sábado, 8 de novembro de 2014

Descubra as diferenças entre Costa e Sócrates. / OBSERVADOR. PS. Propostas claras para ganhar em 2015 / Por Luís Rosa.




Descubra as diferenças entre Costa e Sócrates
Costa ajudou Sócrates a escrever a moção em 2009
O Observador comparou a moção e as propostas que Costa apresentou na sexta-feira com a moção que Sócrates apresentou ao Congresso em 2009. Um texto que, por sinal, foi escrito por... Costa.

7/11/2014 / RITA DINIS / 8-11-2014.

Tal como esta sexta-feira António Costa apresentou ao partido e ao país a moção política ao XX Congresso Nacional do PS, em janeiro de 2009 era José Sócrates que apresentava o documento estratégico para o Congresso, que foi escrito precisamente sob a coordenação de António Costa. Cinco anos depois, a realidade do país mudou e, por isso, há diferenças nos dois textos e ausências muito notadas – como a dívida e o rigor orçamental – mas há também muitas semelhanças. No discurso e no caminho a seguir.

Palavras como dívida pública e endividamento externo não entravam na moção de José Sócrates, intitulada “PS: a força da mudança”, mas eram possivelmente as mais aguardadas na moção política e na prometida “Agenda para a década” de António Costa. Apesar de não defender nem a reestruturação nem a renegociação da dívida, Costa aponta uma proposta de solução mais alargada para o problema da dívida, que passa pela Europa e nomeadamente por uma “leitura mais flexível das regras orçamentais”.

Metas, regras e disciplina orçamental também não. São palavras que pouco ou nada aparecem no documento de José Sócrates. Mas cinco anos depois Costa defende, por um lado, que não devem ser postas “em causa as regras fundadoras da disciplina orçamental da União Europeia”, mas diz ao mesmo tempo que deve ser feita uma “leitura inteligente da disciplina orçamental”, isto é, com vista a uma mais flexibilidade das metas do Tratado Orçamental.

A postura perante a Europa é, precisamente, outro dos aspetos que distingue o discurso 100% europeísta do PS de Sócrates em 2009 e um discurso mais crítico de Bruxelas na moção estratégica do agora candidato a líder socialista. Se Sócrates dizia em 2009 que o “PS é o partido da Europa” – “sem qualquer hesitação, ambiguidade ou reserva” -, a moção de Costa pede agora uma “nova voz na Europa” e um “novo impulso na União Europeia”. Apesar de não querer um “virar de costas” a Bruxelas, Costa defende claramente uma mudança de direção.

Em cinco anos muito mudou no cenário económico-social português, mas mantém-se o discurso dos dois socialistas no que diz respeito à “resposta à crise“. Uma crise que, escrevia Sócrates na altura, se traduziu num défice “elevadíssimo” em 2005 devido “ao fracasso da governação da direita [governos de Durão Barroso e depois Santana Lopes]“. E uma crise que, diz Costa cinco anos depois, foi agravada pela resposta “pró-ciclica” dada pelo atual Governo de Pedro Passos Coelho.

No documento estratégico de Sócrates, lê-se que o PS se concentrou na tarefa de “promover o crescimento económico e a criação de emprego” a par de uma “política de rigor” para reduzir o défice. Uma postura de “resposta à crise” que Costa caracteriza de “contra cíclica” e que faz questão de lembrar no documento que agora apresenta:

“Enquanto a resposta em 2009 foi contra cíclica, tanto do ponto de vista orçamental como das políticas escolhidas – que procuraram conciliar a urgência da resposta no curto prazo com o investimento modernizador no longo prazo –, a resposta ao choque de 2011-2013 foi pró-cíclica”.

Entre 2009 e 2014 muito mudou, desde o pedido de ajuda externa à assinatura e execução do memorando da troika, mas as semelhanças nos discursos e nas propostas dos dois socialistas são evidentes, havendo no documento de Costa a promessa da reposição de algumas medidas do Governo anterior. Ficam aqui alguns exemplos:

Política Fiscal

Costa: Definir um quadro de estabilidade e transparência fiscal; estabelecer uma tributação pessoal mais equitativa; programar a evolução do IRS até 2020 e eliminar a sobretaxa e “outros elementos de regressividade do imposto”.

Sócrates: Assegurar um “maior equilíbrio”, nomeadamente através do apoio às famílias de rendimentos médios e do estimulo à natalidade, e uma “melhor distribuição do esforço fiscal” com limites às deduções de que beneficiam os que têm rendimentos mais elevados para que possam beneficiar os que têm rendimentos médios, eram bandeiras fiscais de Sócrates. Também a “maior transparência” estava presente.

