Bruxelas avisa Centeno. O valor das casas "acelerou
consideravelmente" em Portugal nos últimos anos
Estudo deixa alertas à zona euro. "Setor habitacional é
propenso à formação de bolhas, é importante para a ocorrência de crises
financeiras, já que o rebentamento de bolhas pode levar a problemas no
pagamento das hipotecas."
Luís Reis Ribeiro
12 Março 2019
O preço das casas em Portugal afundou muito nos anos que
precederam a crise financeira (2000 a 2007), mas depois disso (de 2008 ao
terceiro trimestre de 2018) "aceleraram consideravelmente", o que
levanta questões relativas à estabilidade financeira e a uma possível
ocorrência de alguma disrupção no mercado.
De acordo com um estudo da Comissão Europeia enviado ontem
ao Eurogrupo - o conselho informal de ministros das Finanças da zona euro
presidido por Mário Centeno - há outros países, além de Portugal, que se
destacam por esse aumento muito vincado do custo das casas.
Os sinais de "sobrevalorização" ainda não
preocupam porque, como referido, a explosão nos preços tem estado a compensar
as quebras muito pronunciadas antes da crise, mas Bruxelas pede cautela e que
se acompanhe de perto estas dinâmicas de modo a prevenir surpresas
desagradáveis.
"A recuperação dos preços da habitação começou
timidamente em 2013, na sequência da retoma económica e refletindo um contexto
de taxas de juro baixas, e foi sustentada a ritmos diferentes em toda a zona
euro, refletindo fatores específicos de cada país, incluindo os fluxos
migratórios", refere o estudo.
Nesse contexto, "aconteceram-se acelerações
consideráveis nos últimos anos em vários Estados membros, como por exemplo
Irlanda, Portugal e Eslovénia".
No caso de Portugal, Bruxelas mostra que o preço médio das
casas caiu, em termos reais, cerca de 10% no período antes da crise (2000 a
2007), mas depois, entre 2008 e finais de 2018, conseguiu corrigir essa
desvalorização com um impulso da mesma magnitude (10%).
Mais recentemente, diz a Comissão Europeia, esse tem sido o
ritmo de valorização das casas nos países sob observação. Foi de 10% em 2017 e
2018 em Portugal e na Eslovénia (variações homólogas medidas no meio de cada
ano), aumentos que apenas foram superados pela Irlanda (cerca de 11%).
A preocupação de Bruxelas agora partilhada ao mais alto
nível com os 19 países do Eurogrupo não tem que ver só especificamente com cada
um dos países, mas também com a estabilidade da zona euro como um todo, já que
"o mercado imobiliário é um fator de relevância-chave para a estabilidade
macroeconómica".
"A habitação representa uma componente importante da
riqueza das famílias e uma parte substancial dos ativos nos balanços dos
bancos. Como o setor habitacional é propenso à formação de bolhas, também é
importante para a ocorrência de crises financeiras, já que o rebentamento de
bolhas imobiliárias pode levar a problemas no pagamento das hipotecas e à
deterioração dos balanços dos bancos [via formação de malparado]."
Além disso, Bruxelas observa que "muitos países que
experimentaram um boom duplo nos mercados imobiliário e de crédito nas últimas
décadas acabaram por sofrer uma crise financeira e uma severa contração do
produto interno bruto, havendo casos notáveis também entre os países da zona
euro ao longo do período de crise". Dois dos casos mais emblemáticos foram
Espanha e Irlanda. Portugal sofreu com esse fenómeno, mas em menor escala.
Adicionalmente, "o setor da habitação também tem
importantes implicações sociais". "Em particular, um crescimento
prolongado do preço das casas superior ao do rendimento pode tornar a habitação
inacessível a famílias desfavorecidas."
Avisos da OCDE
Em Portugal, esse problema ou risco já foi detetado por
várias instituições.
Por exemplo, a OCDE avisou há cerca de um mês que "nos
últimos anos tem havido um aumento constante na oferta de alojamentos
turísticos". E que o número de camas "aumentou 23% entre 2013 e
2017"; um terço desse crescimento tem que ver com a maior disponibilidade
de "quartos em habitações locais".
"Em Lisboa, a oferta do Airbnb mais do que duplicou
entre 2015 e 2017", mas a procura turística total continua a ultrapassar
claramente a oferta. Foi o que aconteceu nos últimos anos, garante a entidade.
Isto está a conduzir "a um forte crescimento dos preços do alojamento
turístico" e contribui para uma "pressão ascendente sobre as rendas
da habitação" e outros custos, em Portugal.
Outros avisos
Também no mês passado, a missão de avaliação da Comissão ao
pós-programa de ajustamento reparou que "é preciso acompanhar mais de
perto" o que está a acontecer no mercado da habitação em Portugal, em
particular em Lisboa e Porto.
No nono relatório sobre Portugal, os especialistas de
Bruxelas mostram-se relativamente preocupados com os efeitos da subida do valor
das casas nos últimos anos e constatam, por exemplo, que há efeitos sociais
destruidores em curso.
"O aumento no preço das casas está, em grande medida
concentrado nas principais cidades de Lisboa e Porto, onde as atividades do
turismo se estão a expandir para as áreas residenciais, com um impacto negativo
na habitação a preços acessíveis para os grupos socialmente vulneráveis."
O FMI também já tinha alertado para "vulnerabilidades
financeiras que podem estar a emergir em determinadas bolsas", em certas
regiões da Europa. "Há sítios - por exemplo Luxemburgo, algumas cidades
alemãs, algumas áreas em Portugal e na Holanda - onde os desequilíbrios entre a
procura e a oferta estão a levar a uma forte valorização do imobiliário residencial
[habitação] ou comercial."
E o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, também já
assinalou que há "situações de euforia no mercado, nomeadamente no mercado
residencial e hipotecário". E que, "dada a elevada exposição do setor
bancário ao mercado imobiliário residencial, um ajustamento abrupto dos preços
neste mercado representa um risco" para os bancos.
Países europeus impõem limites às rendas altas
ECO
Em países como a Alemanha, França ou Irlanda, são impostos
limites às rendas praticadas em algumas cidades. Por Portugal, Espanha ou
Itália, são mais comuns medidas como incentivos fiscais.
As rendas altas são um problema em muitas cidades europeias,
e são já vários os países que começaram a aplicar medidas para controlar a
situação. Na Alemanha, França e Irlanda, por exemplo, são impostos limites aos
valores que podem ser cobrados em alguns locais, de acordo com o Jornal de
Negócios (acesso pago).
Entre as medidas praticadas nestes Estados destaca-se o
travão imposto em algumas cidades alemãs, onde as rendas dos novos contratos de
arrendamento não podem ficar 10% acima do preço médio praticado na mesma zona
geográfica em habitações com características idênticas.
Já por Paris, chegou a avançar uma proposta que impunha o
limite às rendas de ficarem 20% acima do preço de referência de cada bairro. A
medida foi travada, por uma lacuna na lei, mas voltou a ser sugerida pelo
Governo, e encontra-se ainda em processo legislativo. Em Dublin, fixou-se nos
4% o aumento máximo das rendas, com a exceção das casas novas ou remodeladas.
Por outro lado, em países como Portugal, Espanha e Itália,
as soluções aplicadas no mercado de arrendamento passam por incentivos fiscais
para controlar os preços. Os proprietários em Itália que sustentem contratos de
cinco anos e rendas controladas podem chegar a ter descontos nos impostos de
até 10%.
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