EDITORIAL / PÚBLICO
Um
mau acordo ou um não acordo?
DIRECÇÃO EDITORIAL
02/06/2015 -
O tempo escasseia
para a Grécia e as negociações já estão a saltar do plano
técnico para o político.
De ultimato em
ultimato, aproxima-se o dia em que os gregos simplesmente não terão
dinheiro para honrar os seus compromissos. Que dia é esse ainda
ninguém sabe ao certo. Poderá, porém, não ser uma questão de
semanas, mas de dias. Como escrevia Jorge Almeida Fernandes no
domingo, a crise grega tem sido feita de sucessivas “datas
fatídicas” que até agora não têm sido fatais. A última data
fatídica foi 12 de Maio. Nessa altura, quando se pensava que fosse
entrar em incumprimento, Varoufakis desencantou 750 milhões num
fundo de emergência do FMI para reembolsar um empréstimo do próprio
FMI. A próxima data fatídica é sexta-feira. E depois disso
seguir-se-ão outras.
Um porta-voz do
Governo grego, questionado pela Reuters se vai pagar o que deve ao
FMI na sexta-feira, disse: “Se chegarmos a um acordo [com os
credores oficiais], então vamos fazer o pagamento que vence a 5 de
Junho normalmente.” Não o tendo assumido explicitamente, e não
tendo colocado a frase na negativa, para bom entendedor meia frase
basta: “Se não chegarmos a um acordo…” Um incumprimento da
Grécia, mesmo que involuntário, vai desencadear uma cadeia de
eventos de proporções desconhecidas e, como tal, assustadoras. Um
incumprimento iria, a curto prazo, provocar o pânico e levaria as
autoridades a colocar um tecto ao levantamento de dinheiro. E os
bancos, a partir do momento em que o Estado entrasse em default,
perderiam acesso à liquidez de emergência do BCE. E a saída do
euro seria inevitável, embora ainda ninguém conheça a porta de
saída. E com que estrondo e que estragos iria fazer – para os que
fossem e para os que ficassem.
Pierre Moscovici,
comissário europeu dos Assuntos Económicos, veio dizer que se têm
verificado "significativos progressos" nas negociações,
mas advertiu que ainda há "trabalho por fazer". A
tradução de bruxelês para português significa que continuamos num
impasse. Conscientes de que o tempo escasseia, Merkel, Hollande,
Lagarde, Draghi e Juncker reuniram-se em Berlim para tentar acelerar
o ritmo das negociações. O grupo dos cinco está eventualmente a
fazer descolar a discussão do plano técnico para um plano de onde
ela nunca deveria ter saído, que é o das decisões políticas.
A sensação é que
estamos no ponto onde estávamos há quatro meses, quando o Syriza
encetou negociações com os credores depois de umas eleições em
que ganhou prometendo o fim da austeridade. Mas como fez questão de
lembrar esta terça-feira Yannis Stournaras, governador do banco
central grego, “ninguém tem o mandato para retirar a Grécia do
euro”. Nem o Governo de Alexis Tsipras, nem o grupo do cinco.
Stournaras recordou que a esmagadora maioria dos gregos quer
continuar no euro e que 65% até estão dispostos a aceitar mais
sacrifícios para continuarem a fazer parte do clube. Chegamos a um
ponto em que um mau acordo é preferível a não haver acordo. Por
mais injusto que isso possa ser para os gregos.
25.ª
hora
Teresa de Sousa / 3-6-2015 /
PÚBLICO
1. Angela Merkel
gostaria de presidir à cimeira do G7, no próximo fim-desemana na
Baviera, sem ter de enfrentar a pressão dos seus parceiros das
democracias ricas para que resolva de uma vez a questão grega, de
preferência mantendo a zona euro intacta. O Presidente americano
fá-lo-á sem sombra de dúvida e com razões acrescidas. A economia
mundial dá sinais de arrefecimento, com as economias emergentes a
aproximar-se da recessão (Brasil) ou a rever em baixa as suas
projecções de crescimento (China).
Um desastre grego
teria um impacte negativo de grandes proporções. A agenda oficial
do G7 inclui, como sempre, as grandes questões da agenda mundial, da
pobreza ao clima, passando pela Rússia (que deixou de ter lugar à
mesa depois da crise ucraniana) e pela segurança internacional. Mas,
quer a chanceler queira, quer não, será difícil evitar que um
eventual “Grexit” ou até um eventual “Brexit”, pelas suas
consequências não apenas económicas mas estratégicas, não venha
a dominar o encontro.