Políticas sociais

Costa: Repor progressivamente as condições de equilíbrio dos sistemas de proteção social; centrar o combate à pobreza nas crianças e aos jovens. E repor o Complemento Solidário para Idosos, uma medida do governo socialista.

Sócrates: Já Sócrates se comprometia a “aprofundar as prestações sociais para aqueles que não podem aceder a rendimentos dignos através da atividade económica”. Pedia o “alargamento da proteção social para todos os setores da população que têm dificuldades de acesso a essa proteção”, e lembrava o Complemento Solidário para Idosos que, segundo Sócrates, tinha permitido retirar da situação de pobreza cerca de 200 mil idosos.

Salário mínimo

Costa: Não diz quanto nem quando, mas uma das promessas de António Costa é o “aumento sustentado” do salário mínimo nacional.

Sócrates não falava, na altura, em promessas de aumento do salário mínimo, mas não esquecia o assunto para dizer que “promovemos um aumento substancial do salário mínimo”.

Reforma do sistema eleitoral


Costa: Para já, promete alterar o sistema eleitoral, através da introdução dos sistemas uninominais. “Aperfeiçoar o regime de incompatibilidades entre a esfera pública e privada” também estará no horizonte.




PS. Propostas claras para ganhar em 2015
António Costa não pode ambicionar um cheque em branco dos eleitores

Por Luís Rosa
publicado em 8 Nov 2014 in (jornal) i online

António Costa teve ontem mais uma oportunidade para concretizar a política que defende para o país, mas repetiu um conjunto de princípios vagos na moção que vai levar ao congresso nacional do PS. Nunca se esperam grandes feitos nesse tipo de documentos, muito menos a um ano de eleições, contudo o tempo vai passando sem que Costa diga ao que vem.

No caso da "Agenda para a Década", que será a base do seu programa eleitoral, existe mesmo uma mudança de discurso em relação aos poucos compromissos claros que já tinham sido assumidos pelo futuro líder do PS, como Rita Tavares explica nestas páginas. Eis alguns exemplos: o aumento do salário mínimo para os 522 euros, que tinha sido prometido já para 2015, passa para um "aumento sustentado" sem data; a reposição integral dos salários para a função pública foi transformada numa "política de estabilização e recuperação dos rendimentos das famílias"; e a redução do IVA na restauração é ignorada. Já a sobretaxa do IRS tem direito a uma promessa de revogação, mas sem data concreta - apenas é feita referência a uma "evolução programada até 2020" - o que pode significar que a sobretaxa poderá vir a ser reduzida gradualmente até àquela data.

Esta mudança de discurso não é positiva. Uma coisa é falar de boca, outra é assumir um compromisso escrito que poderá ser escrutinado no futuro. Compreende- -se que António Costa seja cauteloso nas promessas, tendo em conta as anteriores experiências de Durão Barroso, José Sócrates ou Passos Coelho antes de chegarem a São Bento, e as dificuldades económicas e orçamentais no horizonte, mas o presidente da Câmara de Lisboa não pode esperar uma espécie de cheque em branco dos eleitores nas próximas legislativas. Tem de dizer de forma clara que política defende para o país.

António Costa pode e deve aproveitar o sentimento de mudança dos eleitores em geral. Pressente-se que a actual maioria já não consegue cativar os portugueses após quatro anos de austeridade sem grandes resultados. Para potenciar essa necessidade de mudança, repete-se, Costa tem de especificar as suas soluções.

Na questão da reestruturação da dívida, por exemplo, justifica-se o seu discurso cauteloso. É importante que tenha refreado as opiniões mais radicais do seu partido, assumindo serenamente desde o início que qualquer mudança no capítulo da dívida terá de ser tomada a nível europeu.

António Costa fala, e bem, na necessidade de aumentar o investimento de forma a potenciar o ténue crescimento económico que existe. O principal receio reside, contudo, no forte investimento público ou comunitário defendido pelo edil lisboeta. Criar um programa nacional de requalificação urbana assente em fundos públicos, voltar a apostar nas energias renováveis (leia-se: reforçar a subsidiação do sector) ou não incluir nas contas do défice orçamental os investimentos feitos a partir de financiamento europeu (que têm sempre uma comparticipação nacional) nos "domínios de energia, transportes e de economia digital" parece um regresso ao passado. Faz lembrar a Parque Escolar, as renováveis, as barragens, as PPP rodoviárias e o discurso de José Sócrates em 2009 sobre a única solução para a crise: investimento público, investimento público e... investimento público. Repetir os erros de José Sócrates é um luxo a que António Costa não se pode dar. Sob pena de perder o eleitorado do centro que mudou o seu voto de Sócrates para Passos Coelho em 2011.

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