Descubra as diferenças entre
Costa e Sócrates
Costa ajudou Sócrates a escrever a moção em 2009
O Observador comparou a moção e as propostas que Costa apresentou na
sexta-feira com a moção que Sócrates apresentou ao Congresso em 2009. Um texto
que, por sinal, foi escrito por... Costa.
7/11/2014 / RITA
DINIS / 8-11-2014.
Tal como esta
sexta-feira António Costa apresentou ao partido e ao país a moção política ao
XX Congresso Nacional do PS, em janeiro de 2009 era José Sócrates que
apresentava o documento estratégico para o Congresso, que foi escrito
precisamente sob a coordenação de António Costa. Cinco anos depois, a realidade
do país mudou e, por isso, há diferenças nos dois textos e ausências muito
notadas – como a dívida e o rigor orçamental – mas há também muitas
semelhanças. No discurso e no caminho a seguir.
Palavras como
dívida pública e endividamento externo não entravam na moção de José Sócrates,
intitulada “PS: a força da mudança”, mas eram possivelmente as mais aguardadas
na moção política e na prometida “Agenda para a década” de António Costa.
Apesar de não defender nem a reestruturação nem a renegociação da dívida, Costa
aponta uma proposta de solução mais alargada para o problema da dívida, que
passa pela Europa e nomeadamente por uma “leitura mais flexível das regras
orçamentais”.
Metas, regras e
disciplina orçamental também não. São palavras que pouco ou nada aparecem no
documento de José Sócrates. Mas cinco anos depois Costa defende, por um lado,
que não devem ser postas “em causa as regras fundadoras da disciplina
orçamental da União Europeia”, mas diz ao mesmo tempo que deve ser feita uma
“leitura inteligente da disciplina orçamental”, isto é, com vista a uma mais
flexibilidade das metas do Tratado Orçamental.
A postura perante
a Europa é, precisamente, outro dos aspetos que distingue o discurso 100%
europeísta do PS de Sócrates em 2009 e um discurso mais crítico de Bruxelas na
moção estratégica do agora candidato a líder socialista. Se Sócrates dizia em
2009 que o “PS é o partido da Europa” – “sem qualquer hesitação, ambiguidade ou
reserva” -, a moção de Costa pede agora uma “nova voz na Europa” e um “novo
impulso na União Europeia”. Apesar de não querer um “virar de costas” a
Bruxelas, Costa defende claramente uma mudança de direção.
Em cinco anos
muito mudou no cenário económico-social português, mas mantém-se o discurso dos
dois socialistas no que diz respeito à “resposta à crise“. Uma crise que,
escrevia Sócrates na altura, se traduziu num défice “elevadíssimo” em 2005
devido “ao fracasso da governação da direita [governos de Durão Barroso e
depois Santana Lopes]“. E uma crise que, diz Costa cinco anos depois, foi
agravada pela resposta “pró-ciclica” dada pelo atual Governo de Pedro Passos
Coelho.
No documento
estratégico de Sócrates, lê-se que o PS se concentrou na tarefa de “promover o
crescimento económico e a criação de emprego” a par de uma “política de rigor”
para reduzir o défice. Uma postura de “resposta à crise” que Costa caracteriza
de “contra cíclica” e que faz questão de lembrar no documento que agora
apresenta:
“Enquanto a
resposta em 2009 foi contra cíclica, tanto do ponto de vista orçamental como
das políticas escolhidas – que procuraram conciliar a urgência da resposta no
curto prazo com o investimento modernizador no longo prazo –, a resposta ao
choque de 2011-2013 foi pró-cíclica”.
Entre 2009 e 2014
muito mudou, desde o pedido de ajuda externa à assinatura e execução do
memorando da troika, mas as semelhanças nos discursos e nas propostas dos dois
socialistas são evidentes, havendo no documento de Costa a promessa da
reposição de algumas medidas do Governo anterior. Ficam aqui alguns exemplos:
Política Fiscal
Costa: Definir um
quadro de estabilidade e transparência fiscal; estabelecer uma tributação
pessoal mais equitativa; programar a evolução do IRS até 2020 e eliminar a
sobretaxa e “outros elementos de regressividade do imposto”.
Sócrates:
Assegurar um “maior equilíbrio”, nomeadamente através do apoio às famílias de
rendimentos médios e do estimulo à natalidade, e uma “melhor distribuição do
esforço fiscal” com limites às deduções de que beneficiam os que têm
rendimentos mais elevados para que possam beneficiar os que têm rendimentos
médios, eram bandeiras fiscais de Sócrates. Também a “maior transparência”
estava presente.
Políticas sociais
Costa: Repor
progressivamente as condições de equilíbrio dos sistemas de proteção social;
centrar o combate à pobreza nas crianças e aos jovens. E repor o Complemento
Solidário para Idosos, uma medida do governo socialista.
