actual conceito do que é um banco, é hoje o principal símbolo
da crise que atravessa o sector em Itália. É a terceira maior
instituição financeira do país e, apesar de já ter sido alvo de
várias injecções de capital nos últimos anos, continua a mostrar
uma enorme fragilidade.
Todas as apostas
apontam para que, no próximo dia 29 de Julho, quando forem
publicados novos resultados de testes de stress realizados pelo BCE,
o Monte dei paschi venha a revelar avultadas necessidades de
recapitalização. Nos mercados, a desconfiança em relação ao
banco é enorme, como demonstra a queda de mais de 70% registada no
valor das acções desde o início deste ano.
Contudo, apesar de
ser o caso mais destacado, o Banco Monte dei Paschi di Siena está
longe de ser o único com problemas no sector financeiro de Itália.
Com a economia a crescer a um ritmo extremamente lento desde o início
do século, a banca italiana, muito fragmentada e com evidentes
problemas de governação, acumulou problemas nas suas contas. O mais
evidente é o crédito mal-parado, um dos mais elevados do mundo.
Há muito que o
problema está à vista e, em diversas ocasiões, foram feitos apelos
às autoridades para que adoptassem medidas ambiciosas de limpeza dos
balanços e recapitalização dos bancos. No entanto, várias
oportunidades foram perdidas. Uma capitalização podia ter sido
feita em 2009, quando a Irlanda fez, ou em 2012, quando a Espanha o
fez. Em 2014, quando os bancos italianos foram os que pior resultados
apresentaram nos primeiros testes de stress à escala europeia, a
reacção também foi tímida. Agora, quando o Governo de Matteo
Renzi mostra urgência em resolver o problema, pode-se chegar à
conclusão que é tarde demais.
Bail-in vs bail-out
O problema está no
facto de, entretanto, terem entrado em vigor novas regras para o
sector bancário europeu. A ideia fundamental por trás das novas
leis é a de evitar que as falências de instituições bancárias
sejam pagas pelos contribuintes, através de injecções de capital
feitas pelo Estado. Por isso, nos processos de resolução de um
banco europeu, é agora exigido que, primeiro sejam chamados a
suportar perdas, para além dos accionistas, os credores e
eventualmente os maiores depositantes. É o denominado bail-in, em
contraponto como o bail-out, em que é o Estado com o seu dinheiro
que evita o colapso do banco.
Estas novas regras
para Itália colocam um problema de carácter social e político. É
que no país, ao longo dos anos, os bancos foram colocando muitos dos
seus próprios títulos obrigacionistas nas mãos dos clientes do
retalho. Cerca de 200 mil milhões de euros de obrigações bancárias
são detidos por pequenos aforradores, não por investidores
institucionais e profissionais. São o equivalente aos lesados do BES
e do Banif, mas numa dimensão muito superior.
Penalizá-los teria,
para além de um impacto social considerável, consequências
políticas para Matteo Renzi potencialmente desastrosas, ainda para
mais numa altura em que o primeiro-ministro italiano joga o seu
futuro num referendo sobre reforma constitucional agendado para
Outubro.
Por isso, não é
surpreendente que o Governo italiano esteja desesperadamente a
procurar outra solução, tentando passar ao lado dos obstáculos
criados pela nova legislação europeia.
A vontade de Matteo
Renzi seria a de resolver o problema da banca através de uma limpeza
massiva do crédito mal parado e de uma capitalização dos bancos
mais frágeis, financiadas essencialmente com dinheiro do Estado. No
entanto, em Bruxelas – e especialmente em Berlim – tem encontrado
uma forte oposição a essa solução que iria contra o espírito das
novas regras recentemente aprovadas.
Perante isto, Renzi
foi tomando outras medidas, na esperança de ganhar tempo. A
principal foi a criação do banco Atlante, um veículo que tinha
como principal função inicial adquirir aos outros bancos o crédito
mal parado que estava nos seus balanços. Para evitar a violação
das regras europeias que impedem a ajuda do Estado, o Atlante foi
criado com o capital dos bancos privados mais saudáveis e de um
banco público. Em simultâneo, o Estado começou a conceder
garantias (por um determinado preço) aos títulos com crédito mal
parado emitidos pelas instituições financeiras, o que facilita a
sua venda a potenciais investidores interessados.
