A
última traição de Durão Barroso
JOÃO MIGUEL TAVARES
12/07/2016 – PÚBLICO
A
nova opção de carreira de Durão Barroso encaixa como uma luva na
narrativa da extrema-direita e da extrema-esquerda.
Pode ir? Pode. Devia
ir? Obviamente que não. A entrada de Durão Barroso na Goldman
Sachs, 21 meses após ter deixado a presidência da Comissão
Europeia, mostra ainda menos sentido de Estado do que a sua ida para
a presidência da Comissão Europeia, dois anos após ter sido eleito
primeiro-ministro de Portugal. E prova mais uma vez aquilo que todos
já sabíamos desde 2004: a única coisa que realmente preocupa Durão
Barroso é o bem-estar de Durão Barroso.
Sem Durão não
teria havido Santana, e sem Santana não teria havido Sócrates –
não daquela maneira, pelo menos –, pelo que a dívida que o homem
já tinha para com Portugal não há ordenado da Goldman Sachs que
possa pagar. Agora fica a acumular dívida portuguesa com dívida
europeia: o impacto político da sua ida para chairman da empresa em
Londres é enorme, e a UE não merecia ter de lidar com mais isto
neste momento. Veja-se o que se disse da sua contratação por essa
Europa fora, com Marine Le Pen à cabeça, via Twitter: “Barroso na
Goldman Sachs: nenhuma surpresa para quem sabe que a UE não serve os
povos, mas a alta finança.” É isto que vai ser dito e repetido
até à náusea. A nova opção de carreira de Durão Barroso encaixa
como uma luva na narrativa da extrema-direita e da extrema-esquerda.
Em boa verdade, nem é preciso ir aos extremos. Ana Catarina Mendes
mostrou no sábado o que o PS pensa do assunto: “Durão Barroso foi
presidente da Comissão Europeia nos piores anos do projeto europeu.
E que prémio podia ele ter? Ficar naquela que foi a principal
causadora da destruição dos direitos sociais na União Europeia.”
É claro que definir
a Goldman Sachs como “a principal causadora da destruição dos
direitos sociais na União Europeia” é absolutamente patético e
demonstra como hoje em dia a esquerda do PS e o Bloco de Esquerda
diferem tanto entre si quanto Dupond e Dupont. Aliás, se o mundo
“neoliberal” fosse tão a preto e branco como o pintam, e a
Goldman Sachs o Big Brother do capitalismo planetário, certamente
que não teria ficado a arder, como ficou, com 834 milhões de
dólares no BES. Ninguém passa a perna à Goldman? Pelos vistos,
Ricardo Salgado passou. Mas este não é tempo para discutir
subtilezas. Bem ou mal, com argumentos exagerados ou não, a verdade
é que a Goldman Sachs se tornou numa sinédoque da selvajaria do
mercado de capitais, tanto em Portugal como na China. O seu nome é
tóxico, e certamente que Durão Barroso lê suficientes jornais para
saber isso.
Assim sendo, por que
é que aceitou o convite, quando ainda há dois meses apareceu todo
pintalegrete no Expresso a exibir o seu magnífico estatuto na
Universidade de Princeton? A justificação que desta vez apresentou
ao semanário não é menos patética do que as declarações de Ana
Catarina Mendes: “É-se criticado por ter cão e por não ter. Se
se fica na vida política é porque se vive à conta do Estado, se se
vai para a vida privada é porque se está a aproveitar a experiência
adquirida na política.” Uma resposta tão medíocre quanto esta é
indigna da sua inteligência – e da nossa. Durão Barroso tem
consciência das implicações da sua decisão, mas está-se
simplesmente nas tintas. Já Passos Coelho, quando se trata de
proteger os da sua tribo, parece não ter consciência de coisa
alguma: em vez de fazer como António Costa, que se limitou a um
desejo irónico de felicidades, optou por uma longa e palavrosa
defesa do ex-presidente da Comissão Europeia. Perdeu uma óptima
oportunidade para ficar calado.
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