Sócrates: Já
Sócrates se comprometia a “aprofundar as prestações sociais para aqueles que
não podem aceder a rendimentos dignos através da atividade económica”. Pedia o
“alargamento da proteção social para todos os setores da população que têm
dificuldades de acesso a essa proteção”, e lembrava o Complemento Solidário
para Idosos que, segundo Sócrates, tinha permitido retirar da situação de
pobreza cerca de 200 mil idosos.
Salário mínimo
Costa: Não diz
quanto nem quando, mas uma das promessas de António Costa é o “aumento
sustentado” do salário mínimo nacional.
Sócrates não
falava, na altura, em promessas de aumento do salário mínimo, mas não esquecia
o assunto para dizer que “promovemos um aumento substancial do salário mínimo”.
Reforma do
sistema eleitoral
Costa: Para já,
promete alterar o sistema eleitoral, através da introdução dos sistemas
uninominais. “Aperfeiçoar o regime de incompatibilidades entre a esfera pública
e privada” também estará no horizonte.
PS. Propostas claras para ganhar
em 2015
António Costa não pode ambicionar um cheque em branco dos eleitores
Por Luís Rosa
publicado em 8
Nov 2014 in
(jornal) i online
António Costa
teve ontem mais uma oportunidade para concretizar a política que defende para o
país, mas repetiu um conjunto de princípios vagos na moção que vai levar ao
congresso nacional do PS. Nunca se esperam grandes feitos nesse tipo de
documentos, muito menos a um ano de eleições, contudo o tempo vai passando sem
que Costa diga ao que vem.
No caso da
"Agenda para a Década", que será a base do seu programa eleitoral,
existe mesmo uma mudança de discurso em relação aos poucos compromissos claros
que já tinham sido assumidos pelo futuro líder do PS, como Rita Tavares explica
nestas páginas. Eis alguns exemplos: o aumento do salário mínimo para os 522
euros, que tinha sido prometido já para 2015, passa para um "aumento
sustentado" sem data; a reposição integral dos salários para a função
pública foi transformada numa "política de estabilização e recuperação dos
rendimentos das famílias"; e a redução do IVA na restauração é ignorada. Já
a sobretaxa do IRS tem direito a uma promessa de revogação, mas sem data
concreta - apenas é feita referência a uma "evolução programada até
2020" - o que pode significar que a sobretaxa poderá vir a ser reduzida
gradualmente até àquela data.
Esta mudança de
discurso não é positiva. Uma coisa é falar de boca, outra é assumir um compromisso
escrito que poderá ser escrutinado no futuro. Compreende- -se que António Costa
seja cauteloso nas promessas, tendo em conta as anteriores experiências de
Durão Barroso, José Sócrates ou Passos Coelho antes de chegarem a São Bento, e
as dificuldades económicas e orçamentais no horizonte, mas o presidente da
Câmara de Lisboa não pode esperar uma espécie de cheque em branco dos eleitores
nas próximas legislativas. Tem de dizer de forma clara que política defende
para o país.
António Costa
pode e deve aproveitar o sentimento de mudança dos eleitores em geral. Pressente-se
que a actual maioria já não consegue cativar os portugueses após quatro anos de
austeridade sem grandes resultados. Para potenciar essa necessidade de mudança,
repete-se, Costa tem de especificar as suas soluções.
Na questão da
reestruturação da dívida, por exemplo, justifica-se o seu discurso cauteloso. É
importante que tenha refreado as opiniões mais radicais do seu partido,
assumindo serenamente desde o início que qualquer mudança no capítulo da dívida
terá de ser tomada a nível europeu.
António Costa
fala, e bem, na necessidade de aumentar o investimento de forma a potenciar o
ténue crescimento económico que existe. O principal receio reside, contudo, no
forte investimento público ou comunitário defendido pelo edil lisboeta. Criar
um programa nacional de requalificação urbana assente em fundos públicos,
voltar a apostar nas energias renováveis (leia-se: reforçar a subsidiação do
sector) ou não incluir nas contas do défice orçamental os investimentos feitos
a partir de financiamento europeu (que têm sempre uma comparticipação nacional)
nos "domínios de energia, transportes e de economia digital" parece
um regresso ao passado. Faz lembrar a Parque Escolar, as renováveis, as
barragens, as PPP rodoviárias e o discurso de José Sócrates em 2009 sobre a
única solução para a crise: investimento público, investimento público e... investimento
público. Repetir os erros de José Sócrates é um luxo a que António Costa não se
pode dar. Sob pena de perder o eleitorado do centro que mudou o seu voto de
Sócrates para Passos Coelho em 2011.
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