Este plano, contudo,
tem alguns problemas. O primeiro é que, ao colocar o Atlante (que é
detido por bancos privados) a comprar crédito mal-parado, aquilo que
se pode estar a fazer é a espalhar os problemas por todo o sector.
O segundo é que o
capital colocado no Atlante é insuficiente para resolver todos os
problemas. O veículo destinava-se inicialmente a absorver o mal
parado, mas acabou muito rapidamente por gastar o seu dinheiro na
capitalização de pequenos bancos em dificuldades e agora deverá
ser chamado a injectar mais dinheiro no Monte dei Paschi di Siena.
Neste momento, já se prepara a criação de um segundo veículo –
o Atlante 2 -, com mais 2000 milhões de euros, mas existem muitas
dúvidas que o dinheiro chegue.
Guerra Itália
Alemanha
Volta-se por isso ao
confronto entre a necessidade que o Governo italiano tem de ajudar os
bancos sem provocar perdas a todos os credores e as novas regras
europeias que protegem essencialmente os contribuintes.
Os responsáveis
políticos alemães têm assumido o papel de defensores das novas
regras. Angela Merkel e Wolfgang Schäuble fizeram questão em
diversas ocasiões de lembrar que o governo italiano, tal como todos
os outros, aprovou há bem pouco tempo a nova regulamentação. “Não
podemos andar a mudar as regras de dois em dois anos”, afirmou
Merkel. Matteo Renzi tem respondido a estes avisos da Alemanha com
indignação e com a garantia de que “a Itália sabe muito bem como
cumprir as regras”.
Ainda assim, o que
parece certo neste momento é que, ou o Governo italiano recua na sua
determinação de não passar perdas para os detentores de obrigações
dos bancos, ou as autoridades europeias mostram uma maior
flexibilidade na aplicação das regras.
“A união europeia
encontra-se confrontada com a escolha entre flexibilizar as regras da
União Bancária e a própria sobrevivência do euro, que a primeira
procurava garantir”, explica o economista Nuno Teles, que não tem
dúvidas de que, “com um terço de todos os empréstimos em
incumprimento de toda a UE e com a ausência de investidores privados
disponíveis para qualquer recapitalização, a banca italiana
precisa de capital público para sobreviver”.
Nicolas Veron,
economista no think tank Bruegel, ainda acredita numa outra solução,
que permita pelo menos nesta fase, resolver o problema do Monte dei
Paschi di Siena, através de algumas excepções previstas nas novas
regras europeias, nomeadamente poupando todos os credores seniores e
depositantes e compensando os credores juniores que sejam
efectivamente investidores de retalho.
Parece ser isso que,
neste momento, se discute entre Roma e as outras capitais europeias,
com uma solução a ter de ser encontrada até ao próximo dia 29 de
Julho, quando os resultados dos testes de stress são apresentados.
Recentemente, de
Berlim as mensagens tem sido mais conciliatórias. Angela Merkel
disse que uma solução é possível e a Reuters noticiou, citando um
responsável do executivo alemão, que havia abertura de Berlim para
um apoio estatal parcial que impedisse perdas para os investidores de
retalho. Ainda assim, o apoio apenas poderia ser parcial, frisaram.
Em toda a Europa,
existe a consciência de que o problema que enfrenta a banca italiana
é um reflexo das dificuldades que sente todo o sector à escala
europeia. Nem a Alemanha escapa, como demontra a fragilidade revelada
nas contas do gigante Deutsche Bank.
Mas são países
como Portugal, com problemas bastante semelhantes aos de Itália, que
mais atentos devem estar ao que acontece em Itália. Também na banca
portuguesa, se está à espera de soluções para o crédito mal
parado e para as necessidades de capital de vários bancos.
Será que surgirão
boas notícias de Itália? “É possível que perante a dimensão do
problema, Portugal e o seu sector bancário possam vir a beneficiar
de um qualquer esquema europeu de recapitalização que não implique
os custos acima referidos para aforradores e que, por exemplo,
possibilite a recapitalização da CGD”, antecipa Nuno Teles.
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