As
sanções, ponto por ponto
JOÃO MIGUEL TAVARES
05/07/2016 – PÚBLICO
Não
é com Pedro Passos Coelho que Bruxelas está preocupada – é mesmo
com António Costa.
Ponto um. É verdade
que a desaceleração da economia portuguesa não aconteceu só após
a posse do actual governo. Ela já vem a cair desde o segundo
semestre de 2015, seja porque se agravou a crise em países como
Angola e Brasil, seja porque os investidores começaram a temer os
resultados das legislativas de Outubro, seja porque Passos Coelho e
Maria Luís Albuquerque se concentraram mais na tentativa de ganhar
as eleições do que nas contas do país. O número do défice
estimado pelo governo PSD-CDS para 2015 era de 2,7%. Portanto, quer o
défice tenha sido 4,4%, 3,2% ou 3,0%, é sempre lícito afirmar que
Passos Coelho e a sua ministra das Finanças falharam as metas a que
se propuseram.
Ponto dois. É
verdade, contudo, como sugere a própria Maria Luís Albuquerque, que
se o governo de António Costa quisesse que o défice de 2015 se
situasse abaixo de 3% não teria tido grande dificuldade em
consegui-lo, já que o cálculo final envolve discussões com a
Comissão Europeia sobre o que são medidas extraordinárias e
medidas estruturais. O próprio INE reportou no final de Março uma
estimativa para o défice de 2015 de 4,4%, incluindo a intervenção
no Banif, que dizia ter correspondido a 1,4% do PIB. Quando se retira
1,4 a 4,4 o resultado não é 3,2. Em Maio, o Conselho de Finanças
Públicas reiterou que o défice de 2015 foi de 3% sem Banif,
alertando, contudo, para divergências na classificação de certas
medidas. Se António Costa e o PS agora enchem a boca com os 3,2%,
não é apenas por esse ser o número avançado pela Comissão
Europeia, mas porque lhes dá imenso jeito empurrar a
responsabilidade pelo procedimento por défice excessivo para o
anterior governo, diminuindo em simultâneo a exigência para 2016.
Ponto três. É
absolutamente mentira que a única coisa actualmente em causa seja a
actuação do governo PSD-CDS, por muito que António Costa apareça
todos os dias na televisão a insistir nessa ideia e a repetir
“anterior governo” a cada duas frases. Ainda ontem ele encheu uma
conferência de imprensa com ironias deslocadas: “qualquer medida
hoje adoptada seria insusceptível de corrigir aquilo que foi
orçamentado em 2015”. Eis o nosso pândego primeiro ministro a
praticar a sua especialidade política: desconversar sobre o
acessório para não ter de conversar sobre o essencial. Porque o
essencial é isto: as reversões do seu governo são um disparate
absoluto, despudorado e criminoso tendo em conta o estado em que se
encontra o país. E elas têm tudo para empurrar novamente Portugal
para os braços da bancarrota assim que o BCE deixar de comprar
dívida portuguesa em quantidades cavalares (números de 31 de Maio:
17 mil milhões de euros adquiridos até agora, ao ritmo de 1,5 mil
milhões por mês).
Ponto quatro. A
agência Reuters não está certamente sob o comando da direita
portuguesa e a notícia que justificou a conferência de imprensa de
António Costa não deixa qualquer margem para dúvidas. O lead era
este: “The European Commission on Tuesday will give Spain and
Portugal three more weeks to take steps to correct their excessive
deficits and avoid fiscal sanctions.” Que eu saiba, “tomar
medidas para corrigir os défices excessivos” não inclui alugar
mesas de pé de galo para entrar em contacto com o fantasma dos
défices passados. Não, não é com o passado que Bruxelas está
ocupada – é com o presente. E não, não é com Pedro Passos
Coelho que Bruxelas está preocupada – é mesmo com António Costa.
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