2. A reunião de
segundafeira passada na chancelaria de Berlim, com François
Hollande, os presidentes da Comissão e do BCE e a directora do FMI
foi vista como um sinal de que, do ponto de vista alemão, se esgotou
o tempo para mais negociações com Atenas. Um porta-voz da chanceler
falou em “oferta final”. Ao longo do dia de ontem esta mensagem
foi-se diluindo em declarações mais ou menos contraditórias das
instituições europeias. Mas os sinais vindos de Atenas também vão
no sentido de que se aproxima a 25.ª hora. Alexis Tsipras anunciou o
envio para Bruxelas de uma proposta “global e realista”,
colocando também as coisas no tudo ou nada. Os seus ministros
desdobraram-se em declarações garantindo que a Grécia não aceita
“chantagem” nem “ultimatos”. Voltaram os rumores sobre novas
eleições. O problema é que o dinheiro escasseia para os quatro
pagamentos de Atenas ao FMI que vencem neste mês de Junho, no fim do
qual expira o prolongamento do segundo resgate concedido à Grécia.
Se houver a perspectiva de uma solução, o Governo de Tsipras
tentará convencer o FMI a pagar as quatro tranches previstas para
Junho ao mesmo tempo e só no final do mês. Sem um acordo que
liberte os 7,2 mil milhões de euros da última tranche europeia,
escreve Martin Wolf no Financial Times, “Atenas será forçada a
entrar em default”. “Não tem outra fonte de financiamento.” A
questão continua a ser o que vai fazer a chanceler.
Há duas teses em
confronto entre os decisores europeus. A primeira, defendida pela
Comissão e até pelo presidente do Eurogrupo, estaria disposta a
exigir a Atenas apenas um “programa mínimo” com um compromisso
em torno das grandes reformas que ainda não foram feitas,
nomeadamente os cortes das pensões que hoje estão no centro do
braço-de-ferro entre Atenas e os negociadores. A segunda, defendida
pela Alemanha, quer já um “programa máximo”, com especificações
e calendários. Merkel sabe que o problema não se esgota agora com
um acordo que permita aos gregos sobreviver no curto prazo. Quer ir
ao Bundestag com garantias suficientes para convencer os alemães a
aceitar aquilo que parece cada vez mais inevitável e que é um
terceiro resgate. Quem ganhou na segunda-feira? Normalmente, a
chanceler não perde.
3. Charles Grant, o
director do Centre for European Reform de Londres, escrevia em Abril
que a Alemanha lhe parecia demasiado “descontraída” perante uma
eventual saída da Grécia. “Desta vez [ao contrário de 2012], os
responsáveis alemães acreditam que um “Grexit” não
desestabilizaria a zona euro”. Mas há condições políticas para
este cenário. “Um ponto-chave para a chanceler é que a Alemanha
não seja vista como a responsável por um desastre grego”, diz o
director do CER. “Se o ‘Grexit’ acontecer, as pessoas terão de
perceber que a causa está do lado grego, que não fez o seu trabalho
de casa, e não na falta de solidariedade.” Berlim conseguiu reunir
à sua volta mesmo aqueles países que criticavam o excesso de
austeridade imposto à Grécia, ajudada pela forma por vezes
desastrada com que actuou o Governo grego.
Na verdade, ninguém
sabe ao certo qual seria o impacte de uma saída grega. Era,
porventura, mais fácil se a questão se resumisse à economia. O
problema é político: as uniões monetárias não são reversíveis.
Mesmo que as consequências não fossem imediatas, o euro passaria a
viver com uma bomba ao retardador atada ao pescoço, apenas à espera
da próxima crise para rebentar. E Portugal, mais uma vez, ficaria
muito perto da zona de impacte.
4. Outra fonte de
preocupação por parte de alguns países europeus é o efeito da
solução que vier a ser adoptada na paisagem política europeia, já
de si em profunda mudança. Os partidos do sistema estão em perda
praticamente em toda a parte. Um eleitorado descrente das
virtualidades europeias, mesmo que por razões por vezes opostas
(entre o Norte e o Sul, por exemplo) está a alimentar novos partidos
de raiz populista cujo impacte na governação da zona euro começa a
ser demasiado visível. O caso espanhol é evidente. Mesmo que sem as
cores da xenofobia e do nacionalismo que predominam a norte, o
Podemos e o Ciudadanos, com a sua mensagem “romântica” mas vaga
contra a corrupção, o clientelismo e a austeridade, vão obrigar a
mudanças no quadro governativo. Noutros países, partidos xenófobos
e nacionalistas condicionam cada vez mais os governos. A fragmentação
europeia ainda é um risco. O destino da Grécia pode ser apenas o
começo.
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