quarta-feira, 3 de junho de 2015

EDITORIAL / PÚBLICO Um mau acordo ou um não acordo? / 25.ª hora / Teresa de Sousa


EDITORIAL / PÚBLICO
Um mau acordo ou um não acordo?
DIRECÇÃO EDITORIAL 02/06/2015 -

O tempo escasseia para a Grécia e as negociações já estão a saltar do plano técnico para o político.
De ultimato em ultimato, aproxima-se o dia em que os gregos simplesmente não terão dinheiro para honrar os seus compromissos. Que dia é esse ainda ninguém sabe ao certo. Poderá, porém, não ser uma questão de semanas, mas de dias. Como escrevia Jorge Almeida Fernandes no domingo, a crise grega tem sido feita de sucessivas “datas fatídicas” que até agora não têm sido fatais. A última data fatídica foi 12 de Maio. Nessa altura, quando se pensava que fosse entrar em incumprimento, Varoufakis desencantou 750 milhões num fundo de emergência do FMI para reembolsar um empréstimo do próprio FMI. A próxima data fatídica é sexta-feira. E depois disso seguir-se-ão outras.

Um porta-voz do Governo grego, questionado pela Reuters se vai pagar o que deve ao FMI na sexta-feira, disse: “Se chegarmos a um acordo [com os credores oficiais], então vamos fazer o pagamento que vence a 5 de Junho normalmente.” Não o tendo assumido explicitamente, e não tendo colocado a frase na negativa, para bom entendedor meia frase basta: “Se não chegarmos a um acordo…” Um incumprimento da Grécia, mesmo que involuntário, vai desencadear uma cadeia de eventos de proporções desconhecidas e, como tal, assustadoras. Um incumprimento iria, a curto prazo, provocar o pânico e levaria as autoridades a colocar um tecto ao levantamento de dinheiro. E os bancos, a partir do momento em que o Estado entrasse em default, perderiam acesso à liquidez de emergência do BCE. E a saída do euro seria inevitável, embora ainda ninguém conheça a porta de saída. E com que estrondo e que estragos iria fazer – para os que fossem e para os que ficassem.

Pierre Moscovici, comissário europeu dos Assuntos Económicos, veio dizer que se têm verificado "significativos progressos" nas negociações, mas advertiu que ainda há "trabalho por fazer". A tradução de bruxelês para português significa que continuamos num impasse. Conscientes de que o tempo escasseia, Merkel, Hollande, Lagarde, Draghi e Juncker reuniram-se em Berlim para tentar acelerar o ritmo das negociações. O grupo dos cinco está eventualmente a fazer descolar a discussão do plano técnico para um plano de onde ela nunca deveria ter saído, que é o das decisões políticas.

A sensação é que estamos no ponto onde estávamos há quatro meses, quando o Syriza encetou negociações com os credores depois de umas eleições em que ganhou prometendo o fim da austeridade. Mas como fez questão de lembrar esta terça-feira Yannis Stournaras, governador do banco central grego, “ninguém tem o mandato para retirar a Grécia do euro”. Nem o Governo de Alexis Tsipras, nem o grupo do cinco. Stournaras recordou que a esmagadora maioria dos gregos quer continuar no euro e que 65% até estão dispostos a aceitar mais sacrifícios para continuarem a fazer parte do clube. Chegamos a um ponto em que um mau acordo é preferível a não haver acordo. Por mais injusto que isso possa ser para os gregos.

25.ª hora
Teresa de Sousa / 3-6-2015 / PÚBLICO

1. Angela Merkel gostaria de presidir à cimeira do G7, no próximo fim-desemana na Baviera, sem ter de enfrentar a pressão dos seus parceiros das democracias ricas para que resolva de uma vez a questão grega, de preferência mantendo a zona euro intacta. O Presidente americano fá-lo-á sem sombra de dúvida e com razões acrescidas. A economia mundial dá sinais de arrefecimento, com as economias emergentes a aproximar-se da recessão (Brasil) ou a rever em baixa as suas projecções de crescimento (China).
Um desastre grego teria um impacte negativo de grandes proporções. A agenda oficial do G7 inclui, como sempre, as grandes questões da agenda mundial, da pobreza ao clima, passando pela Rússia (que deixou de ter lugar à mesa depois da crise ucraniana) e pela segurança internacional. Mas, quer a chanceler queira, quer não, será difícil evitar que um eventual “Grexit” ou até um eventual “Brexit”, pelas suas consequências não apenas económicas mas estratégicas, não venha a dominar o encontro.
2. A reunião de segundafeira passada na chancelaria de Berlim, com François Hollande, os presidentes da Comissão e do BCE e a directora do FMI foi vista como um sinal de que, do ponto de vista alemão, se esgotou o tempo para mais negociações com Atenas. Um porta-voz da chanceler falou em “oferta final”. Ao longo do dia de ontem esta mensagem foi-se diluindo em declarações mais ou menos contraditórias das instituições europeias. Mas os sinais vindos de Atenas também vão no sentido de que se aproxima a 25.ª hora. Alexis Tsipras anunciou o envio para Bruxelas de uma proposta “global e realista”, colocando também as coisas no tudo ou nada. Os seus ministros desdobraram-se em declarações garantindo que a Grécia não aceita “chantagem” nem “ultimatos”. Voltaram os rumores sobre novas eleições. O problema é que o dinheiro escasseia para os quatro pagamentos de Atenas ao FMI que vencem neste mês de Junho, no fim do qual expira o prolongamento do segundo resgate concedido à Grécia. Se houver a perspectiva de uma solução, o Governo de Tsipras tentará convencer o FMI a pagar as quatro tranches previstas para Junho ao mesmo tempo e só no final do mês. Sem um acordo que liberte os 7,2 mil milhões de euros da última tranche europeia, escreve Martin Wolf no Financial Times, “Atenas será forçada a entrar em default”. “Não tem outra fonte de financiamento.” A questão continua a ser o que vai fazer a chanceler.
Há duas teses em confronto entre os decisores europeus. A primeira, defendida pela Comissão e até pelo presidente do Eurogrupo, estaria disposta a exigir a Atenas apenas um “programa mínimo” com um compromisso em torno das grandes reformas que ainda não foram feitas, nomeadamente os cortes das pensões que hoje estão no centro do braço-de-ferro entre Atenas e os negociadores. A segunda, defendida pela Alemanha, quer já um “programa máximo”, com especificações e calendários. Merkel sabe que o problema não se esgota agora com um acordo que permita aos gregos sobreviver no curto prazo. Quer ir ao Bundestag com garantias suficientes para convencer os alemães a aceitar aquilo que parece cada vez mais inevitável e que é um terceiro resgate. Quem ganhou na segunda-feira? Normalmente, a chanceler não perde.
3. Charles Grant, o director do Centre for European Reform de Londres, escrevia em Abril que a Alemanha lhe parecia demasiado “descontraída” perante uma eventual saída da Grécia. “Desta vez [ao contrário de 2012], os responsáveis alemães acreditam que um “Grexit” não desestabilizaria a zona euro”. Mas há condições políticas para este cenário. “Um ponto-chave para a chanceler é que a Alemanha não seja vista como a responsável por um desastre grego”, diz o director do CER. “Se o ‘Grexit’ acontecer, as pessoas terão de perceber que a causa está do lado grego, que não fez o seu trabalho de casa, e não na falta de solidariedade.” Berlim conseguiu reunir à sua volta mesmo aqueles países que criticavam o excesso de austeridade imposto à Grécia, ajudada pela forma por vezes desastrada com que actuou o Governo grego.
Na verdade, ninguém sabe ao certo qual seria o impacte de uma saída grega. Era, porventura, mais fácil se a questão se resumisse à economia. O problema é político: as uniões monetárias não são reversíveis. Mesmo que as consequências não fossem imediatas, o euro passaria a viver com uma bomba ao retardador atada ao pescoço, apenas à espera da próxima crise para rebentar. E Portugal, mais uma vez, ficaria muito perto da zona de impacte.


4. Outra fonte de preocupação por parte de alguns países europeus é o efeito da solução que vier a ser adoptada na paisagem política europeia, já de si em profunda mudança. Os partidos do sistema estão em perda praticamente em toda a parte. Um eleitorado descrente das virtualidades europeias, mesmo que por razões por vezes opostas (entre o Norte e o Sul, por exemplo) está a alimentar novos partidos de raiz populista cujo impacte na governação da zona euro começa a ser demasiado visível. O caso espanhol é evidente. Mesmo que sem as cores da xenofobia e do nacionalismo que predominam a norte, o Podemos e o Ciudadanos, com a sua mensagem “romântica” mas vaga contra a corrupção, o clientelismo e a austeridade, vão obrigar a mudanças no quadro governativo. Noutros países, partidos xenófobos e nacionalistas condicionam cada vez mais os governos. A fragmentação europeia ainda é um risco. O destino da Grécia pode ser apenas o começo.

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